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CAPÍTULO III – ESTATUTO DA CIDADE E O TRATAMENTO

2. Uma análise das Diretrizes Gerais da Política Urbana que se direcionam às

2.3. Ordenação e Controle do Uso do Solo

José Afonso da Silva, ao tratar da ordenação do uso e ocupação do solo, aduz:

“1. A ordenação do uso e ocupação do solo é um dos aspectos substanciais do planejamento urbanístico. Preconiza uma estrutura mais orgânica para as cidades, mediante a aplicação de instrumentos legais de controle do uso e da ocupação do solo – com o quê se procura obter uma desejável e adequada densidade populacional e das edificações nos aglomerados urbanos.

2. Esses instrumentos legais traduzem-se em instituições e institutos jurídicos de Direito Urbanístico relativos à ordenação e ocupação do solo, que, em geral, se têm englobado sob o conceito de ‘zoneamento do solo’ – empregada essa expressão em sentido largo, como instrumento legal utilizado pelo Poder Público, para controlar o uso da terra, as densidades de população, a localização, a dimensão, o volume dos edif ícios e seus usos específicos, em prol do bem estar geral”.173

O Estatuto da Cidade aponta a ordenação e o controle do uso do solo como forma de se evitar:

“(...)

a) utilização inadequada dos imóveis urbanos;

b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;

c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana;

172 FREITAS, José Carlos de. Proteção Jurídica do Meio Ambiente Urbano. In MARQUES, José Roberto

(Org). Leituras Complementares de Direito Ambiental. Salvador: Editora Podivm, 2008, p. 204

d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra- estrutura correspondente;

e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização;

f) a deterioração das áreas urbanizadas;

g) a poluição e a degradação ambiental”. (grifo meu)

A competência de ordenação e controle da ocupação do solo é reservada ao ente municipal, nos termos do disposto no art. 30, VIII da Constituição Federal. O Município será o responsável por determinar a ordenação do solo urbano, mediante a divisão de seu território de forma a determinar e induzir ao planejamento urbanístico municipal. Um dos instrumentos para realização da ordenação e uso do solo em prol do bem estar dos moradores das cidades, é o zoneamento de uso do solo ou “procedimento

urbanístico destinado a fixar os usos adequados para as diversas áreas do solo municipal. Ou: destinado a fixar as diversas áreas para o exercício das funções urbanas elementares”174, tema que será tratada em item próprio.

A matéria de ordenação e controle do uso do solo e a delimitação de funções sociais da propriedade, a serem desempenhadas no território, determinarão, de forma direta, uma intervenção nas questões de preservação do meio ambiente. É certo que a intervenção municipal nos destinos da cidade, limitando o uso da propriedade e definindo usos compatíveis com o interesse coletivo, terá que enfrentar as questões de poluição e de degradação ambiental dentro dos limites territoriais do Município.

a) Poluição e Degradação Ambiental

Dentre todos os benefícios da execução de políticas de ordenação e de controle do uso do solo, entende-se importante mencionar sobre aquilo que vem disposto no art. 2°, VI, “g”, ou seja, sobre a possibilidade de ações de ordenação do território determinarem o controle da poluição e da degradação ambiental. Tratando do tema da degradação do meio ambiente, aduz a doutrina:

“A ação predatória do meio ambiente natural manifesta-se de várias maneiras, quer destruindo os elementos que o compõem, com a derrubada das matas, quer contaminando-os com substâncias que lhes

alterem a qualidade, impedindo seu uso normal, como se dá com a poluição do ar, das águas, do solo e da paisagem”.175

Segundo a doutrina de José Afonso da Silva, a melhor definição de poluição e degradação da qualidade ambiental encontra-se disposta na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente:

“É mais completa a definição que nos oferece a Lei 6.938, de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, que no art. 23º, considera poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”.176

E ainda, acrescenta o autor, “A poluição é o modo mais pernicioso de degradação

do meio ambiente. Atinge mais diretamente o ar, a água e o solo ...”.177 A ordenação e o controle do uso do solo urbano também poderá determinar o controle da poluição, seja do ar, da água ou do solo.

