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O instituto da adoção na civilística portuguesa

Para compreensão do tratamento jurídico dado à adoção em Portugal no final do século XVIII e no início do século XIX, necessário verificar também a civilística portuguesa da época.

A análise da civilística portuguesa no referido período será realizada tomando-se como referência a obra do civilista português Paschoal José de Melo Freire.

A opção pela obra de Melo Freire não foi aleatória. Sua obra foi muito importante para o Direito Civil e para o ensino jurídico desta disciplina em Portugal.

Com a reforma introduzida por Marquês de Pombal na Universidade de Coimbra, por meio dos conhecidos Estatutos Pombalinos, houve uma reestruturação do ensino jurídico português. 262

No final do século XVIII e início do século XIX, os estudos jurídicos em Portugal estavam divididos em duas Faculdades: a de Leis e a de Cânones. 263

Na Faculdade de Leis, entre as disciplinas estudadas, encontrava-se a disciplina de Direito Civil Pátrio. 264

Importante esclarecer que o “Direito Civil Pátrio” ensinado àquela época não equivale ao Direito Civil da contemporaneidade.

262 Os novos estatutos foram aprovados por Carta de Lei em 28 de agosto de 1772.

263 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 32.

264 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 32.

84 Segundo Giordano Bruno Soares Roberto, o Direito Civil Pátrio se referia ao Direito emanado do Estado, em contraposição ao Direito Canônico, emanado da Igreja. Segundo o autor, por Direito Civil entendia-se também “o conjunto de regras estipuladas para a punição dos criminosos, bem como o daquelas outras que serviam para disciplinar o processo em suas várias modalidades”. Assim, o Direito Civil era o que atualmente se denomina por Direito Civil, Direito Constitucional, Direito Penal e Direito Processual. 265

Após a reformulação do ensino jurídico promovida por Marquês de Pombal, o professor de cada disciplina deveria elaborar um compêndio para utilização em suas aulas. Os compêndios utilizados deviam ser previamente aprovados pela congregação e pelo governo.266

Com relação ao ensino do Direito Civil Pátrio e à elaboração de compêndios referentes a esta disciplina, destacou-se o citado jurista português Paschoal José de Melo Freire. 267

Entre os anos de 1789 e 1794, Melo Freire, então professor da Universidade de Coimbra, elaborou a obra Institutiones Juris Civilis Lusitani – Instituições de Direito Civil

Português – que, em 1805, pelo Aviso Régio de 7 de maio, foi escolhida para ser adotada

como compêndio no ensino do Direito Civil Pátrio. 268

Considerando a amplitude do Direito Civil àquela época, a obra Institutiones de Melo Freire foi dividida em cinco livros. O primeiro se referia ao Direito Civil Público. O último tratava do Direito Criminal Português. Os demais livros se destinavam ao Direito Civil Particular e tinham por objeto os temas atualmente englobados pelo Direito Civil. 269

265 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 62.

266 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 37.

267 Paschoal José de Melo Freire nasceu em Ancião, uma pequena vila do reino português, em seis de abril de

1738. Formou-se em direito aos dezenove anos e, a partir de então, iniciou sua carreira docente. Participou das reformas do Marquês de Pombal instituídas na Universidade e foi o seu mais destacado executor produzindo compêndios. Faleceu em 24 de setembro de 1798. Ver: ALMEIDA, Candido Mendes de Almeida. Auxiliar

Jurídico. Apêndice às Ordenações Filipinas. Volume II. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1870.

(reprodução fac-similar. Rio de Janeiro, 1870). p. 781.

268 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 61/65.

269 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 65.

85 Assim, o Direito Civil, tal como concebido na contemporaneidade, foi tratado por Melo Freire nos livros II, III e IV.

No Livro II Melo Freire tratava do direito das pessoas, incluindo as normas pertinentes ao direito de família. No Livro III ele abordava o direito das coisas, abrangendo o direito sucessório. E no Livro IV, Melo Freire cuidava das ações.

