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Obrigatoriedade da participação popular na elaboração do Plano Diretor

CAPÍTULO IV – PLANO DIRETOR E SUA CONTRIBUIÇÃO NA

3. Obrigatoriedade da participação popular na elaboração do Plano Diretor

O Estatuto da Cidade estabeleceu como uma de suas diretrizes a gestão democrática da cidade. Assim, na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano deve ser garantida a participação da sociedade (art. 2°, II). A doutrina de Adilson Abreu Dallari, tratando da gestão participativa, leciona:

“A gestão democrática, como fórmula portadora da idéia não apenas do ‘governo do povo’ e ‘pelo povo’, mas também do governo da cidade ‘para o povo’, remete a uma concepção ampliada de cada direito relacionado à vida urbana. De acordo com ela é que se vislumbram o ‘direito à cidade’ e ‘função social da cidade’, tal como dispõe a parte final do art. 182 do texto constitucional, ao estabelecer como objetivo da política de desenvolvimento urbano ‘ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.246

Consoante ficou tratado no Capítulo I, o princípio da participação popular, em matéria de Direito Urbanístico, foi ampliado com a importância que a Lei Federal 10.257/01 reservou ao tema, determinando uma gestão compartilhada entre o Poder Público e a sociedade civil no desenvolvimento das cidades. Interessa, neste momento, estabelecer como a participação popular ficou determinada pelo Estatuto da Cidade, sendo fase obrigatória de elaboração da lei do Plano Diretor.

Assim, determina o art. 40, §4° do Estatuto da Cidade, que a audiência pública é obrigatória no processo de elaboração do Plano Diretor e na fiscalização de sua implantação, devendo ser realizada tanto pelo Poder Executivo como pelo Poder Legislativo, este, no processo legisla tivo de discussão e votação de importante lei para o Município.

246 DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal

Após a entrada em vigor do Estatuto da Cidade, o Ministério das Cidades247 expediu a Resolução n° 25 do Conselho das Cidades, que nos arts. 5°, 8° e 9° dispõe sobre procedimento das audiências públicas. Em razão de se tratar de resolução, não tem poder normativo para vincular a atuação do ente municipal, que pode expedir seus próprios regulamentos para o processo da audiência pública. Entretanto, como critério de orientação aos Municípios, entende-se que a Resolução aponta importantes passos a fim de garantir a legitimidade do ato público na elaboração da Lei do Plano Diretor, bem como nas audiências públicas como etapa dos processos de licenciamento urbanístico.

A Resolução do Conselho das Cidades determina que no processo participativo deverá ser garantida a diversidade dos segmentos sociais a serem consultados e os locais de discussão (art. 5°); a convocação da audiência por edital com todas as informações necessárias à participação popular, ou seja, local e horário de sua realização; a garantia da presença e a possibilidade de um espaço legítimo de discussão (art. 8°). O Poder Público deverá se resguardar juridicamente, providenciando listas de presença, gravação do ato e lavratura de atas, documentos que poderão compor o processo de elaboração da lei do Plano Diretor.

A partir da obrigatoriedade de audiência pública na condução do processo de elaboração do Plano Diretor, pode-se apontar como mandamentos ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo a condução de todo o processo com garantia de ampla informação e divulgação, seja por rádio, televisão, panfletagem, faixas, etc; o dever de garantir que a programação das audiências públicas chegue ao conhecimento da população de maneira clara, simples e antecipada; que durante a realização do ato de consulta popular seja garantida a oitiva daqueles que se fizerem presentes, sejam pessoas físicas ou pessoas jurídicas representativas de organizações sociais, empreendedores, etc.

O Estatuto da Cidade, além da audiência pública, ainda traz outros fóruns de participação popular na gestão democrática da cidade, inseridos no art. 43, diz a norma:

“Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:

I. órgãos colegiados de política urbana (CONSELHOS); II. debates, audiências, consultas públicas;

III. conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;

247 “Ao Ministério compete tratar da política de desenvolvimento urbano e das políticas setoriais de

habitação, saneamento ambiental, transporte urbano e trânsito”. Disponível em site:

IV. Iniciativa popular de lei e de plano, programas e projetos de desenvolvimento”.

Um importante ponto a ser considerado na matéria da gestão participativa, refere- se quanto ao conteúdo oriundo das deliberações da comunidade. A participação popular terá caráter consultivo ou deliberativo? O Poder Público está obrigado a adotar as medidas e deliberações resultantes da participação popular? Em estudos ao regime jurídico da audiência pública, Mariana Mencio leciona:

“Dentro dessa corrente, os doutrinadores identificam, no exercício dessa atividade, graus de intensidade no exercício do poder político participativo. Nesse caso, os instrumentos de participação na gestão pública apresentam graus de intensidade variada, que podem se manifestar desde a influência na gestão da coisa pública até à substituição do poder público no processo de tomada de decisão. Dessa forma, cabe à lei dosar a influência do instituto participativo na Administração Pública e no Poder Legislativo. De acordo com os graus de intensidade, os instrumentos de participação popular apresentam as seguintes variações: Informação, Influência, Elaboração da decisão e co-decisão”.248

A mencionada doutrina apresenta duas correntes para definir o conteúdo das deliberações oriundas das audiências públicas: a primeira, que defende que as deliberações obtidas em audiência pública vinculam a atividade administrativa e a legislativa, cabendo, entretanto, ressalvas que sempre poderão ser justificadas e motivadas pelo Poder Público; e a segunda, que entende que as deliberações oriundas das audiências públicas não têm qualquer poder de vincular a atuação do Poder Público, servindo apenas como esclarecimento e informação para a tomada da decisão administrativa.

