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Capítulo 4 – O erro humano e sua prevenção

1 O erro no sistema de saúde

A prestação de cuidados na área de saúde é bastante complexa, uma vez que esta área se encontra em constante evolução, resultante de avanços sociais, científicos e tecnológicos. Neste cenário dinâmico, o

trabalho em saúde caracteriza-se como relacional, pela interação entre profissional, paciente, e tecnologia1.

Uma das funções da tecnologia reside na aplicação do conhecimento à prática e na criação de bens e serviços que unem o saber com o fazer, permeando diversas atividades humanas. Os profissionais de saúde devem desenvolver, por meio de educação, capacidade e destreza no uso de técnicas e instrumentos, para

apoiar e aprimorar a atividade que irá realizar2.

Cabe ressaltar que uma das complexidades do sistema de saúde relaciona-se com as múltiplas fontes

de informação e diferentes interfaces entre o profissional, equipe, paciente e tecnologia.O resultado do

trabalho é influenciado pela característica do procedimento, do ambiente onde esta sendo realizado e do

contexto organizacional2.

É com a participação de diferentes indivíduos que o cuidado ao paciente se realiza, sendo que nos serviços de saúde os profissionais experimentam um grau incomum de estresse que deriva de pelo menos quatro situações:

• A saúde é uma das poucas áreas de risco, em que não se pode determinar e limitar o fluxo dos

processos e escolher os pacientes que chegam para serem atendidos.

• A saúde é uma das poucas áreas de risco em que o sistema é amplamente apoiado por estudantes

recém-formados, como estagiários e residentes.

• A saúde possui diversas fontes óbvias de erro humano comuns ao sistema, incluindo fadiga exces-

siva no trabalho, rotina, realização de horas extras, turno de trabalho longo (acima de oito horas), sobrecarga de trabalho, falta crônica de pessoal, rotatividade de pessoal, dentre outros.

• A saúde possui uma fonte importante de erros derivada da necessidade de realizar intervenção em

diferentes ambientes, procedimentos que exigem controle, monitoramento e recursos de tecnolo-

gia dura são realizados em clínicas, ambulatórios, consultórios e domicílio3.

Neste contexto, James Reason cita outras características do sistema de saúde que predispõem a ocor-

Quadro 1. Características do Sistema de Saúde que predispõem a ocorrência de falhas4

∙ Ambientes incertos e dinâmicos ∙ Várias fontes de informação

∙ Mudanças, imprecisões e objetivos que se confundem

∙ Necessidade de processar informações atualizadas em situações e circunstâncias que mudam rapidamente ∙ Dependência de indicadores indiretos

∙ Problemas podem ser imprecisos

∙ Ações têm consequências imediatas e múltiplas

∙ Momentos de intenso estresse permeados por longos períodos de atividade rotineira e repetitiva. ∙ Tecnologia sofisticada com muitas redundâncias

∙ Interface entre operador e equipamentos complexa e muitas vezes confusa ∙ Alto risco

∙ Múltiplos indivíduos com diferentes prioridades

∙ Um ambiente de trabalho altamente influenciado por normas de alguns grupos e pela cultura organizacional

Mais de uma década atrás, o Instituto de Medicina (Institute of Medicine – IOM) dos Estados Unidos da América (EUA) publicou o relatório “Errar é Humano: Construindo um sistema mais seguro de saú-

de5” no qual destacou a necessidade de trabalhar as questões relacionadas com a segurança do paciente,

colocando este assunto como uma importante prioridade para as autoridades de saúde dos. Desde então,

a pressão para aumentar a segurança do paciente tem crescido continuamente em todo o mundo6.

Erros estarão sempre presentes em qualquer ação realizada em qualquer setor de atividade, pois esta é uma característica imutável do processo de cognição da nossa espécie. Ademais, quanto mais complexo é um sistema, ou mais complexa a ação, maior o risco de erros e eventos adversos poderem estar presen- tes. Em saúde, nem todos os erros culminam em eventos adversos e nem todos os eventos adversos são resultantes de erros. Esta distinção faz-se importante para a implementação de estratégias de prevenção, em especial de eventos adversos consequentes de erros, que por serem passíveis de prevenção, são classi-

ficados como eventos adversos evitáveis4-6.

Nem sempre o agravo ao paciente advém de grandes falhas realizadas em atividades com sistemas complexos, mas podem advir de pequenos deslizes capazes de ocasionar consequências fatais, dependo

das condições do paciente4.

Entender como os erros acontecem e quais são as suas implicações éticas e legais, não é uma tarefa fácil. Para implementar uma análise sistêmica, é necessário aprofundamento das questões conceituais e necessariamente participação dos profissionais de saúde, gestores, pacientes e familiares no processo.

Não é raro comentarmos e nos indignarmos a respeito de erros decorrentes de cuidados que ocorreram conosco ou com nossos familiares, contudo, muitas vezes nos mantemos alheios aos erros do sistema de saúde que decorrem da prática clínica diária, ou de condições precárias do sistema. Dados científicos produzidos sobre a temática, em especial, na última década, despertam para a necessidade de implementação de ações de prevenção, para tanto, inevitavelmente, faz-se necessária mudança de comportamento, vontade, esforço, muita

persistência e o desenvolvimento de ações que conduzam a mudanças concretas na prática clínica diária7.

Faz-se necessário entender que para prevenir erros humanos é necessário compreender como acon- tecem. Os erros podem advir de falhas de raciocínio, deslizes e lapsos. Erros advindos de deslizes são identificados eminentemente em atividades que podem ser observadas, como os procedimentos e as inter-

ASSISTÊNCIA SEGURA: UMA REFLEXÃO TEÓRICA APLICADA À PRÁTICA

venções e são associados a falhas na atenção. As falhas de raciocínio afetam o planejamento, a condução das ações de saúde e a tomada de decisão. Os lapsos decorrem de situações mediadas pela memória, nas

quais o esquecimento sobre qual conduta deveria ou não ser tomada pode ocasionar a ocorrência do erro6.