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A recepção do instituto da adoção no direito civil brasileiro

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

JULIANA PEREIRA SOARES

A RECEPÇÃO DO INSTITUTO DA ADOÇÃO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO

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JULIANA PEREIRA SOARES

A RECEPÇÃO DO INSTITUTO DA ADOÇÃO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Giordano Bruno Soares Roberto.

(3)

___________________________________________________________

Soares, Juliana Pereira

S676r A recepção do instituto da adoção no direito civil brasileiro / Juliana Pereira Soares. – 2012.

185 f.

Orientador: Giordano Bruno Soares Roberto

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito.

1. Código civil [Brasil (1916)] 2. Direito civil – Teses 3. Adoção - História - Portugal 4. Adoção – História – Brasil - Século XIX 6. Legitimação I. Roberto, Giordano Bruno Soares II. Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito III. Título.

CDU: 347.633(81)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

A dissertação intitulada A RECEPÇÃO DO INSTITUTO DA ADOÇÃO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO, elaborada por JULIANA PEREIRA SOARES, foi avaliada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, tendo sido ___________________________________________________________________________.

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________ ___________________________ Prof. Dr. Giordano Bruno Soares Roberto

(Orientador)

___________________________________ ___________________________ Prof.

(Avaliador)

___________________________________ ___________________________ Prof.

(Avaliador)

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DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação à minha mãe:

Pelo seu apoio incondicional às minhas escolhas e decisões;

Pela sua força nos momentos mais difíceis; Pelo seu incentivo, do início ao fim;

Pela sua companhia, dia e noite; Pela sua colaboração, cotidianamente;

Pela sua paciência, principalmente nos momentos em que eu perdi a minha;

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AGRADECIMENTOS

Enfim, missão cumprida. Depois de uma longa jornada é hora de agradecer a todas as pessoas que contribuíram para a concretização deste sonho.

Primeiramente quero agradecer a pessoa que acreditou, desde o início, na sua realização e que me conduziu durante todo o percurso: o meu orientador, professor Giordano Bruno Soares Roberto.

A ele agradeço pela confiança no meu trabalho e pela compreensão das minhas limitações. Agradeço pelas orientações durante todo o curso, pelos seus ensinamentos, pela sua disponibilidade e por me proporcionar a experiência docente, um sonho de infância.

Agradeço-lhe, ainda, a oportunidade de participar dos grupos de pesquisas de Metodologia do Ensino e de História do Direito, bem como de integrar a equipe técnica do Projeto de Pesquisa em História do Direito Civil Brasileiro, com o apoio do CNPq para o desenvolvimento das atividades.

Em especial, agradeço-lhe pela oportunidade de conciliar a experiência do estágio docente com a minha experiência profissional por meio das aulas no curso de Direito da disciplina Serviços Notariais e de Registro.

Não posso deixar de agradecer à SERJUS-ANOREG/MG, na pessoa de seu atual presidente, Roberto Dias de Andrade, instituição onde trabalhei e que permitiu o desenvolvimento e o cumprimento de todas as minhas atividades acadêmicas.

Agradeço à Isabela, minha colega de mestrado, pela amizade e pelo companheirismo, por dividir comigo as tarefas acadêmicas, as dúvidas, as ansiedades, as dificuldades e também as muitas alegrias.

Agradeço aos meus professores Antônio Martinez, Brunello, Maria Fernanda, Miracy e Mônica pelos valiosos ensinamentos; e a todos os amigos que fiz nesta trajetória, por compartilhar momentos de angústias e de realizações.

Agradeço ao pessoal da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e da Biblioteca da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais e, especialmente, ao pessoal do Arquivo Público Nacional do Rio de Janeiro pela colaboração e pelo auxílio nas pesquisas.

(7)

Mariana Armond, pelas inúmeras colaborações e dicas de pesquisa e à Emiliana e à Bárbara, pelo auxílio, pela companhia, pela amizade e pelas orações.

Agradeço ao meu pai, a todos os familiares e amigos pelo apoio e incentivo.

Agradeço, especialmente, ao meu irmão e à minha mãe. Eles acompanharam, de perto, todas as fases desta trajetória.

Ao meu irmão, agradeço pela colaboração! Quando meu computador apresentava problemas técnicos, bem naquelas horas críticas, ele, vendo o meu desespero, ajudava-me. Agradeço-lhe ainda pela compreensão e paciência, principalmente diante do meu nervosismo.

À minha mãe agradeço pelo incentivo, pela força, pela companhia nas noites em claro e nas viagens, pela colaboração na correção do texto... Se eu fosse enumerar aqui tudo o que ela fez por mim, só neste período, os agradecimentos seriam maiores que a dissertação. Agradeço-lhe por tudo!!!

E, sobretudo, agradeço a Deus! Obrigada, Senhor:

Pela força nos momentos difíceis;

Pela serenidade nos momentos de turbulência;

Por fazer-me prosseguir quando pensei que não pudesse mais; Pelas pessoas iluminadas colocadas em meu caminho;

Pela família maravilhosa, que sempre esteve ao meu lado;

Pela minha resistência física, que me possibilitou chegar ao final; Por me fazer acreditar nos sonhos;

(8)

RESUMO

A presente dissertação busca verificar o modo como o instituto da adoção foi recepcionado no direito civil brasileiro.

Considerando a colonização do Brasil e a formação do Estado brasileiro, inicialmente, contextualiza o ordenamento jurídico abordando a história do direito português e o tratamento jurídico dado à adoção em Portugal.

Em seguida, destaca e analisa as normas relativas à adoção vigentes no Brasil, no período compreendido entre a sua independência política e o surgimento do seu primeiro Código Civil. Posteriormente, aborda o posicionamento de juristas brasileiros da época e, com base em documentos localizados no Arquivo Público Nacional do Rio de Janeiro, analisa a prática da adoção na Corte Imperial brasileira na segunda metade do século XIX.

Por fim, estuda o modo como o desenvolvimento do instituto da adoção repercutiu no primeiro Código Civil brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Brasil; Século XIX; Adoção; Legitimação; Perfilhação; Código

(9)

ABSTRACT

This work aims to verify how the institution of adoption was approved in Brazilian civil law.

Considering the colonization of Brazil and the formation of the Brazilian state, initially, it contextualizes the legal system covering the history of Portuguese law and the legal treatment given to the adoption in Portugal.

Then, it highlights and analyzes the existing rules relating to adoption in Brazil in the period between its political independence and the emergence of its first Civil Code. Later, it addresses the positioning of Brazilian jurists of the time and, based on records located in the National Public Archives of Rio de Janeiro, it analyzes the practice of adoption in the Brazilian Imperial Court in the second half of the nineteenth century.

Finally, the present work studies how the development of the institution of adoption affected the first Brazilian Civil Code.

(10)

NOTA EXPLICATIVA

Inicialmente é necessário fazer duas observações sobre as citações contidas nesta dissertação: a primeira se refere à linguagem e a segunda ao método de referências utilizado.

