• Nenhum resultado encontrado

O instituto da adoção nas Ordenações Filipinas

Conforme destacado inicialmente, a adoção se desenvolveu no direito romano.

No direito romano, a adoção estava intimamente ligada à perpetuidade da família e de seu culto doméstico. Este culto doméstico estava relacionado ao culto dos mortos. O interesse do pater familia era continuar a sua descendência para perpetuar a religião doméstica. Nesse sentido, para o pater familia, falecer sem descendentes, era uma “desgraça”, pois não haveria quem continuasse o seu culto. 103

Assim, no direito romano, a adoção era uma forma de garantir ao pater familia sua descendência por meio de um parentesco artificial, evitando-lhe a vergonha da morte sem descendentes e a desgraça da “morte” de seu culto doméstico.

Pode-se dizer, portanto, que a adoção no direito romano tinha por finalidade dar um filho ao pater familia que não o tinha.

Mas com o tempo, e com o próprio desenvolvimento do instituto, a adoção passou por transformações.

Conforme destaca Fustel de Coulanges, o advento do Cristianismo transformou a concepção da família romana. Segundo o autor:

“(...) Enquanto que outrora cada homem fizera o seu deus, havendo tantos deuses quantas as famílias e as cidades, Deus apresenta-se agora como um Ser único, infinito, universal, único a dar vida aos mundos, o único a dever preencher a necessidade de adoração inata que há no homem. (...) O Cristianismo trouxe ainda outras inovações. Deixou de ser a religião doméstica de determinada família, a religião nacional de uma cidade ou de um povo. O cristianismo não pertencia nem a uma casta, nem a uma corporação. Desde o início, chamou a si toda a humanidade. Jesus Cristo ensinava aos seus discípulos: “Ide e ensinai a todos os povos”.” 104

102 SZNICK, Valdir. Adoção. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda., 1988. p. 13.

103 COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga: Estudos sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de

Roma. Trad. de Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: HEMUS, 1975. p. 33/43.

104 COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga: Estudos sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de

41 Assim, conforme Fustel de Coulanges, com o advento do Cristianismo, a constituição da família romana mudou. Esta, que anteriormente era comandada pelo pater familia e que tinha este como autoridade absoluta, passou a adorar um único Deus, poderoso e supremo.

Como os valores cristãos pregavam a supremacia da filiação sanguínea, decorrente do casamento legítimo, a adoção passou a ser temida como uma possibilidade de introduzir no seio da família legalizada pelo matrimônio crianças oriundas de relações ilegítimas. 105

Assim, conforme já destacado inicialmente, a adoção passou a sofrer ataques por parte da Igreja Católica.

Nesse contexto, sob a influência do cristianismo, que combatia o concubinato, surgiu o instituto da legitimação. 106

Pode-se dizer que primeiramente surgiu a legitimação por subseqüente matrimônio. Segundo Vandick Londres da Nóbrega, na época de Constantino, delineou-se “o aparecimento, tímido, ainda, de uma legitimação por casamento subsequente” que refletiu no desenvolvimento do instituto da adoção romana. 107

O subsequente casamento legitimava os filhos naturais – aqueles nascidos de uma relação extra-matrimonial.

O casamento subsequente também colocava o filho legitimado sob o pátrio poder do

pater familia. 108

Desta forma, como pela legitimação por subsequente matrimônio o pai adquiria o pátrio poder sobre o filho legitimado, também se introduzia o indivíduo como filho na família. Assim, pode-se dizer que a legitimação por subsequente matrimônio acabou realizando uma das finalidades da adoção.

Pode-se afirmar ainda que por incentivar o casamento, a legitimação por subsequente matrimônio não confrontava os valores cristãos.

Posteriormente, no direito romano, surgiu outra forma de legitimação: a legitimação por rescrito do príncipe. Esta se destinava à legitimação de filhos naturais desde que não fosse

105

PÍCOLO, Guilherme Gouvêa. Precedentes históricos da adoção luso-brasileiro. Artigo disponível em http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-civil/232394-precedentes-historicos-da-adocao- no-sistema-luso-brasileiro .

106

NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955. p. 523.

107 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria

Freitas Bastos, 1955. p. 523.