O controle da poluição do ar é assunto do dia a dia das cidades. A poluição do ar pode ocorrer por meio de fontes industriais, através de veículos automotores, entre outros. Em matéria de poluição industrial, pode-se pensar no zoneamento da cidade como forma de estabelecer núcleos industriais que não prejudiquem a população em razão da concentração elevada de poluentes. No que tange à poluição do ar por veículos automotores, além do controle de emissão de poluentes, a cidade pode ser planejada e ordenada de forma a facilitar a circulação e locomoção das pessoas. A regulação do uso do solo pode determinar menores impactos no transporte, incentivando a atividade econômica em locais que facilitem a locomoção e a circulação da mão de obra nos grandes centros urbanos. Ainda relacionado ao tema da poluição do ar, o problema das temidas mudanças climáticas ocupa um espaço de grande relevância no atual momento, sobre isso, aduz a doutrina:

175 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,

2009, p. 28

176 Ibidem 177 Ibidem. p. 29

“Esse risco, na verdade, afeta o globo terrestre por inteiro, gerando efeitos perversos como a perda da biodiversidade, a sensível alteração do nível dos oceanos e mares, assim como incalculáveis prejuízos de ordem econômica. As mudanças climáticas não atingem apenas o clima e a sustentabilidade da produção econômica: podem tornar inviável a vida humana e outras formas de vida, provocando assim uma radical mudança no Planeta”.178

Em nível internacional, faz-se referência ao Protocolo de Kyoto, que constitui um legítimo Tratado Internacional, contendo compromissos rígidos para a redução da emissão dos gases do efeito estufa. Sobre a competência do Município para tratar do assunto, aduz a doutrina:

“A poluição do ar é um campo em que, normalmente, o Município vincula-se às normas instituídas pela União e pelos Estados. Poderá suplementar essas normas, de forma mais restritiva. Inexistindo regras federais e estaduais, visando o interesse local, o Município pode criar regras sobre a poluição atmosférica. O zoneamento ambiental terá a possibilidade de praticar uma política preventiva e/ou restauradora em matéria de poluentes atmosféricos. De outro lado, na execução das normas, através de um eficiente sistema de autorização e de fiscalização, é que o Município impedirá a agressão à saúde de seus munícipes cometida através da poluição do ar. Certamente haverá pressões – às vezes enquistadas nos próprios poderes municipais – contra uma política de saúde ambiental, mas esta poderá ser obtida pela perseverante exigência da sociedade civil, do Ministério Público e do Poder Judiciário”.179

A poluição das águas vem definida pela doutrina: “como qualquer alteração de

suas propriedades físicas, químicas ou biológicas que possa importar prejuízo à saúde, à segurança e ao bem-estar das populações, causar dano à flora e à fauna ou comprometer seu uso para fins sociais e econômicos”180 Importa ressaltar o papel do Poder Público, adotando políticas de saneamento ambiental a fim de preservar os recursos hídricos.

A poluição do solo e do subsolo:

“é a forma de contaminação que importa alteração adversa de suas qualidades, ou, mais especificadamente, a poluição do solo e do subsolo consiste na deposição, disposição, descarga, infiltração,

178 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 5ª ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 1154

179 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro . 13ª ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2005, p. 391

180 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,

acumulação, injeção ou enterramento no solo ou no subsolo de substâncias ou produtos poluentes, em estado sólido, líquido ou gasoso.

Os principais poluentes do solo e do subsolo são os resíduso sólidos, assim considerados qualquer lixo, refugo, lodos, lamas e borras resultantes de atividades humanas de origem doméstica, profissional, agrícola, industrial, nuclear ou de serviço, que neles se depositam, com a denominação genérica de lixo, o que se agrava constantemente em decorrência do crescimento demográfico dos núcleos urbanos e especialmente das áreas metropolitanas”.181

A ordenação e o controle do uso do solo urbano interferirão, sobremaneira, nos assuntos relacionados à poluição do mesmo. Portanto, o controle do uso do solo deve estabelecer limites e usos compatíveis com o meio ambiente. Em matéria de ordenação e uso do solo urbano, pode-se apontar como política de combate à poluição e à degradação ambiental o incentivo à produção agrícola familiar rural e às políticas preservacionistas em núcleos rurais.