Este trabalho contém muitas citações de obras antigas bem como de documentos manuscritos escritos em português arcaico. Assim, para facilitar a leitura, optou-se pela utilização da língua portuguesa atual, uma vez que esta dissertação não tem objetivos linguísticos. A finalidade das citações realizadas é o conhecimento do conteúdo e não da forma. Contudo, manteve-se nas citações a pontuação original dos textos das obras.

Com relação às referências, optou-se por fazê-las por meio de notas de rodapé ao invés de utilizar o sistema autor-data, com a finalidade de facilitar a remissão e o conhecimento das fontes utilizadas.

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ABREVIATURAS

APNRJ – Arquivo Público Nacional do Rio de Janeiro Art. – Artigo

Arts. – Artigos

CC – Código Civil de 1916 D. – Dom

Dec. – Decreto Dr. – Doutor L. – Livro

Ord. – Ordenações Filipinas T. – Título

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...13

CAPÍTULO 1 A HERANÇA PORTUGUESA ...26

1.1 O ordenamento jurídico português no período da independência do Brasil ...27

1.2 O instituto da adoção nas Ordenações Filipinas ...40

1.3 O instituto da adoção no direito romano ...71

1.4 O instituto da adoção na civilística portuguesa ...83

CAPÍTULO 2 A LEGISLAÇÃO CIVIL BRASILEIRA DE 1822 A 1916 ...94

2.1 As Ordenações Filipinas e o direito romano no Brasil ...94

2.2 O instituto da adoção nas leis esparsas brasileiras ...98

CAPÍTULO 3 A CIVILÍSTICA BRASILEIRA NO PERÍODO IMPERIAL ...109

3.1 Lourenço Trigo de Loureiro ...110

3.2 Antônio Joaquim Ribas ...119

3.3 Augusto Teixeira de Freitas ...121

3.4 Lafayette Rodrigues Pereira ...129

CAPÍTULO 4 A PRÁTICA DA ADOÇÃO NO PERÍODO IMPERIAL BRASILEIRO ...133

(13)

CONCLUSÃO ...174

(14)

13

INTRODUÇÃO

A adoção já foi objeto de estudos de vários pesquisadores, das mais diversas áreas. No campo da História, existem pesquisas que abordam a história do instituto e sua relação com o abandono de crianças, os tipos de instituições de assistência e a forma de acolhimento dos menores abandonados.

Na área do Direito não é diferente. Também há inúmeros trabalhos sobre o desenvolvimento e regulamentação jurídica da adoção. Contudo, estes trabalhos focam o contexto jurídico do instituto a partir do século XX, mais precisamente, a partir do Código Civil brasileiro de 1916, considerado por muitos pesquisadores, historiadores e juristas, como o primeiro estatuto da adoção.

Mas historiadores e juristas, embora estudem a adoção sob focos distintos, traçam em seus trabalhos alguns pontos comuns com relação à história do instituto.

Destaca-se o fato de uns e outros, ao tratarem do assunto, afirmarem que, após um período de apogeu, a adoção entrou em declínio, passando pelos séculos XVIII e XIX como instituto obsoleto.

Nesse sentido, historiadores identificaram uma periodização da prática da adoção ao longo dos séculos: do período romano até meados do século XVII, o instituto da adoção teria passado por apogeu, declínio e extinção, retornando, no século XX, em vários códigos civis do mundo. 1

Alessandra Zorzetto Moreno destaca que a adoção se desenvolveu a partir dos institutos jurídicos romanos. Segundo a historiadora, “a ausência de filhos como incentivo à adoção estava ligada à tradição jurídica romana, onde ela era utilizada para garantir a perpetuação do culto doméstico, o nome e as tradições familiares de indivíduos sem descendentes.” 2

No direito romano antigo, a perpetuação da família e do culto doméstico foram as fontes do instituto da adoção. A mesma religião que obrigava o pater familia a se casar e que

1 BOCHNIA, Simone Franzoni. Da adoção: Categorias, paradigmas e práticas do Direito de Família.

Dissertação de mestrado na área Interinstitucional nas Áreas de Concentração de Direitos Humanos e Democracia apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2008. p. 17/18.

2 MORENO, Alessandra Zorzetto. “Vivendo em lares alheios”: acolhimento domiciliar, criação e adoção na

(15)

14 permitia o divórcio em casos de esterilidade oferecia à família romana o recurso da adoção para evitar a “desgraça” de sua extinção e da extinção de seu culto doméstico. 3

Conforme Vandick Londres da Nóbrega, no direito romano antigo, “a família compreendia o conjunto de pessoas que se encontravam sob o poder e proteção do mesmo chefe”, estando estas pessoas ligadas pelo parentesco agnatício, ou seja, unidas pela comunidade do culto. 4

Assim, o filho nascido de uma mulher que não tinha sido associada ao culto doméstico pela cerimônia do casamento não tinha o direito de participar dos sacrifícios e solenidades ante o altar dos deuses lares. Não havia, pois, parentesco agnatício entre o filho natural e o pai, salvo se este, por meio da adoção, introduzisse o filho natural na família, tomando-o sob sua autoridade. 5

Mas a noção de família não foi a mesma em todas as fases do direito romano. 6

Vandick Londres da Nóbrega afirma que a família romana na época clássica foi caracterizada pela decadência do parentesco agnatício e pelo fortalecimento do parentesco sanguíneo. 7

Conforme o autor, no direito clássico, os filhos que não tivessem nascido de um casamento legítimo não tinham nenhuma relação com o pai. Assim, uma vez que os direitos de paternidade não eram reconhecidos aos filhos naturais, “o pai que quisesse amparar o filho natural podia usar do recurso da adoção”. 8

Vandick Londres da Nóbrega ressalta que o Cristianismo não reconhecia as uniões fora do casamento e que, por isso, as adrogações de filhos naturais foram proibidas. Segundo o autor:

3 COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga: Estudos sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma.

Trad. de Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: HEMUS, 1975. p. 44.

4 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas

Bastos, 1955. p. 160.

5 COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga: Estudos sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma.

Trad. de Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: HEMUS, 1975. p. 44.

6

NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955. p. 160.

7 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas

Bastos, 1955. p. 161.

8 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas

(16)

15 “(...) O cristianismo, que não reconhecia as uniões fora do casamento legítimo, proibiu as ad-rogações de filhos naturais. Depois de Constantino, comenta Janeau, a adrogação se fazia por meio de rescrito do príncipe e já havia indícios da evolução que, sob influência de tradições jurídicas estranhas ao direito clássico, desfigurou pouco a pouco a adoção romana. Com Constantino, prossegue Janeau, delineia-se o aparecimento, tímido ainda, de uma legitimação por casamento subseqüente que vai influir sobre o regime da ad-rogação dos filhos naturais, mas não o fará desaparecer. A ad-rogação só seria permitido, quando o casamento fosse possível.” 9

Assim, conforme ensina o autor, com o fortalecimento do parentesco sanguíneo, no direito romano de Justiniano, ocorreu a extinção da família agnatícia e surgiu a noção de família “com fundamento na comunidade de origem”. 10

Vandick Londres da Nóbrega destaca que Justiniano, em 519, proibiu a adrogação como forma de legitimar os filhos naturais e que, na novela 74, estabeleceu que “os filhos naturais podiam ser legitimados por meio de um rescrito imperial, desde que determinadas condições fossem preenchidas”, mesmo se o casamento não pudesse ser realizado. 11

Assim, Vandick Londres da Nóbrega destaca que no, direito justinianeu, a cognação não mais resultava apenas da filiação legítima. Conforme o autor:

“A cognação, acentua Cuq, resulta não somente da filiação legítima, da adoção, do nascimento fora do casamento, de uma mãe cidadã romana ou escrava, mas também do concubinato, de legitimação pelo casamento subsequente ou por rescrito do príncipe.” 12

Portanto, conforme Vandick Londres da Nóbrega, “o instituto da legitimação não era conhecido na época clássica, pois apareceu sob a influência do cristianismo, que combatia o concubinato”. 13

9 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas

Bastos, 1955. p. 523.