A doutrina de Mariana Mencio249, filiando-se ao segundo posicionamento, fundamenta sua posição aduzindo que por meio da participação direta o Poder Público não consegue ouvir toda sua população, motivo pelo qual a decisão também não teria uma legitimidade capaz de representar diretamente o povo, e esclarecendo que a participação direta não pode se sobrepor ao da democracia representativa, em que todos são obrigados a participar dos destinos do Estado por meio de eleições. A doutrina de Daniela Libório Di Sarno explicita o caráter consultivo da audiência pública:

248 MENCIO, Mariana. Regime Jurídico da Audiência Pública na gestão democrática das cidades. Belo

Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 71

“Audiência pública é forma de participação direta da sociedade no processo de formação decisória do poder político e, por isso, é prévia à decisão que se pretende tomar. Poder ser facultativa ou obrigatória e, desde que seja feita, deve ser revestida de elementos garantidores de eficácia e legitimidade. Seu caráter é consultivo e pode ser condição necessária para a validade de atos praticados em sua decorrência”. 250(grifo meu)

Assim também é a doutrina de Edis Milaré:

“Audiência Pública não é comício em que determinado partido se promove ou apresenta seu programa. Não é, também, um plebiscito em que os participantes estão circunscritos ao sim ou a não, até mesmo porque a audiência pública não tem caráter deliberativo,

mas, ao contrário, é um procedimento estritamente consultivo”.251 (grifo meu)

Tratando da natureza das decisões proferidas pelos conselhos municipais, adverte Elenaldo Teixeira:

Quanto ao caráter deliberativo dos conselhos, devemos considerar dois aspectos. A rigor, somente os organismos eleitos por sufrágio universal ou que recebem dele gação explícita teriam o poder decisório num regime democrático, em que a regra da maioria é princípio basilar que se traduz na eleição por voto universal (...). Por outro lado, estamos diante de um processo de mudanças das relações entre Estado e sociedade em que vários espaços de interlocução e de negociação começam a surgir. Estes passam a ter uma legitimidade que denominamos de substantiva, embora não se pautem pelas regras de uma legitimidade ‘procedimental’, provinda de eleições ou decisão de maiorias.252

Sobre a citação, Maria Paula Dallari Bucci aduz:

A advertência deve ser levada em conta para que a lei de criação do conselho de desenvolvimento urbano defina um modelo de atuação proveitoso para a solução das questões urbanas, que tanto ofereça um espaço relevante para a participação popular quanto contribua para a

250 DALLARI, Adilson Abreu; DI SARNO, Daniela Campos Libório (Coord.). Direito Urbanístico e

Ambiental. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 49

251 MILARÉ, Edis . Direito Ambiental: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 1ª ed. São Paulo: RT,

2000, p. 389

252 DALLARI, Adilson Abreu. Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo:

governabilidade, ao compartilhar com o conselho a gestão das questões urbanas.253

A incorporação da audiência pública no processo de elaboração da lei do Plano Diretor tem por fim influir e cooperar na tomada de decisão pelo Poder Público que mais atenda ao interesse da coletividade. Crê-se na oitiva popular, não somente como forma de cumprimento de simples fase obrigatória de procedimentos para amparar a Administração Pública na tomada de suas decisões, mas principalmente, como um exercício contínuo de cidadania e fortalecimento do regime político democrático. Sendo a iniciativa da audiência pública mais um plus para orientar a decisão do Poder Público, que poderá denotar empatia com as deliberações oriundas da população.

A abertura de espaços para a discussão popular na gestão pública, necessariamente influirá nos destinos da gestão da cidade, seja de forma direta, opinando e decidindo sobre as prioridades, seja para conduzir a posições políticas mais acertadas na escolha dos representantes. A mudança no modelo de Administração Pública, incorporando a participação popular na ordem de seu dia, engrandece o processo de planejamento e ordenação do território:

“É um completo engano pensar que a democracia atrapalha o planejamento, mesmo porque, se esta antinomia fosse verdadeira, seria correto eliminar imediatamente o planejamento. Ao contrário, o planejamento é uma forma de organizar a democracia e de exprimi-la. O que devemos dizer, de forma clara e tranqüila, é que este tipo de planejamento toma o partido da maioria da população da cidade e a defende, aliás, por isso ele é democrático”.254

4. Processo Participativo de elaboração do projeto de lei do Plano Diretor de São