Vale destacar que, em 1839, o compêndio de Melo Freire ainda era o único de Direito Civil produzido por autor português. Conforme destaca Giordano Bruno Soares Roberto, “no início da década de 1840, os dois professores de Direito Civil Pátrio, Coelho da Rocha e Liz Teixeira, ainda utilizavam os textos de Melo Freire.” 270

Um novo compêndio de Direito Civil surgiu apenas em 1843, de autoria do citado professor Coelho da Rocha. Este compêndio substituiu o de Melo Freire e foi utilizado no ensino do Direito Civil de 1843 a 1867, quando então foi adotado o texto do primeiro Código Civil português. 271

Portanto, as Instituições de Melo Freire foram utilizadas como compêndio por quase quatro décadas, o que permite afirmar que a referida obra era bastante representativa da civilística portuguesa no final do século XVIII e início do século XIX.

Assim, como em Portugal, no referido período, utilizava-se o compêndio de Melo Freire para o ensino do Direito Civil e sendo o objeto de estudo da presente dissertação um dos institutos jurídicos tratado por esse ramo do Direito, não seria possível demonstrar a regulamentação jurídica portuguesa dada à adoção sem abordar a posição do jurista Melo Freire sobre o instituto.

Há ainda um outro fator, extremamente relevante, que torna indispensável o estudo da adoção na obra de Melo Freire: as Instituições foram adotadas como compêndio de Direito Civil nos primeiros cursos jurídicos do Brasil – nas Academias Jurídicas de Olinda e de São Paulo –, sendo utilizadas como tal desde a criação dos referidos cursos até o início da década de 1850, quando então foi substituído pelo compêndio do jurista Lourenço Trigo de Loureiro.272

270 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 64.

271 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 64.

272 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 66.

86 Como será demonstrado oportunamente, Trigo de Loureiro, ao elaborar o compêndio brasileiro, baseou-se na obra de Melo Freire, tendo sido fortemente influenciado pela civilística portuguesa. Da mesma forma, outros juristas brasileiros também estudaram o compêndio português.

Portanto, a análise do posicionamento de Melo Freire acerca do instituto da adoção não poderia ser descartada do presente trabalho. Esta análise é essencial para se verificar o tratamento jurídico dado à adoção em Portugal e, posteriormente, no Brasil, no século XIX.

Vários historiadores e juristas afirmam que Melo Freire, considerando a adoção um instituto em desuso, não chegou a tratar do assunto no seu compêndio de Direito Civil. Nesse sentido, Alessandra Zorzetto Moreno destaca:

“Juristas dos séculos XVI ao XIX foram unânimes em afirmar que essa quase omissão da lei pátria ocorria pelo completo desuso do instituto no período. Elaborando um compêndio sobre direito civil português em fins do XVIII, Pascoal José de Melo Freire afirmava que havia a adrogação e a adoção, mas que: “(...) Todavia, de nenhuma delas temos de tratar aqui, visto que não estão em uso, conforme testemunha Cabedo 273”. 274

Contudo, mesmo afirmando que a adoção estava em desuso, Melo Freire abordava e discutia o instituto em algumas passagens de sua obra.

Verificando o livro II das Instituições, destacam-se os seguintes esclarecimentos de Melo Freire com relação à adoção:

“(...) Mas, embora esses perfilhamentos não estejam atualmente em uso, eu, para dizer a minha opinião, entendo que elas podem, e bem, ser recebidas e admitidas no País, mormente se o seu uso estiver de tal modo definido por lei pública, que com elas não se promovam os vícios nem se impeçam os matrimônios.” 275

273

Jorge de Cabedo foi um importante jurisconsulto do século XVI. Nasceu em Setubal, em 1550. Foi um dos encarregados da compilação das Ordenações Filipinas. Faleceu em Lisboa, em 1604. Ver: ALMEIDA, Candido Mendes de Almeida. Auxiliar Jurídico. Apêndice às Ordenações Filipinas. Volume II. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1870. (reprodução fac-similar. Rio de Janeiro, 1870). p. 616.

274 MORENO, Alessandra Zorzetto. “Vivendo em lares alheios”: acolhimento domiciliar, criação e adoção na

cidade de São Paulo (1765-1822). Tese de doutorado apresentada ao departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. 2007. p. 264.

