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Regulação e vigilância sanitária

Capítulo 7 – Regulamentação sanitária

2 Regulação e vigilância sanitária

A união entre vigilância sanitária e regulação é bem sucedida por convergir ações voltadas para di- minuição de riscos, ao equilibrar as relações de consumo entre possíveis consumidores e fornecedores de tecnologias e serviços.

A fundamentação para a regulação pública de setores da economia é bem conhecida e está relacionada à existência das chamadas falhas de mercado, que acontece em todos os mercados considerados imperfeitos

ou ineficientes. Um mercado eficiente produzirá produtos em quantidade suficiente para atendimento

de todas as demandas, e para todos os públicos. Contudo, a rigor, um mercado com um funcionamento

perfeito não existe. As falhas de mercado3 acontecem justamente quando há um desequilíbrio entre a

3 Alguns tipos de falhas de mercado, que mais tem a ver com o trabalho realizado pela vigilância sanitária são:

- Assimetria de informação: um exemplo simples e de fácil compreensão é dado por Bresser Pereira, ao lembrar a relação estabelecida entre um mecânico e o motorista que tem seu carro quebrado. O mecânico neste caso possui dois caminhos: escolher fazer seu trabalho bem feito ou informar que o carro possui problemas outros e demorar ou até mesmo fazer com que o carro apresente problemas que antes não tinha. Essa informação

oferta e a demanda, fazendo com que a primeira seja determinada somente por um dos lados da balança, que é a do produtor, que pode assim determinar preço e quantidade para o atendimento de seus próprios interesses. Esse desequilíbrio favorece o aumento de preços, a concentração de produção nas mãos de um ou de poucos determinados segmentos, dentre outras características indesejáveis para o bem-estar da coletividade.

A regulação por sua vez é atividade do Estado justamente focalizando restabelecer o equilíbrio por meio de instrumentos que consigam diminuir ou eliminar essas falhas de mercado, visando à melhora no funcionamento de determinados setores da vida econômica e social. Do ponto de vista econômico, as regras da regulação pública se aplicam sobre as entradas e saídas de empresas no mercado, sobre a qualidade, a segurança e sobre os preços dos produtos/serviços, incluindo-se aqui as ações e serviços de

saúde2. Essa interferência estatal na economia pode ser feita sob três pontos de vista distintos, a saber: o

econômico, o social e o administrativo.

A regulação utiliza-se da regulamentação4, como uma ferramenta que auxilia no processo de trans-

parência ao promover a conferência de padrões técnicos, operacionais e de infraestrutura, de forma a promover a qualidade e a diminuição de riscos.

As ações de vigilância sanitária são caracterizadas tanto por ações de saúde, quanto por instrumento de organização da sociedade, no sentido de conferir a lados diferentes de um mesmo acordo comercial segurança pelo ponto de vista econômico e da qualidade. Pode-se afirmar que a vigilância sanitária possui função mediadora entre os interesses dos diversos segmentos da sociedade, caracterizando-se como um

espaço verdadeiro para o exercício da cidadania e do controle social3.

Apesar de não ser um agente econômico per si, a vigilância sanitária, no sentido da proteção da socieda-

de, interfere em todas essas falhas, por meio da avaliação de risco no momento do registro de tecnologias5,

quando emite normas de funcionamento em serviços de saúde e de interesse à saúde, quando regula o preço de tecnologias e até mesmo intervém na propaganda dos anteriores. Quando um regulador emite uma norma técnica para concessão de registro de uma tecnologia de saúde, ao emitir um alvará sanitário, ou, em outros casos, cria indicadores para comparação da prestação de serviços, na verdade, ele cria um ambiente de confiança entre os diversos atores envolvidos na produção e no consumo, atraindo investi- mentos por um lado e por outro, aumentando a segurança e a qualidade para o consumidor.

2.1 Um pouco de história...

A abertura política e a globalização são os marcadores temporais e econômicos de uma série de trans- formações econômicas no Brasil nos últimos vinte anos. A última reforma administrativa, realizada no governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso nos idos dos anos 90, fez com que as relações formação. A ocultação de informação é chamada de seleção adversa e a ação oculta (de promover outros problemas ou não corrigir o existente) é chamada risco moral.

- Concorrência imperfeita: onde um único fabricante detém todo o mercado de um determinado produto (monopólio) ou quando um grupo muito pequeno detém o controle de um determinado produto (oligopólio).

- Externalidades: no exemplo dado para concorrência imperfeita, pode-se dizer que a criação de monopólios ou oligopólios promovem reações no mercado, como precificação sem parâmetros de comparação e oferta reduzida para uma demanda em expansão. Essas reações são chamadas ex- ternalidades, que podem ser entendidas como o efeito de um agente econômico sobre o bem-estar de (*) outrem. Pode ser positiva, nos casos de promover o bem-estar, ou negativa, quando o oposto se verifica.

4 A regulamentação não é a única. Outras formas de intervenção por meio de regulação podem ser feitas, como utilização do poder coercitivo ou

aplicação de multas4.

5 Tecnologias e tecnologia em saúde, para fins deste texto, são sinônimos e podem ser compreendidos como o “conjunto de procedimentos, equipamentos, medicamentos e insumos utilizados na prestação de serviços de saúde, bem como as tecnologias que dispõem sobre a infraestrutura e a organização destes serviços”. (Lopes e Lopes, 2008)

ASSISTÊNCIA SEGURA: UMA REFLEXÃO TEÓRICA APLICADA À PRÁTICA

entre o Estado, o mercado e a sociedade fossem revistas. A partir daquele momento, um Estado regulador surgiria com mais força.

Todos os setores da vida social e econômica seriam afetados. Não poderia ser diferente na área da Saúde, que já vinha passando por um processo peculiar derivado da Reforma Sanitária e da promulgação da Constituição Federal de 1988. Holofotes se voltariam para a Saúde e para a Vigilância Sanitária nesse importante momento e a atuação sanitária do Estado seria questionada em função de fatos divulgados em meios de comunicação de massa, que foram desde a suposta infecção hospitalar do primeiro presidente eleito depois de décadas de ditadura, Tancredo Neves, que o levou a morte, até problemas de eficácia e segurança de anticoncepcionais.

Para garantir a segurança e eficácia de tecnologias e serviços de saúde seria necessário inovar, e a escolha foi a criação de uma agência regulatória nos padrões norte-americanos, como do Food and Drug Administration (FDA), mas seguindo os preceitos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Assim, para que houvesse o fortalecimento das ações do sistema de saúde brasileiro, seguindo os preceitos da Carta Magna com relação à provisão de um Estado de Bem-Estar Social, sem prejuízo da regulação econômica, a Anvisa é criada em 1999 pela Lei nº 9782 de 26 de janeiro do mesmo ano e assume o papel de regulador predominantemente social e econômico, que se ratificou ao longo de mais de uma década de existência.

A Constituição Federal, além da promoção do Bem-Estar Social, destaca já no artigo 196, o primeiro da seção II, Da Saúde, a necessidade de redução do risco. Em consonância com esses ditames, a missão

institucional atual da Anvisa ratifica o compromisso5:

“Promover e proteger a saúde da população e intervir nos riscos decorrentes da produção e do uso de produtos e serviços sujeitos à vigilância sanitária, em ação coordenada com os estados, os municípios e o Distrito Federal, de acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde, para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira”. (Grifo nosso).