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O que realmente significa qualidade?

Capítulo 3 – A segurança do paciente inserida na gestão da qualidade dos serviços de saúde

2 O que realmente significa qualidade?

Com o intuito de evitar a subjetividade e contribuir para a validade das ações de melhoria da qualida- de, podemos definir a qualidade de forma geral; em relação aos serviços de saúde; e até mesmo relativa

a uma assistência a um problema de saúde específico (Figura 1)1. Tudo passa pela resposta à pergunta: O

Figura 1. Os três níveis do conceito de qualidade

QUALIDADE EM GERAL

QUALIDADE DOS SERVIÇOS DE SAÚDE QUALIDADE DA ASSISTÊNCIA A UM PROBLEMA DE SAÚDE ESPECÍFICO

2.1 Definição genérica de qualidade

Embora seja possível afirmar que há interesse crescente pela qualidade na área da saúde, vale a pena considerar a opinião de autores clássicos sobre a qualidade na indústria, pois foi na área industrial que a gestão da qualidade se tornou mais desenvolvida e fecunda, inspirando boa parte das iniciativas existentes hoje nos serviços de saúde.

Segundo Juran2, um serviço ou produto será de qualidade quando for “adequado à utilização preten-

dida”, ou seja, se servir para o que estava previsto. Essa definição implica que antes de oferecer um serviço ou produto, existe uma consideração implícita ou explícita sobre as necessidades e expectativas que ele

pretende atender. A mesma ideia básica está presente nas definições de Deming3 ao afirmar que “depende

do sujeito que julgará o produto ou serviço”, e de Ishikawa4, quando diz que é a “satisfação dos requisitos

dos consumidores desse produto ou serviço”.

Como se pode perceber, existe um esquema básico subjacente a essas definições, que pode ser útil para avaliar e melhorar a qualidade de qualquer produto ou serviço. O esquema tem três componentes: (i) provedor; (ii) serviço ou produto oferecido; e (iii) receptor desse serviço ou produto. Para haver qua- lidade, o provedor deve considerar as características dos usuários, moldar o serviço ou produto, fazendo

com que ele se adeque perfeitamente às suas necessidades e expectativas (Figura 2)1. A falta de sintonia

ASSISTÊNCIA SEGURA: UMA REFLEXÃO TEÓRICA APLICADA À PRÁTICA

Figura 2. Esquema presente nas definições gerais de qualidade

SERVIÇOS DE BAIXA QUALIDADE: NÃO SE AJUSTAM ÀS NECIDADES E EXPECTATIVAS DOS RECEPTORES ESQUEMA BÁSICO PARA DEFINIR E ANALISAR A QUALIDADE

SERVIÇOS SERVIÇOS SERVIÇOS PROVEDOR RECEPTOR (Usuário ou cliente) PROVEDOR RECEPTOR (Usuário ou cliente) PROVEDOR RECEPTOR (Usuário ou cliente) SERVIÇOS DE ALTA QUALIDADE: AJUSTAM-SE ÀS NECIDADES E EXPECTATIVAS DOS RECEPTORES

2.2 Qualidade dos serviços de saúde

Apesar de que o esquema anterior se aplica a qualquer organização empresarial, naturalmente, não é exatamente igual oferecer automóveis, máquinas de lavar, alimentação, ou serviços de saúde. Desta forma, convém especificar um pouco mais a definição de qualidade, para entender melhor o que se caracteriza por um produto ou serviço de qualidade do nosso tipo específico de “empresa”.

Considerando as várias definições sobre qualidade em serviços de saúde,5 todas se caracterizam por

diferentes interpretações do que representa satisfazer as necessidades de assistência à saúde da população receptora do serviço. Nossa conclusão é que não é possível escolher uma universalmente válida, até porque esse tipo de definição não existe, mas é importante definir o conceito de qualidade em função da missão do serviço ou serviços de saúde em questão, considerando realisticamente as circunstâncias do meio em que ele(s) está(ão) inserido(s). Por exemplo, circunstâncias como os serviços públicos ou privados, com acesso universal ou dirigidos a determinada população, e até mesmo os recursos disponíveis, poderiam ser considerados.

Entretanto, um aspecto importante deste âmbito de definição é a compreensão de que a qualidade não depende de um único fator, mas da presença de uma série de componentes, atributos ou dimensões. Cada instituição deve escolher conscientemente os seus atributos-alvo que definirão a qualidade. Mas que dimensões ou atributos são esses?

Um grupo de dimensões muito utilizado e que serviu de base para a construção de indicadores de

qualidade em várias partes do mundo foi o do Instituto de Medicina dos Estados Unidos (IOM)6, que

posteriormente foi adaptado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)7,8. Esse grupo está composto

Quadro 1. Dimensões da qualidade dos serviços de saúde

1. Segurança Ausência de lesões devido à assistência à saúde que supostamente deve ser benéfica. Sistemas de saúde seguros diminuem o risco de dano aos pacientes.

2. Efetividade Prestação de serviços baseados no conhecimento científico a todos os que podem beneficiar-se destes, e evitar prestar serviços àqueles que provavelmente não se beneficiarão (evitar a infra e supra utilização, respectivamente).

3. Atenção centrada no paciente

Envolve o respeitar o paciente, considerando suas preferências individuais, necessidades e valores, assegurando que a tomada de decisão clínica se guiará por tais valores.

4. Oportunidade / Acesso (interno e externo)

Redução das esperas e atrasos, às vezes prejudiciais, tanto para os que recebem como para os que prestam a assistência à saúde.

5. Eficiência Prevenção do desperdício de equipamentos, suprimentos, ideias e energias.

6. Equidade Prestação de serviços que não variam a qualidade segundo as características pessoais, tais como gênero, etnia, localização geográfica e status socioeconômico.

Adaptado de: IOM6 e OMS7,8.

2.3 Qualidade de um processo ou serviço: o terceiro nível da qualidade.

Apesar da clareza do que foi exposto até aqui, torna-se imprescindível dar mais um passo para que o conceito de qualidade seja operativo. Na prática, é necessário traduzir as dimensões para os requisitos concretos de cada serviço, problema de saúde ou tipo de paciente, possibilitando avaliar se ele tem ou não qualidade.

Por exemplo, em determinada intervenção cirúrgica, poderíamos fazer várias perguntas sobre cada uma das dimensões importantes: o que determina a sua efetividade? Como podemos diminuir o risco de dano? Está acessível à nossa população alvo? Responder de forma detalhada a essas perguntas nos dará uma lista de características ou requisitos que definem a assistência de qualidade ao problema de saúde que estamos analisando, sempre considerando aquelas que conduzem à satisfação das necessidades e expectativas dos respectivos usuários.

A ideia subjacente a esse raciocínio, pensado primariamente para os produtos da indústria, também é relevante para os serviços de saúde: definamos bem o nosso produto, incluindo as características que deve ter para ser de qualidade, e depois tentemos avaliá-lo de forma direta ou indireta. Assim, tanto a quali- dade como suas dimensões se transformam em conceitos flexíveis, adaptáveis a cada produto ou serviço, e dependentes da criatividade, responsabilidade e entendimento da função que deve ser desempenhada por cada profissional, instituição ou sistema.