10 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria

Freitas Bastos, 1955. p. 161.

11

NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955. p. 524.

12 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria

Freitas Bastos, 1955. p. 161.

13 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria

(17)

16 Assim, pode-se afirmar que a prevalência do parentesco sanguíneo acarretou transformações no instituto da adoção. Este passou a existir paralelamente às legitimações, desenvolvendo, ao seu lado, novos contornos jurídicos durante a Idade Média.

Com relação à prática da adoção no período medieval, Simone Franzoni Bochnia destaca que “a doutrina é bastante contraditória na questão da adoção durante a Idade Média e pouco se escreveu sobre o tema”. 14

Quanto à afirmação de que o instituto da adoção estava em desuso no referido período, a autora ressalta que “talvez a causa para a queda do instituto tenha sido o Direito Canônico, sob a influência do Cristianismo”. 15

Sobre a influência do direito canônico na prática do instituto da adoção na Idade Média, Valdir Sznick ressalta que o “direito canônico, até certo ponto, combateu o instituto da adoção”. Segundo o autor, “o direito canônico reconhecia a adoção como instituto legítimo para transmitir a herança”, mas não chegou a prevê-la na legislação canônica. 16

Caio Mário da Silva Pereira destaca que “a consolidação do cristianismo fez recrudescer a severidade no tratamento dos filhos naturais”. O autor, baseando-se em Waël, destaca que “a Igreja, mais forte, pune nos bastardos as relações pecaminosas dos seus autores”. 17

Baseando-se em todo esse contexto, Maria Luiza Marcílio afirma que “a adoção foi praticamente banida das legislações ocidentais, desde a Idade Média, por iniciativa da Igreja”.18

No mesmo sentido, Guilherme Gouvêa Pícolo destaca a influência dos valores cristãos e afirma que essa “falta de previsão legal não era mero acaso ou simples imperícia do legislador”. Segundo o autor:

14 BOCHNIA, Simone Franzoni. Da adoção: Categorias, paradigmas e práticas do Direito de Família.

Dissertação de mestrado na área Interinstitucional nas Áreas de Concentração de Direitos Humanos e Democracia apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2008. p. 17/18.

15 BOCHNIA, Simone Franzoni. Da adoção: Categorias, paradigmas e práticas do Direito de Família.

Dissertação de mestrado na área Interinstitucional nas Áreas de Concentração de Direitos Humanos e Democracia apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2008. p. 17/18.

16 SZNICK, Valdir. Adoção. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1988. p. 13/15.

17

WAËL, Droit des Enfants Naturels Reconnus. p. 10. in: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de

Direito Civil. Direito de Família. v. V. 11ª. ed. Rio de Janeiro, 1999. p. 189.

(18)

17 “(...) Na verdade, Portugal e a Europa em geral viviam a consolidação de valores religiosos cristãos (católicos e protestantes), que à época instilavam um sentimento de repúdio à adoção. Como nos conta a historiadora Kristin Gager, o pensamento comum da época, inclusive o difundido nos meios intelectuais, era o de que a adoção tratava-se de um desvio, uma perversão às leis da natureza, até porque a incapacidade de gerar filhos “naturais”, quer pela esterilidade ou outras circunstâncias, se adequava aos muitos critérios para definição de “bruxaria” pelo Santo Ofício. Além disso, a questão da consanguinidade era encarada como um pilar inamovível numa sociedade monárquica e rígida, cujos critérios de poder se baseavam nos laços de sangue. Com certeza, seria uma ameaça grave ao status quo, àquela época, aventar a possibilidade de se admitir a presença de um filho “ilegítimo” para concorrer aos direitos sucessórios e desviar o patrimônio da família de sua estrita ligação ao vínculo sanguíneo. Os receios acerca de eventuais problemas na transmissão de bens decorrentes de herança também obstou o desenvolvimento amplo da adoção enquanto instituto jurídico no Brasil dos séculos XVIII e XIX.” 19

Simone Franzoni Bochnia destaca ainda que, naquela época, “aconteciam infanticídios, abortos, nascimentos clandestinos e abandono de crianças oriundas de nascimento de filho ilegítimo, decorrentes da forte reprovação religiosa e social”. 20

Nesse contexto, vale destacar que a Igreja Católica, diante de seus valores, condenava o infanticídio e o aborto, mas tolerava o abandono de crianças. Por isso, a Igreja buscou alternativas para proteger os menores abandonados. 21

Maria Luiza Marcílio destaca que, no século XIII, “foram introduzidas algumas distinções em alguns códigos civis e eclesiásticos para tornar os pais responsáveis no caso de uma criança morrer como resultado do abandono”. 22 Contudo, a autora destaca a opinião de John Boswell, segundo a qual essa preocupação estava mais relacionada ao medo das crianças abandonadas morrerem sem receberem o sacramento do batismo. 23

19 PÍCOLO, Guilherme Gouvêa. Precedentes históricos da adoção luso-brasileiro. Artigo disponível em:

http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-civil/232394-precedentes-historicos-da-adocao-no-sistema-luso-brasileiro .

20 BOCHNIA, Simone Franzoni. Da adoção: Categorias, paradigmas e práticas do Direito de Família.

Dissertação de mestrado na área Interinstitucional nas Áreas de Concentração de Direitos Humanos e Democracia apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2008. p. 17/18.

21 MARCÍLIO, Maria Luiza. A criança abandonada na história de Portugal e do Brasil. in: VENÂNCIO,

Renato Pinto (org.). Uma história social do abandono de crianças: de Portugal ao Brasil: Séculos XIII-XX. São Paulo: Alameda/Editora PUC Minas, 2010. p. 21.

22 MARCÍLIO, Maria Luiza. A criança abandonada na história de Portugal e do Brasil. in: VENÂNCIO,

Renato Pinto (org.). Uma história social do abandono de crianças: de Portugal ao Brasil: Séculos XIII-XX. São Paulo: Alameda/Editora PUC Minas, 2010. p. 21/22.