A ordenação do território poderá instituir e induzir a ocupação de solo em locais de baixa densidade ocupacional, orientando o uso da propriedade com respeito às áreas de preservação ambiental e garantindo o acesso à moradia para a população de baixa renda, de forma a evitar a ocupação de áreas de preservação permanente. É inegável que as ações de ordenação e controle do uso do solo possam interferir, positivamente, nos efeitos causados pela poluição e pela degradação ambiental.

b) Regularização Fundiária

O Estatuto da Cidade ainda dispõe no art. 2°, XIV, entre as diretrizes da Política Urbana sobre a regularização fundiária, diz o artigo: “regularização fundiária e

urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação econômica da população e as normas ambientais”.

Sem o propósito de tratar do assunto de forma pormenorizada, destaca-se como de grande importância ao planejamento e à ordenação territorial do Município, o instrumento jurídico da Regularização Fundiária. Nesse sentido, diz a doutrina:

“Regularização fundiária é o processo de intervenção pública, sob os aspectos jurídico, físico e social, que objetiva legalizar a permanência

de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei para fins de habitação, implicando acessoriamente melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e da qualidade de vida da população beneficiária”.182

Ao determinar pontos sobre a preocupação da regularização fundiária, a mesma doutrina ressalta ainda:

“Como se vê, os processos de regularização fundiária tem uma preocupação tripartite:

a) a questão da legalização da posse exercida com fins de moradia é o primeiro aspecto e está claramente centrada na ampliação do marco legal do direito de morar para uma população antes ameaçada no exercício desse direito;

b) a segunda questão diz respeito à melhoria do ambiente urbano do assentamento, e, portanto, encerra uma preocupação com a sustentabilidade tanto do assentamento humano enquanto realidade territorial quanto das práticas sociais ali desenvolvidas;

c) por fim, existe uma terceira preocupação com o resgate ético que a cidade tem de fazer, através das políticas urbanas que implementa, da condição cidadã das pessoas que moravam de forma, antes, segregada social e espacialmente, portanto, apartadas do conjunto de bens materiais e simbólicos oferecidos/produzidos pela urbe”.183

Sobre o aspecto da preservação do meio ambiente, interessa observar que a regularização fundiária terá o papel de intervir em núcleos urbanos irregulares e promover sua ordenação, atendo-se aos aspectos urbanísticos e ambientais. Tratando do tema da regularização fundiária e a sustentabilidade ambiental, aduz a doutrina:

“Por óbvio a regularização fundiária tem de estar comprometida com a sustentabilidade das cidades. Não se pode permitir a regularização de todo e qualquer assentamento. Os casos têm de ser analisados um a um, com especial atenção às condições ambientais e de habitabilidade do assentamento. Como exemplos de áreas em que, dependendo da análise in loco, o reassentamento pode ser uma solução indicada do que a regularização fundiária, podemos citar os que seguem:

- não se admitem regularizações em áreas de risco geológico a menos que ele possa ser controlado;

- as áreas de proteção aos mananciais apenas excepcionalmente podem ser regularizadas, mesmo assim se preenchidos uma série de requisitos;

182 ALFONSIN, Betânia de Moraes. Regularização Fundiária: Um imperativo ético da cidade sustentável

– o caso de Porto Alegre. In SAULE JÚNIOR, Nelson (Coord). Direito à Cidade. Trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis. São Paulo: Editora Max Limonad, 1999, p. 163

- áreas gravadas como sendo de preservação ou conservação ambiental só podem ter assentamentos regularizados se as características que as tornaram área de preservação não mais persistirem. (...)

- áreas destinadas a parques, praças e jardins só podem admitir regularização fundiária para fins de moradia se nunca chegaram a cumprir essa função soc ial originalmente prevista.

Como se vê, a regularização fundiária é compatível com as políticas ambientais. Mais do que isso: a regularização fundiária pode impactar positivamente na relação moradores versus natureza. Espera-se uma relação pós-intervenção menos predatória com os recursos naturais existentes na região, até pelos investimentos realizados em termos de saneamento e infra-estrutura”.184

Acredita-se que a regularização fundiária é mais um instrumento do Estatuto da Cidade que poderá determinar ações positivas em prol da preservação do meio ambiente.