275 FREIRE, Paschoal José de Melo. Instituições de Direito Civil Português. Livro II – Do Direito das Pessoas.

Versão portuguesa de Miguel Pinto de Meneses. Lisboa: Boletim do Ministério da Justiça, nº. 163 e 164, 1967. p. 48.

87 “(...) As ad-rogações e adoções, de que se faz menção nas citadas Ordenações, e no liv. 2, tit. 56, no princ. e liv. 3, tit. 9, §2, não estão em uso entre nós, como testemunha Cabedo, P. II, Decisio 70.

Da nomeação do filho feita em testamento ou em qualquer outro instrumento apenas nasce a presunção de filiação para valer enquanto não for provado o contrário; e o nomeado não obtém os direitos dos legítimos, nem se diz verdadeiramente legitimado, se o Príncipe não aprovar a nomeação por rescrito seu e o não fizer legítimo. (...) O mesmo é de dizer da adoção, cujo alguns exemplos provam contra Cabedo. Com efeito, a Infanta D. Sancha, filha de D. Afonso III, foi adotada, com quase cinco anos, pela Infanta D. Constância, irmã de D. Afonso II e sua tia avó, Sousa, História Genealógica, tomo I, liv. I, pág. 175. O Infante D. Henrique adotou o Infante D. Fernando, filho del-Rei D. Duarte, por carta dada em Estremoza a 7 de Março de 1436 da Era, que D. Afonso V confirmou, a pedido do mesmo Infante D. Fernando seu irmão, em 23 de Novembro de ano de 1451, Sousa, tomo I das Provas ao liv. III, N. 43, pág. 562. Omito outros exemplos.” 276

Apesar de relatar que as adoções não estavam em uso naquela época, Melo Freire afirmava que elas podiam, “e bem”, serem recebidas e admitidas em Portugal.

Além disso, Melo Freire destacava alguns casos de adoção realizados em Portugal, ressaltando que os mesmos contrariavam a opinião de Cabedo, o jurista que afirmava que o instituto estava em desuso.

O jurista português encerrou os exemplos de adoções realizadas em Portugal da seguinte forma: “Omito outros exemplos”. Ou seja, segundo Melo Freire, havia outros casos de adoção à época.

Assim, pelas palavras de Melo Freire, não se pode afirmar com segurança que a adoção estava em desuso em Portugal.

Além disso, após a compreensão de que paralelamente à adoção passaram a ser utilizados outros institutos que também podiam atender a sua finalidade, é preciso encarar com mais cautela as afirmações que colocam a adoção como um instituto obsoleto.

Como demonstrado anteriormente, as adoções foram recebidas e admitidas no Reino português. As Ordenações Filipinas, embora muito vagamente, referiram-se a elas. E, na sua omissão, o direito romano era aplicado como fonte subsidiária.

Assim, não parece que a intenção de Melo Freire fosse negar a existência do instituto. Suas palavras parecem indicar a necessidade de uma legislação específica acerca da adoção para a época, já que no século XVIII, em decorrência das ideias jusracionalistas, o direito romano apenas podia ser aplicado se adaptado à realidade.

276 FREIRE, Paschoal José de Melo. Instituições de Direito Civil Português. Livro II – Do Direito das Pessoas.

Versão portuguesa de Miguel Pinto de Meneses. Lisboa: Boletim do Ministério da Justiça, nº. 163 e 164, 1967. p. 34.

88 Assim, uma vez ponderada a afirmação de Melo Freire sobre a decadência da adoção no final do século XVIII, importante destacar em sua obra as referências ao instituto.

Melo Freire se referiu à adoção ao tratar das formas de aquisição e perda do pátrio poder.

No título V, do livro II, do compêndio de Direito Civil, o jurista português esclareceu:

“(...) §I – Os filhos, tal como os escravos, tanto no direito romano, como no pátrio, nascem ou fazem-se. Nascem das justas núpcias que costumam ser precedidas de esponsais; fazem-se ou por legitimação, ou por adoção. Estes são os principais modos por que se adquire o pátrio poder.” 277

Assim, conforme Melo Freire, a adoção era considerada uma das formas de aquisição do pátrio poder. 278

Além disso, pelo mesmo trecho citado, pode-se dizer que Melo Freire não considerava a adoção e a legitimação institutos idênticos. Segundo ele, os filhos faziam-se ou por legitimação, ou por adoção.