23 BOSWELL, John. in: MARCÍLIO, Maria Luiza. A criança abandonada na história de Portugal e do Brasil.

in: VENÂNCIO, Renato Pinto (org.). Uma história social do abandono de crianças: de Portugal ao Brasil:

(19)

18 Entre os séculos XIII e XV, intensificou-se a assistência à infância abandonada com a criação de algumas instituições de caridade. Citam-se os hospitais, como as Santas Casas de Misericórdia, nas quais havia um cilindro rotatório para abandonar as crianças, que ficou conhecido como a Roda dos Expostos. 24

A partir do século XVI, oficializou-se a atribuição das autoridades de prestar assistência aos expostos, sendo criadas instituições financiadas pelas Câmaras Municipais (Conselhos). 25

Com relação a esse período, Maria Luiza Marcílio ressalta que:

“Como o Estado, na maioria dos países católicos do Antigo Regime (e mesmo em vários deles, até o século XIX), esteve ligado à Igreja, a proteção ao pequeno desvalido foi também apoiada pelo Estado, o que ocorreu em Portugal e no Brasil independente. Este apoio se traduziu na criação de leis de proteção social, na fundação e manutenção de instituições de amparo, na construção de doutrinas de assistência, no pagamento de amas de leite.” 26

Em Portugal, desde as Ordenações Manuelinas, atribuiu-se às Câmaras Municipais a responsabilidade pela criação das crianças abandonadas. Esse sistema de criação chegou, no século XVII, às Ordenações Filipinas, que também regulamentaram a criação de órfãos e expostos. 27

Renato Pinto Venâncio destaca que esse sistema de assistência à infância abandonada e de criação de órfãos e expostos foi mantido no Brasil. 28

Segundo o historiador, no Rio de Janeiro, a referência mais remota a respeito de um hospital Santa Casa de Misericórdia é datada de 1582, tendo a assistência aos expostos através da Roda iniciada apenas no ano de 1738. 29

24

Sobre a história do abandono de crianças ver: MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança

Abandonada. São Paulo: Editora Hucitec, 2006.

25 MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Editora Hucitec, 2006. p.

113/114.

26 MARCÍLIO, Maria Luiza. A criança abandonada na história de Portugal e do Brasil. in: VENÂNCIO,

Renato Pinto (org.). Uma história social do abandono de crianças: de Portugal ao Brasil: Séculos XIII-XX. São Paulo: Alameda/Editora PUC Minas, 2010. p. 21.

27 MARCÍLIO, Maria Luiza. A criança abandonada na história de Portugal e do Brasil. in: VENÂNCIO,

Renato Pinto (org.). Uma história social do abandono de crianças: de Portugal ao Brasil: Séculos XIII-XX. São Paulo: Alameda/Editora PUC Minas, 2010. p. 22/23.

28 VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas: Assistência à criança de camadas populares no Rio de

(20)

19 Contudo, importante destacar que o referido sistema de criação de órfãos e expostos, regulamentado pelas Ordenações Filipinas, pelo qual se dava o encaminhamento dessas crianças a diversas famílias para serem criadas e educadas, não se identificava com o instituto da adoção.

Assim, considerando a regulamentação da criação de órfãos e enjeitados pelas Ordenações Filipinas e a quase inexistência de dispositivos filipinos destinados a disciplinar a adoção, muitos historiadores chegaram a afirmar que este instituto passou por uma fase de declínio, chegando à extinção.

Nesse sentido, Maria Luiza Marcílio afirma que “sem o estatuto da adoção – que surgiu na legislação brasileira, apenas no século XX – só se podia adotar uma criança informalmente, como filhos de criação, sem direito à sucessão”. 30

Da mesma forma, juristas afirmaram a decadência e a inexistência da adoção nos séculos XVIII e XIX, respectivamente.

Guilherme Gouvêa Pícolo cita o posicionamento do jurista português Mário Júlio de Almeida Costa, segundo o qual “(em Portugal) desde a segunda metade do século XVII, a adoção perdeu todo o seu alcance prático, para mais tarde desaparecer mesmo da exposição teórica dos autores. O Código de 1867 omitiu-a inteiramente.” 31

No Brasil, alguns juristas do oitocentos também compartilharam este entendimento. Destaca-se, por exemplo, Lafayette Rodrigues Pereira, que sequer chegou a tratar da adoção em sua obra Direito de Família, publicada pela primeira vez no ano de 1869.

Ao que tudo indica, esses e outros juristas que compartilharam o mesmo entendimento fundamentaram as suas afirmações na ausência de uma regulamentação jurídica específica sobre o instituto da adoção no século XIX.

Essa ausência de regulamentação jurídica específica pode ser o motivo pelo qual o estudo da adoção no Brasil seja destacado somente depois do início da vigência do Código Civil de 1916, focando as respectivas legislação e doutrina a partir de então.

Mas estudos acerca da adoção no Brasil no século XIX são fundamentais para a compreensão do instituto e da própria história do direito civil brasileiro.

29 VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas: Assistência à criança de camadas populares no Rio de

Janeiro e em Salvador – Séculos XVIII e XIX. Campinas, SP: Papirus, 1999. p. 25.

30 MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Editora Hucitec, 2006. p. 301.

31

COSTA, Mario J. A. A Adoção na História do Direito Português. Separata da Revista Portuguesa de História, tomo 12, Coimbra, Tip. Atlântica, 1965. in: PÍCOLO, Guilherme Gouvêa. Precedentes Históricos da

Adoção no Sistema Luso-Brasileiro. Artigo disponível em

(21)

20 Nesta perspectiva, a presente dissertação tem o intuito de contribuir para o aprofundamento dos estudos sobre a adoção no Brasil, particularmente, no período compreendido entre a sua independência política e a publicação do Código Civil de 1916.

O século XIX foi um período de extrema relevância para o país. Período de sua independência política e da Proclamação da República. Período de estruturação do Estado e da formação do direito nacional, não apenas no campo do Direito Público, mas também do Direito Privado.

Um período que, conforme se pretende demonstrar, também contribuiu para o desenvolvimento do instituto da adoção.

As Ordenações Filipinas, que passaram a vigorar no Brasil após a sua independência, não regulamentaram completamente a adoção. Apenas fizeram menção ao instituto por meio da palavra “perfilhação”.

Pode-se dizer também que não surgiram muitas legislações brasileiras dedicadas ao tratamento do instituto entre os anos de 1823 e 1916.

Assim, diante da escassez de normas jurídicas brasileiras sobre a adoção no século XIX, um estudo sobre como o instituto era regulamentado no referido período se mostra extremamente importante.

O fato de existirem afirmações de que no oitocentos o instituto da adoção estava em desuso, ou que tinha sido extinto, não retira a relevância do presente trabalho. Pelo contrário, ele contribuirá no sentido de demonstrar elementos jurídicos que motivavam ou desmotivavam a prática da adoção no século XIX.

Tratando-se de um trabalho de história do direito, o seu desenvolvimento é baseado no entendimento de António Manuel Hespanha, para o qual a história do direito deve ser considerada não como um discurso legitimador do direito, mas como uma forma crítica de saber formativo. 32

Nas palavras de António Manuel Hespanha:

“(...) a missão da história do direito é antes a de problematizar o pressuposto

implícito e acrítico das disciplinas dogmáticas, ou seja, o de que o direito dos

nossos dias é o racional, o necessário, o definitivo. A história do direito realiza esta missão sublinhando que o direito existe sempre “em sociedade” (situado, localizado) e que, seja qual for o modelo usado para descrever as suas relações com os contextos sociais (simbólicos, políticos, econômicos, etc.), as soluções jurídicas

32 HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia. Síntese de um milênio. 3ª. ed. Mem

(22)

21 são sempre contingentes em relação a um dado envolvimento (ou ambiente). São, neste sentido, sempre locais.” 33

Assim, baseando-se nessa função crítica da história do direito, o presente trabalho pretende desconstruir a afirmação de que o instituto da adoção foi extinto no século XIX bem como de que naquela época apenas era possível a prática da adoção informal.

