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O Estatuto da Cidade e a determinação do uso da propriedade urbana em prol

CAPÍTULO III – ESTATUTO DA CIDADE E O TRATAMENTO

1. O Estatuto da Cidade e a determinação do uso da propriedade urbana em prol

A partir da Lei Federal nº 10.257/01, o desenvolvimento da política urbana se tornou possível e mais presente na ordem concreta da realidade brasileira. O Estatuto da Cidade, denominação trazida pela lei, foi criado com base na competência da União em expedir normas de natureza geral de Direito Urbanístico direcionadas ao Município, servindo de base para este expedir suas normas específicas de natureza urbanística, em especial, na elaboração do seu Plano Diretor, a fim de que possa ter ampla aplicação na ordem urbanística da cidade. Neste sentido, interessa trazer à baila lição do Prof. Márcio Cammarosano, que ao discorrer sobre o Estatuto da Cidade leciona:

“Ora, a lei que consubstancia o denominado Estatuto da Cidade não se limita a estabelecer regras orgânicas e procedimentais para a execução dos dispositivos constitucionais que ‘regulamenta’. Inova originariamente a ordem jurídica, estabelece obrigações e proibições a particulares e a agentes públicos, cria instit utos jurídicos, prevê sanções para os que violarem as regras que prescreve.

Sem embargo, feita essa advertência, é de se registrar também – e desde logo – que a lei em questão ainda reclama, aqui e acolá, produção normativa de competência municipal que lhe possibilite integral aplicabilidade, como se verifica pela leitura dos arts. 5º, 25, 30, 32, 35, 36 e 40”.157

Mais do que um instrumento de natureza jurídica, o Estatuto da Cidade inseriu no ordenamento jurídico instrumentos de concreção de políticas públicas a fim de se atingir o preceito constitucional da preservação ambiental. Logo em seu artigo 1°, a Lei Federal 10.257/01 dispõe que:

“Art. 1°. Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei. Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio

ambiental”. (grifo meu)

O uso da propriedade urbana deve então se adequar ao equilíbrio ambiental. Assim como o artigo 225 da Constituição determina que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a norma federal do Estatuto da Cidade também faz referência ao equilíbrio ambiental da propriedade urbana. O equilíbrio ambiental, ou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, é definido pela doutrina da seguinte forma:

“Equilíbrio ecológico ‘é o estado de equilíbrio entre os diversos fatores que formam um ecossistema ou habitat, suas cadeias tróficas, vegetação, clima, microorganismos, solo, ar, água, que pode ser desestabilizado pela ação humana, seja por poluição ambiental, por eliminação ou introdução de espécies animais e vegetais’ (...) O equilíbrio ecológico não significa uma permanente inalterabilidade das condições naturais. Contudo, a harmonia ou a proporção e a sanidade entre os vários elementos que compõem a ecologia – populações, comunidades, ecossistemas e a biosfera – hão de ser buscadas intensamente pelo Poder Público, pela coletividade e por todas as pessoas”.158

O equilíbrio ambiental deve levar em consideração o meio ambiente como um todo ou “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,

157 CAMMAROSANO, Márcio. Fundamentos Constitucionais do Estatuto da Cidade (art.) In DALLARI,

Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 23

158 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2005,

química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”,

conforme define a lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal 6.938/81, art. 3º, I).

A Constituição Federal, no artigo 225, determina que para assegurar o direito ao equilíbrio ambiental deve o Poder Público definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos (III); exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental (IV); promover a educação ambiental e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente (VI); e proteger a fauna e a flora (VII); enfim, atuações direcionadas de modo a garant ir qualidade de vida.

Todas as ações do Poder Público devem levar em conta a gestão ambiental de modo a atender o equilíbrio do ambiente. A proteção jurídica ao meio ambiente visa dar qualidade de vida às pessoas, objetivo também inserido no Direito Urbanístico, que possui regras e princípios tendentes a regular os espaços habitáveis de forma a garantir qualidade de vida aos habitantes das cidades.

Luís Paulo Sirvinskas, em estudos à tutela constitucional ao meio ambiente e trazendo lição da doutrina de Édis Milaré e de Paulo Afonso Leme Machado, aduz:

“...como se de deve interpretar a expressão meio ambiente ecologicamente equilibrado? Essa expressão deve ser interpretada conciliando o binômio: desenvolvimento (art. 170, VI da CF) versus meio ambiente (art. 225, caput, da CF). Assim, compatibilizar ‘meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando- se as suas inter-relações particulares a cada contexto sócio-cultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma dimensão tempo/espaço. Em outras palavras, isto implica dizer que a política ambiental não se deve erigir em obstáculo ao desenvolvimento, mais sim em um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, os quais constituem a sua base material’. O equilíbrio ecológico não significa inalterabilidade das condições naturais, busca-se, no entanto, a harmonia ou a proporção e a sanidade entre os vários bens que compõem a ecologia (populações, comunidades, ecossistemas e a biosfera)”.159

159 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela Constitucional do Meio Ambiente. Interpretação e aplicação das

normas constitucionais ambientais no âmbito dos direitos e garantias fundamentais. Tese de Doutorado em Direito Ambiental. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006, p. 100

A expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado” também se insere nos objetivos e finalidades da política urbana. O artigo 182 determina que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantia do bem estar de seus habitantes. O desenvolvimento das funções sociais da cidade determina a garantia de direitos de moradia, lazer, trabalho, circulação e acesso ao desenvolvimento econômico, e ainda, do uso racional do meio ambiente.

A doutrina acima traz o planejamento como o meio eficaz de agregar desenvolvimento e preservação ambiental. A instrumentalização do planejamento é realizada pela concreção de planos, dentre os quais, dá-se ênfase ao Plano Diretor como instrumento de planejamento voltado ao desenvolvimento das cidades. Pode-se afirmar portanto, que o Estatuto da Cidade, ao determinar que a propriedade urbana deve atender ao equilíbrio ecológico, impõe o cumprimento do princípio da função sócio ambiental da propriedade.

Conforme já visto, o princípio da função social da propriedade visa dar à propriedade uma finalidade de interesse coletivo. O cumprimento do princípio da função social da propriedade determina ao proprietário o ônus de usar sua propriedade de forma racional e em respeito ao meio ambiente. O princípio da função sócio ambiental das cidades significa dizer que a política urbana deve criar meios eficazes para o desenvolvimento das cidades de forma sustentável, equilibrando o desenvolvimento econômico e a utilização dos recursos ambientais. Nas lições de José Afonso da Silva:

“... quer dizer que a Política Urbana tem por objetivo construir e ordenar um meio ambiente urbano equilibrado e saudável. É que a qualidade do meio ambiente urbano constitui, mesmo, um ponto de convergência da qualidade do meio ambiente natural (água, ar e outros recursos naturais) e a qualidade do meio ambiente artificial (histórico-cultural)”160

A política urbana, portanto, deve contemplar políticas públicas municipais de preservação ambiental. A função sócio-ambiental da cidade só poderá se concretizar com a execução, pelos Municípios, das diretrizes gerais de desenvolvimento urbano instituídas pela União, positivadas no nosso ordenamento jurídico pelo Estatuto da Cidade.

160 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p.

2) Uma análise das diretrizes gerais da Política Urbana que se direcionam às