Contudo, importante destacar que todas as referências ao instituto da adoção na obra de Melo Freire foram realizadas juntamente com as referências às formas de legitimação.

Em outra passagem das Instituições, Melo Freire destacou alguns requisitos para a prática da adoção.

Conforme ressaltado anteriormente, a adoção passou a ser temida por possibilitar que as pessoas solteiras introduzissem um filho na família, o que podia desestimulá-las a contrair matrimônio. Nesse sentido, Melo Freire entendia que a adoção, desde que não impedisse o casamento, podia ser praticada. 279

277 FREIRE, Paschoal José de Melo. Instituições de Direito Civil Português. Livro II – Do Direito das Pessoas.

Versão portuguesa de Miguel Pinto de Meneses. Lisboa: Boletim do Ministério da Justiça, nº. 163 e 164, 1967. p. 17.

278 Ressalte-se que com o desenvolvimento do instituto da adoção, passou a existir a adoção plena e a adoção

menos plena. Conforme destacado, apenas na adoção plena havia a aquisição do pátrio poder pelo adotante. Na adoção menos plena, devido a manutenção dos laços sanguíneos, o pátrio poder permanecia com o pai natural.

279 FREIRE, Paschoal José de Melo. Instituições de Direito Civil Português. Livro II – Do Direito das Pessoas.

Versão portuguesa de Miguel Pinto de Meneses. Lisboa: Boletim do Ministério da Justiça, nº. 163 e 164, 1967. p. 47/48.

89 Além disso, segundo o civilista, a adoção não podia se destinar a legitimar filhos naturais e apenas podia ser realizada pelo pai que não tivesse filhos legítimos bem como por pessoas inaptas a se casar e a procriar. 280

Nesse sentido, destaca-se o seguinte trecho de seu compêndio:

“Livro II Título VI (...)

Dos Legítimos ou Adotivos

§IX – No nosso direito o filho legítimo, isto é, o ad-rogado ou o adotado, não é havido como filho sem confirmação do Príncipe despachada no Desembargo do Paço, Ord. liv. I, tit. 3, §I, e tanto a adoção como a ad-rogação dos filhos-família tem de ser confirmada, pois ambas se entendem na palavra perfilhamentos, e carecem de confirmação segundo a dita Ordenação. Todavia, de nenhuma delas temos que tratar aqui, visto que não estão em uso, conforme testemunha Cabedo, (...)

Como as adoções ou ad-rogações, que nós indistintamente chamamos perfilhamentos, devem ser confirmadas pelo Príncipe, há que aplicar aos filhos legítimos, ou adotivos, tudo aquilo que se aplica aos naturais legitimados pelo Príncipe. Mas, embora esses perfilhamentos não estejam atualmente em uso, eu, para dizer a minha opinião, entendo que elas podem, e bem, ser recebidas e admitidas no País, mormente se o seu uso estiver de tal modo definido por lei pública, que com elas não se promovam os vícios nem se impeçam os matrimônios. Eis por que não se devia conceder: I) ao pai adotar o seu filho natural; nem II) àquele que tivesse filho legítimo, ou irmãos; nem III) àqueles que por direito são hábeis para contrair matrimônio e procriar descendência.(...)” 281

Com relação ao trecho citado, importante destacar ainda que Melo Freire tratou os filhos adotivos como filhos legítimos, mas possuindo os mesmos direitos dos filhos naturais legitimados pelo Príncipe.

Nesse sentido, Melo Freire, no Livro III – Do Direito das Coisas – das Instituições, ao tratar da sucessão ab intestato afirmou:

“Título VIII

Das sucessões ab intestado (...)