Para tanto, o presente trabalho utiliza as três áreas fundamentais do objeto da história do direito: a história das fontes, a história das instituições e a história do pensamento jurídico.34

Mário Júlio de Almeida Costa destaca a importância do estudo da história do direito sob o ponto de vista dessas três áreas.

Com relação à história das fontes do direito, estas consideradas no sentido material 35, o citado autor ressalta que, “visando a história do direito reconstruir os sistemas jurídicos do passado, torna-se manifesto que terá de ocupar-se dos textos onde se encontram as respectivas normas”. 36

No que se refere à história das instituições, tendo esta por objetivo estudar “o próprio direito tal como se acha contido nas normas jurídicas das diferentes épocas”, não poderia tal história se restringir ao estudo das instituições apenas pelas normas. Sob esse ponto de vista, torna-se relevante verificar se, na prática, essas instituições eram vividas ou se constituíam letra morta. 37

Com relação à terceira área da história do direito, Mário Júlio de Almeida Costa ressalta que a história do pensamento jurídico “ocupa-se da atividade científica, cultural e também prática que, em cada época, sempre acompanha o direito”. Assim, a história do

33 HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia. Síntese de um milênio. 3ª. ed. Mem

Martins/Portugal: Publicações Europa-América Ltda., 2003. p. 15.

34

COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 29.

35 Conforme Mário Júlio de Almeida Costa, fontes de direito no sentido material correspondem aos textos ou

diplomas jurídicos. Ver: COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 29.

36 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

1996. p. 30.

37 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

(23)

22 pensamento jurídico se relaciona com a formação dos juristas, com as correntes doutrinárias e com a literatura jurídica. 38

Portanto, um estudo no campo da história do direito não pode se restringir às fontes jurídicas materiais, ou seja, às leis. É preciso ir além. Um estudo no campo da história do direito deve abordar ainda a história das instituições e a história do pensamento jurídico.

Nesse sentido, o presente trabalho não poderia se restringir ao tratamento do instituto da adoção baseado apenas na legislação vigente no século XIX.

Além disso, considerando a escassa legislação dedicada ao instituto no oitocentos, para uma análise da regulamentação jurídica da adoção no período, imprescindível se faz um estudo acerca da civilística da época. Como os civilistas brasileiros do século XIX tratavam o instituto da adoção? Qual era a posição doutrinária da época?

Analisar o que os juristas naquela época escreviam sobre o tema é extremamente importante. Se a adoção fosse um instituto irrelevante, qual a justificativa plausível para a mesma constar dos projetos de Código Civil elaborados no século XIX? Por que ser regulamentada no primeiro Código Civil brasileiro?

É diante de todo esse contexto que a presente dissertação pretende abordar a legislação e doutrina brasileiras referentes à adoção no século XIX.

Assim, a partir do estudo das fontes do direito brasileiro, objetiva-se resgatar a regulamentação jurídica da adoção no oitocentos e analisar como essa regulamentação foi recepcionada pelo primeiro Código Civil brasileiro.

O Código Civil de 1916 foi considerado por muitos estudiosos o primeiro estatuto da adoção.

Pode-se dizer que o primeiro Código Civil brasileiro inovou na regulamentação jurídica da adoção? Esta é uma das indagações que o presente trabalho pretende responder.

Portanto, o objetivo deste trabalho não é abordar toda a legislação brasileira sobre a adoção. Muito menos verificar a história do instituto desde as suas origens. Como destacado, existem diversos trabalhos nesse sentido.

O intuito, neste momento, é verificar o que havia sobre adoção no ordenamento jurídico vigente no Brasil no século XIX, mais precisamente após a independência do país e até a entrada em vigor do primeiro Código Civil brasileiro, demonstrar qual era o entendimento dos juristas da época sobre o instituto e analisar, com base nos elementos jurídicos apontados, os

38 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

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23 motivos que levaram tantos pesquisadores e estudiosos a afirmarem a inexistência da prática da adoção no século XIX.

Para tanto, leva-se em consideração as Ordenações Filipinas, o Direito Romano – à época, considerado fonte subsidiária do texto filipino – , as legislações esparsas brasileiras do referido período e algumas obras de civilistas da época.

Após destacar como a adoção era tratada na legislação e doutrina, pretende-se ainda demonstrar a sua finalidade e prática na segunda metade do oitocentos, tomando-se como referência, a Corte Imperial brasileira.

É relevante o recorte temporal realizado devido à existência de três normas jurídicas que, embora não se referissem diretamente à adoção, interferiram na interpretação e aplicação do instituto: o decreto de 11 de agosto de 1831, que tratou da sucessão de filhos ilegítimos; o decreto de 31 de outubro de 1831, que alterou a maioridade; e a lei nº. 463 de 2 de setembro de 1847, que dispôs sobre a sucessão de filhos naturais.

Conforme se demonstrará, a adoção na segunda metade do século XIX tinha finalidades específicas. E para compreender essas finalidades bem como a sua prática no referido período, é imprescindível a análise de algumas normas jurídicas correlatas.

Além disso, para melhor compreensão da sua prática e finalidade no referido período, necessário ainda distinguir a adoção dos demais institutos jurídicos relativos à filiação existentes à época: a legitimação, a perfilhação solene e o reconhecimento de paternidade.

Com o intuito de direcionar as buscas a documentos históricos que pudessem demonstrar a prática da adoção no referido lapso temporal, optou-se por verificar a sua prática em um espaço determinado, sendo escolhida a Corte Imperial brasileira como campo de pesquisa.

No século XIX, o Rio de Janeiro era a capital do Império do Brasil e, após a independência, tornou-se o centro das funções estatais, de onde provinham todas as leis objeto de estudo do presente trabalho.

Vale destacar ainda que no Rio de Janeiro encontra-se, atualmente, um dos maiores acervos arquivísticos do país – o Arquivo Público Nacional, fonte de consulta para vários pesquisadores, de todas as regiões do Brasil. 39

Nesse arquivo, foram encontrados documentos que permitirão, ao final, demonstrar as finalidades e a prática da adoção no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX.

39 O Arquivo Público Nacional foi criado em 1838. Atualmente é o órgão central do Sistema de Gestão de

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24 Assim, a presente dissertação é dividida em cinco capítulos.

O primeiro capítulo visa demonstrar como o direito português regulamentava o instituto da adoção. Este capítulo é importante devido ao processo de colonização do Brasil e de formação do Estado brasileiro.