108 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro. Rio de

42 possível a realização do casamento e desde que o adotante não tivesse filhos. Mas para tanto, havia a necessidade, além do cumprimento das exigências, de uma autorização real. Por isso esta legitimação foi denominada de legitimação por rescrito imperial. 109

Do mesmo modo como ocorreu com o advento da legitimação por subsequente matrimônio, a legitimação por rescrito imperial surgiu como uma nova maneira para o pater

familia obter a filiação.

Desta forma, as legitimações por subseqüente matrimônio e por rescrito imperial passaram a existir paralelamente à adoção.

Antônio Chaves, citando Roberto Christensen, ressalta que a adoção, desenvolvida a partir de um tipo de família patriarcal, “com uma perfeita autonomia social, política, religiosa e econômica, segue a sorte e a evolução registrada pelo núcleo familiar no qual foi engendrado”.110

Assim, com a influência do Cristianismo, a adoção persistente na Idade Média não tinha mais a finalidade de perpetuação de um culto doméstico.

Além disso, conforme destaca Ângela Mendes de Almeida, “a partir do cristianismo, generaliza-se uma moral diferente que transforma a família patriarcal, impondo o casal com uma instituição chave do casamento”. Segundo a autora, nessa nova moral, “o exercício do sexo torna-se um mal absoluto, apenas tolerável pela necessidade de continuidade da espécie, e a castidade e a continência sexual são erigidas em valores”. 111

Ângela Mendes de Almeida destaca ainda que “a era cristã inaugura, assim, e reforça ao longo de muitos séculos pela Idade Média adentro, um parâmetro de vida: a recusa do prazer”. Destaca ainda que “nesse movimento, a Igreja Católica termina por separar rigidamente, por volta do século XI, os celibatários e continentes – o clero – dos que se casam – os laicos”. 112

Assim, com a influência do Cristianismo, a adoção persistente na Idade Média não tinha mais a finalidade de perpetuação de um culto doméstico, embora o intuito de dar filhos a quem não os tinha e o intuito de dar continuidade à família permanecessem.

109 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro. Rio de

Janeiro: Forense, 2001. p. 90.

110 CHAVES, Antônio. Adoção e legitimação adotiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1966. p. 36. 111 ALMEIDA, Ângela Mendes de. Notas sobre a família no Brasil. in: ALMEIDA, Ângela Mendes de. (Org.).

Pensando a família no Brasil. Da colônia à modernidade. Rio de Janeiro: Editora da UFRRJ, 1987. p. 59.

112 ALMEIDA, Ângela Mendes de. Notas sobre a família no Brasil. in: ALMEIDA, Ângela Mendes de. (Org.).

43 Conforme ressaltado inicialmente, há indícios de que, na Idade Média, os valores cristãos, principalmente em torno do casamento e da filiação legítima, tenham tornado a adoção um instituto obsoleto.

Mas, conforme também já destacado, apesar de pregar o casamento e a filiação legítima, a Igreja Católica era contrária ao aborto e ao infanticídio e, por isso, tolerava o abandono de crianças, muitas vezes motivado pelo vício de seus nascimentos. Assim, a própria Igreja buscou alternativas para proteger as crianças abandonadas. 113

Nesse contexto, entre os séculos XIII e XV, intensificou-se em Portugal a assistência à infância abandonada com a criação de algumas instituições de caridade. Citam-se os hospitais, como as Santas Casas de Misericórdia, nas quais havia um cilindro rotatório para abandonar as crianças, que ficou conhecido como a Roda dos Expostos. 114

Como a Igreja era ligada ao Estado, a proteção às crianças abandonadas foi também apoiada pela Coroa portuguesa. Este apoio se traduziu na criação de normas de proteção social e na fundação e manutenção de instituições assistenciais destinadas ao amparo dessas crianças.115

Consequentemente, a partir do século XVI, em Portugal, oficializou-se a atribuição das autoridades de prestar assistência aos expostos, sendo criadas instituições financiadas pelas Câmaras Municipais (Conselhos).116

Desde as Ordenações Manuelinas atribuiu-se às Câmaras Municipais a responsabilidade pela criação das crianças abandonadas. Esse sistema de criação chegou, no século XVII, às Ordenações Filipinas, que também regulamentaram a criação de órfãos e expostos. 117

113 MARCÍLIO, Maria Luiza. A criança abandonada na história de Portugal e do Brasil. in: VENÂNCIO,

Renato Pinto (org.). Uma história social do abandono de crianças: de Portugal ao Brasil: Séculos XIII-XX. São Paulo: Alameda/Editora PUC Minas, 2010. p. 21.