Dos legitimados e adotivos

§XIV – Os legitimados por subseqüente matrimônio são inteiramente havidos como legítimos e sucedem ao pai em absoluta igualdade de condições com os verdadeiramente legítimos, Ord. liv. 2, tit. 35, §12; mas os legitimados por

280 FREIRE, Paschoal José de Melo. Instituições de Direito Civil Português. Livro II – Do Direito das Pessoas.

Versão portuguesa de Miguel Pinto de Meneses. Lisboa: Boletim do Ministério da Justiça, nº. 163 e 164, 1967. p. 47/48.

281 FREIRE, Paschoal José de Melo. Instituições de Direito Civil Português. Livro II – Do Direito das Pessoas.

Versão portuguesa de Miguel Pinto de Meneses. Lisboa: Boletim do Ministério da Justiça, nº. 163 e 164, 1967. p. 47/48.

90 autoridade régia ou por qualquer outro modo não sucedem ao pai ab intestado, sendo excluídos, não só pelos filhos legítimos, mas também pelos colaterais; (...) O mesmo cumpre dizer dos legítimos apenas, ou seja, dos adotivos. 282

Vale aqui citar o esclarecimento do jurista sobre a distinção de tratamento entre os filhos:

“No nosso direito os filhos ilegítimos, mesmo legitimados, são considerados quase estranhos nas coisas que respeitam à casa e família do pai: não sucedem, por isso, ao pai ab intestado, mas só por testamento, e evidentemente naquilo que o pai lhes quis deixar, cláusula esta que hoje e já de há muito se põe em todas as cartas de legitimação. Mas ninguém pode duvidar de que os ilegítimos podem ser legitimados plenissimamente e para todos os efeitos, e ser igualados aos verdadeiramente legítimos, tanto na sucessão testamentária, como na legítima, quer porque toda a sucessão pertence ao direito civil, quer porque é a lei civil e não a natureza que estabelece diferença entre os filhos, como bem diz Justiniano na Novela 89, cap. 9. Por conseqüência, toda esta questão depende das palavras do rescrito e da vontade régia.” 283

Pelas Ordenações Filipinas, os filhos naturais de plebeus sucediam ab intestato. Assim, se o filho natural de plebeu fosse legitimado por rescrito imperial, declarando o Príncipe na carta de legitimação que tal filho pudesse suceder ab intestato, o soberano não estava dispensando a lei, pois este direito tal filho já possuía. Nesse sentido, destacou-se anteriormente o entendimento de Candido Mendes de Almeida. 284

Contudo, caso se tratasse da legitimação de um filho natural de nobre, havia a necessidade da dispensa e da autorização real para que o mesmo pudesse suceder ab intestato. Talvez, por isso, Melo Freire tenha destacado que o filho adotivo não sucedia ao pai

ab intestato, salvo se o soberano autorizasse.

Não obstante esta afirmação, conforme já destacado, Melo Freire ensinava que se aplicavam aos filhos adotivos os mesmos direitos dos filhos naturais legitimados pelo Príncipe. Assim, tratando-se de filhos de plebeus, a autorização real para herdar não era necessária, diferentemente se se tratasse dos filhos de nobres.

282 FREIRE, Paschoal José de Melo. Instituições de Direito Civil Português. Livro III – Do Direito das Coisas.

Versão portuguesa de Miguel Pinto de Meneses. Lisboa: Boletim do Ministério da Justiça, nº. 165 e 166, 1967. p. 54.

283 FREIRE, Paschoal José de Melo. Instituições de Direito Civil Português. Livro III – Do Direito das Coisas.

Versão portuguesa de Miguel Pinto de Meneses. Lisboa: Boletim do Ministério da Justiça, nº. 165 e 166, 1967. p. 54.

91 Vale lembrar que, na novela 118, Justiniano estabeleceu que o parentesco sanguíneo era o fundamento da sucessão legítima. Assim, para fins de direito sucessório, não existia mais a diferença entre adoção plena e menos plena. 285

Portanto, considerando que a adoção era uma forma de aquisição do pátrio poder286; que não havia distinção entre adoção plena e menos plena para fins de aquisição de direitos; que Melo Freire tratava os filhos adotivos por filhos legítimos; que conforme o civilista português, aos filhos adotivos eram aplicados os mesmos direitos dos filhos naturais