Após a independência política, em 1822, por força da lei de 20 de outubro de 1823, as Ordenações Filipinas, corpo jurídico vigente à época em Portugal, passaram a vigorar no Brasil Império. Assim, imprescindível se torna a análise do instituto da adoção no texto das Ordenações Filipinas.

Além disso, ressalta-se a grande influência portuguesa no ensino jurídico brasileiro e na elaboração de compêndios utilizados nos primeiros cursos jurídicos no Brasil, com destaque para o civilista português Paschoal José de Melo Freire e sua obra Instituitiones

Juris Civilis Lusitani.

Entre os anos de 1789 e 1794, Melo Freire foi professor da Universidade de Coimbra e elaborou um compêndio para o ensino do Direito Civil na referida universidade: as

Instituições de Direito Civil Português 40. O compêndio de Melo Freire foi utilizado no ensino jurídico português até o início da década de 1840, quando então foi substituído pelo compêndio de Coelho da Rocha. 41

Mas o que torna indispensável o estudo de sua obra no presente trabalho é o fato de seu compêndio de Direito Civil ter sido utilizado nos primeiros cursos jurídicos do Brasil, até ser substituído pelo compêndio de Lourenço Trigo de Loureiro. 42 Como será demonstrado, Trigo de Loureiro, ao elaborar o compêndio brasileiro, baseou-se na obra de Melo Freire, tendo sido fortemente influenciado pela civilística portuguesa.

Da mesma forma, outros juristas brasileiros também estudaram o compêndio português. Assim, relevante é a análise da adoção nas Instituitiones Juris Civilis Lusitani de Melo Freire.

40 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 61/65.

41 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 64.

42 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado

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25 O segundo capítulo procura destacar a legislação referente à adoção vigente no Brasil no período compreendido entre a sua a independência política e o advento do Código Civil de 1916.

Neste período, surgiram pouquíssimas normas jurídicas brasileiras referentes ao instituto da adoção. Contudo, há a necessidade de destacá-las bem como de ressaltar algumas normas correlatas que, indiretamente, influenciaram a prática do instituto.

Pretende-se ainda analisar a legislação referente à adoção distinguindo-a de outros institutos jurídicos relativos à filiação existentes à época: a legitimação, a perfilhação solene e o reconhecimento de paternidade.

O terceiro capítulo busca ressaltar como os civilistas brasileiros do oitocentos entendiam o instituto da adoção. Alguns civilistas consideraram a adoção um instituto em desuso, não chegando sequer a abordá-lo em suas obras. Outros já ressaltaram a sua importância, tratando de sua regulamentação.

Além disso, considerando a escassa legislação brasileira destinada à regulamentação da adoção no século XIX, uma abordagem acerca do posicionamento doutrinário da época sobre o instituto se mostra essencial para verificar a prática da adoção no Brasil no referido período.

O quarto capítulo, considerando os elementos jurídicos destacados e com base em documentos localizados no Arquivo Público Nacional do Rio de Janeiro, objetiva demonstrar as finalidades e a prática da adoção na segunda metade do século XIX, tomando como referência a Corte Imperial brasileira.

Por fim, o quinto e último capítulo busca verificar qual o tratamento jurídico dado ao instituto da adoção no final do século XIX e no início do século XX, destacando como o instituto foi recepcionado pelo Código Civil de 1916.

(27)

26

1 A herança portuguesa

O estudo da legislação brasileira no período compreendido entre a independência e a publicação do Código Civil de 1916 exige uma abordagem do ordenamento jurídico vigente em Portugal no final do século XVIII e início do século XIX.

Isso porque a história do direito no Brasil não começa com o seu descobrimento. Confunde-se, inicialmente, com a própria história do direito português. 43

O direito vigente no Brasil Colônia correspondia à legislação portuguesa contida nas compilações de leis e costumes conhecidas como Ordenações Reais: as Ordenações Afonsinas (1446), as Ordenações Manuelinas (1521) e as Ordenações Filipinas (1603), estas vigentes em Portugal e aplicadas na colônia brasileira à época da independência. 44

Logo após a independência política do Brasil, por força da lei de 20 de outubro de 1823, um dos primeiros e mais importantes atos da Assembléia Geral Constituinte convocada pelo Príncipe Regente Pedro I, as Ordenações Filipinas e demais atos normativos vigentes em Portugal passaram a vigorar no Império brasileiro. A partir de então, o Governo Imperial passou a editar novas leis e novos atos normativos, estes considerados os primeiros dispositivos legais brasileiros. 45

Assim, durante todo o período colonial, a história do direito brasileiro permaneceu intimamente ligada à história do direito português. Apenas com a independência política do Brasil, em 1822, pode-se afirmar que a história do direito brasileiro iniciou seu próprio curso.46

Desta forma, não seria possível estudar o instituto da adoção no Brasil no século XIX sem abordar, primeiramente, a história do direito português e o tratamento jurídico dado à adoção em Portugal à época da independência.

Nesse sentido, o presente capítulo apresenta sinteticamente a história do direito português com o intuito de, posteriormente, destacar como o ordenamento jurídico e a

43 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo

Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 43.

44 WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 61.

45 CÂMARA, José Gomes B. . Subsídios para a História do Direito Pátrio. Tomo III. 1822-1889. Rio de

Janeiro: Livraria Brasiliana Editora, 1966. p. 54.

46 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo

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27 civilística portugueses tratavam o instituto da adoção na passagem do século XVIII para o século XIX.

1.1 O ordenamento jurídico português no período da independência do Brasil

Para compreender como o ordenamento jurídico português tratava a adoção no final do século XVIII e início do século XIX, é necessário verificar o Direito vigente em Portugal no referido período.

Ressalte-se que o presente trabalho não tem por objetivo estudar a história do direito português. Pretende-se, nesse momento, destacar e compreender as fontes do direito que embasaram o ordenamento jurídico português no final do século XVIII e início do século XIX uma vez que, como observado, após a independência do Brasil, o ordenamento jurídico vigente em Portugal passou a vigorar no Império brasileiro. 47

No século XII, o direito português correspondia a um direito rudimentar, baseado nos costumes, nos forais, em algumas leis gerais dos monarcas e na atuação marcante do tabelião.48

O direito romano existente nessa época era o direito romano vulgar, decorrente da intensificação dos costumes locais e da simplificação do direito romano clássico. 49

Conforme Mário Júlio de Almeida Costa, o sistema jurídico da nacionalidade portuguesa era caracterizado por instituições de tipo primitivo. Segundo o autor:

47

Sobre a história do direito português ver: COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996.; SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da. História do Direito

Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006.

48

JUSTO, António dos Santos. O Direito Brasileiro: Raízes histórias. p. 03. Artigo disponível em: http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/dir_bras_raiz_hist.pdf

49 Segundo António Manuel Hespanha, dizer o direito havia se tornado uma atividade menos exigente e mais

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28 “(...) Aos resíduos autóctones, que resistiram às diversas dominações estrangeiras da Península, acrescentaram-se sucessivamente: preceitos do chamado direito romano vulgar, fixados em virtude da permanência prolongada dos Romanos na Hispânia; influências canônicas, que se verificam quer indiretamente, mercê da legislação romana posterior a Constantino, quer diretamente, na época medieval; costumes germânicos, devidos sobretudo aos Suevos e aos Visigodos; restos visíveis provenientes dos Árabes, apesar da natureza confessional do seu direito; e mesmo outras influências, como a franca, motivada principalmente pelas colônias estabelecidas no solo peninsular.” 50

Por volta do ano de 1100, o direito cristalizado no Corpus iuris civilis passou a ser estudado e difundido no Ocidente, em decorrência de um movimento que ficou conhecido como “renascimento” do direito romano. 51

Esse “renascimento” teve origem nas universidades européias, principalmente na Itália e na França. Não obstante ter iniciado além das fronteiras do Reino português, o “renascimento” do direito romano chegou a Portugal, tendo o movimento ali se intensificado a partir de meados do século XIII. 52

A “redescoberta” do Corpus iuris civilis ocorreu devido às novas formas de estudo do direito romano desenvolvidas pelas Escolas dos Glosadores, dos Comentadores e dos Humanistas.

No final do século XII e início do século XIII a Escola dos Glosadores buscou compreender o texto romano por meio de explicações de suas passagens obscuras. Estas explicações receberam o nome de glosas, que identificaram o novo método de estudo bem como o nome da Escola e de seus representantes. 53

50 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

1996. p. 195.

51 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo

Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 11.; COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 225.

52 Sobre a história do direito romano e as suas diversas fases de desenvolvimento antecedentes ao Corpus iuris

civilis ver: CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro.

Rio de Janeiro: Forense, 2001.; GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Trad. A. M. Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.; KASER, Max. Direito Privado

Romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle e revisão de Maria Armanda de Saint-Maurice.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.; NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito

Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955.; SCIASCIA, Gaetano. Direito Romano e Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva S/A., 1947.

53 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo

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29 Mas, para os glosadores, o direito romano era perfeito e, em decorrência disso, as explicações (glosas) não extrapolavam o texto romano.

Assim, por volta do século XIV, surgiu a Escola dos Comentadores com um novo método de estudo do Corpus iuris civilis.

Os comentadores inovaram na medida em que buscaram adaptar o texto romano à realidade social, ou seja, buscaram adaptar o texto clássico do direito romano às necessidades da época. 54

Alguns de seus representantes produziram comentários sobre o Corpus iuris civilis e por isso essa escola recebeu o nome de “Comentadores”. 55

Pode-se dizer que a consolidação do direito romano no ocidente se deu com esta Escola e que a intensificação de seus estudos contribuiu para a proliferação do direito romano em Portugal.

Paralelamente ao “renascimento” do direito romano e em decorrência da forte influência do Cristianismo, começaram a surgir no Reino português coletâneas mais elaboradas de direito canônico, o que contribuiu para uma intensa atividade legislativa da Igreja Católica. 56

Importante destacar que, em Portugal, o direito canônico sempre foi objeto de estudo e aplicação. Desde o século XIII, o seu estudo nas universidades, juntamente com o direito romano, teve caráter obrigatório para a formação de juristas em leis e cânones.57

Assim, pode-se dizer que nos séculos XIII e XIV, ao lado do direito próprio (ius

proprium), – normas jurídicas próprias – , o direito português passou a contemplar como fonte

jurídica o direito comum – ius commune – , um sistema composto de normas do direito romano e do direito canônico. 58

No século XV e alcançando o século XVI, fatores políticos e econômicos contribuíram para a ocorrência de transformações no âmbito jurídico.

54 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo

Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 14.

55 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo

Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 14.

56

COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 246/249.

57 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

1996. p. 251.

58COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

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30 À época, as conquistas marítimas e a intensificação do comércio com o Oriente ocasionaram a acumulação de riquezas e o incentivo na produção artística. Nesse período, conhecido historicamente por Renascimento, em que a característica principal era o antropocentrismo, ocorreram várias transformações.

No âmbito jurídico, houve uma restauração erudita dos textos da antiguidade clássica que, associada ao declínio da Escola dos Comentadores, ocasionou o desenvolvimento de um novo pensamento jurídico e de uma nova forma de estudo do direito romano: o humanismo.

A Escola Humanista objetivou verificar o exato significado dos textos clássicos e entender o contexto de criação das regras jurídicas romanas. 59

Os humanistas acreditavam na primazia do Corpus iuris civilis. Contudo, a abordagem por eles realizada era diferente do método de estudo dos glosadores e dos comentadores.

Com o humanismo jurídico procurou-se realizar uma nova forma de interpretação da lei, destacando-se a autonomia interpretativa do jurista. 60

Não obstante a importância da Escola Humanista, Mário Júlio de Almeida Costa destaca que os reflexos em Portugal decorrentes dessa nova exegese foram esporádicos. Contudo, segundo o autor, o humanismo jurídico “lançou inegáveis sementes que o setecentismo iluminista faria frutificar”. 61

Outro fator relevante da época se refere ao crescimento da ordem nacional soberana. Em conseqüência desse crescimento, as fontes jurídicas do direito português sofreram alterações.

A crescente influência dos direitos romano e canônico fortaleceu a atividade legislativa do monarca, o que resultou no reforço da autoridade régia. 62

A centralização política foi concentrando a criação do direito no Rei, ocasionando o fortalecimento do direito nacional, pátrio, régio e costumeiro, fruto da vontade ou da

59 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo

Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 14/15.

60

COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 321/323.

61 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

1996. p. 324/326.

62 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

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31 tolerância do soberano e, em contrapartida, em detrimento dos direitos romanista e canonista.63

O resultado dessas transformações, para o direito português, foi a aplicação dos direitos romano e canônico como fonte subsidiária, passando tais fontes jurídicas a serem aplicadas nos casos concretos que não podiam ser solucionados com a aplicação do direito próprio.

Nesse sentido, Mário Júlio de Almeida Costa ensina que:

“Parece de sustentar, de um modo geral, que, durante os séculos XII e XIII, o direito comum, pelo menos num plano teórico, se sobrepôs às fontes com ele concorrentes. Seguiu-se nas duas centúrias imediatas, um período de relativo equilíbrio, pois os direitos próprios foram-se afirmando como fontes primaciais dos respectivos ordenamentos e o direito comum tendeu a passar ao simples posto de fonte jurídica subsidiária. O termo desse ciclo, em começo do século XVI, dá-se com a independência plena do “ius proprium”, que se torna a exclusiva fonte normativa imediata, assumindo o “ius commune” o papel de fonte subsidiária apenas mercê da autoridade ou legitimidade conferida pelo soberano, que personifica o Estado.” 64

Assim, o ordenamento jurídico português no período que antecedeu ao surgimento das Ordenações contemplava como fontes jurídicas o direito próprio (várias normas jurídicas legislativas e consuetudinárias) e, subsidiariamente, o direito comum (direito romano e direito canônico). 65

Também em decorrência do fortalecimento do direito nacional, pátrio e régio e da intensa atividade legislativa do monarca, surgiu um grande número de diplomas e normas esparsos, o que passou a dificultar a aplicação do Direito, causando muita confusão e insegurança jurídica.

Este fato fez com que, em meados do século XV, D. João I, então Rei de Portugal, ordenasse a elaboração de uma coletânea das normas vigentes no Reino português.

63

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. Lições Introdutórias. São Paulo: Editora Max Limonad, 2000. p. 214.

64 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

1996. p. 255.

65 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

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32 Essa coletânea de normas foi concluída por volta dos anos de 1446 e 1447, e recebeu o nome de Ordenações Afonsinas, em homenagem à D. Afonso V, herdeiro do trono português à época, mas que devido a sua menoridade, não chegou a assumi-lo. 66

As Ordenações Afonsinas não representaram uma inovação no ordenamento jurídico português, pois se trataram de uma organização sistêmica das fontes jurídicas anteriores. Mas podem ser consideradas, nas palavras de Mário Júlio de Almeida Costa, o “suporte da evolução subsequente do direito português”. 67

No século XVI, mais precisamente em 1505, D. Manuel, então rei de Portugal, encarregou alguns juristas de atualizar as Ordenações Afonsinas, suprimindo, acrescentando ou alterando o que fosse necessário. 68

Essa atualização resultou na elaboração de uma nova compilação de leis: as Ordenações Manuelinas, no ano de 1521.

Embora as Ordenações Manuelinas tenham realizado algumas alterações consideráveis com relação ao conteúdo das Ordenações Afonsinas foram mantidas a estrutura e a distribuição das matérias da coletânea real anterior.

Entre as alterações promovidas, destacam-se a expressa adoção do direito comum como fonte subsidiária do direito nacional e a interpretação vinculativa da lei através dos assentos da Casa da Suplicação. 69

Os assentos da Casa da Suplicação se referiam às dúvidas de desembargadores desse Tribunal sobre algum entendimento. Caso houvesse dúvidas sobre o entendimento de algum preceito, as mesmas deveriam ser levadas ao regedor da Casa de Suplicação, que convocaria outros desembargadores para, conjuntamente, fixarem a interpretação mais adequada.

66 À época, Portugal era governado pelo rei D. João I, que vendo o caos em que se encontrava o ordenamento

jurídico, encarregou João Mendes, corregedor da Corte, de elaborar a referida coletânea. Mas, devido ao falecimento de ambos, a tarefa não chegou a ser concluída. O sucessor de D. João I, D. Duarte, decidiu dar continuidade aos trabalhos iniciados por João Mendes, confiando a tarefa ao Dr. Rui Fernandes, jurista que compunha o conselho do rei. Mas D. Duarte também faleceu. Com a morte de D. Duarte, assumiria o trono D. Afonso V. Contudo, devido a sua menoridade, assumiu D. Pedro como regente. D. Pedro também impulsionou a elaboração da referida coletânea de normas, vindo o Dr. Rui Fernandes terminar a referida obra em 1446. Informações obtidas em: COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 274.

67 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

1996. p. 277/279.

68 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

1996. p. 281.

69 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

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33 Subsistindo as dúvidas, o regedor da Casa da Suplicação as submeteria ao monarca. As soluções definidas nos assentos da Casa de Suplicação vinculavam as decisões de futuros casos idênticos. 70

Com o tempo, ao lado das Ordenações Manuelinas, passaram a vigorar novamente inúmeros diplomas avulsos e uma série de interpretações vinculativas dos assentos da Casa de Suplicação. 71

Assim, Portugal se viu diante da necessidade de elaborar uma nova coletânea jurídica que permitisse a interpretação e a aplicação do direito de forma mais segura.

Nesse sentido, o Cardeal D. Henrique, então regente na menoridade de D. Sebastião, encarregou Duarte Nunes do Lião de organizar um repositório do direito extravagante que vigorava paralelamente às Ordenações Manuelinas. 72

Este repositório de leis ficou conhecido como “Coleção das Leis Extravagantes de Duarte Nunes do Lião”. 73

Mas a referida coletânea de Duarte Nunes não solucionou o problema, pois passaram a vigorar em Portugal, simultaneamente, as Ordenações Manuelinas e as Leis Extravagantes. Assim, havia a necessidade de reformar o ordenamento jurídico da época.

A solução encontrada foi a elaboração de um novo corpo normativo.

Os trabalhos preparatórios desse novo corpo legislativo se iniciaram entre 1583 e 1585, no reinado de Filipe I, e resultaram na coletânea que ficou conhecida como as Ordenações Filipinas. As Ordenações Filipinas ficaram concluídas em 1595, mas apenas em 1603, no reinado de Filipe II, iniciou-se a sua vigência. 74

Vale destacar que as Ordenações Filipinas não contemplaram diferenças fundamentais no conteúdo de seus livros.

Ressalta-se ainda que, mesmo após a sua vigência bem como de várias leis extravagantes que foram surgindo ao longo dos anos, havia situações jurídicas que não foram

70 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

1996. p. 301.

71 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

1996. p. 285.

72

COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 285/286.

73 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

1996. p. 287.

74 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

(35)

34 completamente disciplinadas. Ou seja, o texto filipino não conseguiu abarcar várias situações jurídicas da época, deixando lacunas no ordenamento jurídico então vigente.

Assim, diante dessas lacunas, continuou a ser aplicado o direito subsidiário, o direito romano e o direito canônico.

A aplicação do direito subsidiário era definida conforme a matéria envolvida no caso concreto. Com relação à aplicação do direito romano e do direito canônico, Mário Júlio de Almeida Costa ensina que:

“Na falta de direito nacional – como se observou, representado por lei, estilo da Corte ou costume – caberia utilizar, a antes de mais, o direito romano e o direito canônico. Em questões jurídicas de natureza temporal, a prioridade pertencia ao direito romano, exceto se da sua aplicação resultasse pecado. Portanto, o direito canônico prevalecia sobre o direito romano nas matérias de ordem espiritual e nas temporais em que a observância deste último conduzisse o pecado (“ratio peccati”), quer dizer, se mostrasse contrária à moral cristã. (...)

Se o caso omisso não fosse decidido diretamente pelos textos de direito romano ou de direito canônico, nos termos referidos, devia atender-se à Glosa de Acúrsio e, em seguida, à opinião de Bártolo ainda que outros doutores se pronunciassem de modo diverso.” 75

Assim, o direito canônico era destinado à regulamentação de questões jurídicas de ordem espiritual, cabendo ao direito romano regulamentar matérias temporais.

Se o direito nacional, o direito romano e o direito canônico não solucionassem os casos omissos, cabia ao rei dar a solução, sendo sua decisão vinculante a todos os feitos semelhantes. 76

As Ordenações Filipinas vigoraram em Portugal por mais de dois séculos, até o advento do primeiro Código Civil português, na segunda metade do século XIX.

Entretanto, devido a diversos fatores de ordem política, econômica e social ocorridos entre os séculos XVII e XIX, embora as Ordenações Filipinas continuassem vigentes, o direito português passou por profundas mudanças, que refletiram diretamente na aplicação de suas fontes jurídicas.

Como destacado, os reflexos do humanismo jurídico do século XVI em Portugal foram esporádicos, mas contribuíram para o movimento que nos séculos XVII e XVIII provocou profundas alterações na aplicação das fontes jurídicas do direito português.

75 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

1996. p. 312/313.

76 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

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