114 Sobre a história do abandono de crianças ver: MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança

Abandonada. São Paulo: Editora Hucitec, 2006.

115 MARCÍLIO, Maria Luiza. A criança abandonada na história de Portugal e do Brasil. in: VENÂNCIO,

Renato Pinto (org.). Uma história social do abandono de crianças: de Portugal ao Brasil: Séculos XIII-XX. São Paulo: Alameda/Editora PUC Minas, 2010. p. 21.

116 MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Editora Hucitec, 2006. p.

113/114.

117 MARCÍLIO, Maria Luiza. A criança abandonada na história de Portugal e do Brasil in: VENÂNCIO,

Renato Pinto (org.). Uma história social do abandono de crianças: de Portugal ao Brasil: Séculos XIII-XX. São Paulo: Alameda/Editora PUC Minas, 2010. p. 22/23.

44 No entanto, é preciso ressaltar que a criação de órfãos e expostos não pode ser confundida com a prática da adoção, embora muitas vezes tenha precedido a esta.

Nesse sentido, a historiadora Alessandra Zorzetto Moreno, pesquisando sobre a criação de filhos alheios na cidade de São Paulo no período compreendido entre os anos de 1765 e 1822, destacou que “as cartas de adoção na sociedade luso-brasileira de fins do século XVIII e início do XIX eram requeridas quando os filhos de criação já estavam criados”. Além disso, segundo a historiadora, “a adoção era a coroação de um processo iniciado com o acolhimento e construído pelo relacionamento cotidiano ao longo dos anos, onde as relações familiares entre pais, mães e filhos adotivos pautavam-se por obrigações comuns na paternidade, maternidade ou filiação biológica”. 118

Assim, a adoção passou a ter novos contornos jurídicos.

Havendo a possibilidade de se legitimar os filhos oriundos de relações extra- matrimoniais, a adoção não mais se destinava a introduzir os filhos naturais no casamento.

Ao mesmo tempo, as legitimações, que muitas vezes tinham as mesmas finalidades da adoção, passaram a ser cada vez mais utilizadas, pois não contrariavam os interesses da Igreja, nem os interesses monárquicos.

E com o surgimento das normas de proteção social e das instituições de amparo às crianças abandonadas, a adoção começou, então, a tangenciar fins altruísticos.

Nesse sentido, Renato Venâncio destaca que “a criação de abrigos para enjeitados cumpria uma dupla função cristã: evitava o infanticídio e possibilitava que os cristãos exercessem a caridade e o amor ao próximo”. 119

Portanto, a aliança existente entre Estado e Igreja, além de proporcionar ao Estado português meios jurídicos de controle da vida das pessoas 120, contribuiu para transformar o instituto da adoção.

Vale ainda destacar que o fator social também contribuiu para as transformações do instituto da adoção.

118 MORENO, Alessandra Zorzetto. “Vivendo em lares alheios”: acolhimento domiciliar, criação e adoção na

cidade de São Paulo (1765-1822). Tese de doutorado apresentada ao departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. 2007. p. 274/275.

119 VENÂNCIO, Renato. Adoção antes de 1916. in LEITE, Eduardo Oliveira (coord.). Adoção: aspectos

jurídicos e metajurídicos. (Grandes temas da atualidade. v. 4). Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 277.

120 LOPES, José Reinaldo de Lima; QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo; ACCA, Thiago dos Santos. Curso de

45 Do ponto de vista social, no Antigo Regime, a sociedade portuguesa era uma sociedade estamental, em que o conjunto de direitos e deveres de cada indivíduo decorria de seu estamento. Assim, muitas vezes, os indivíduos recorriam ao soberano para adquirirem, por sua graça ou benevolência, direitos que seus estamentos não lhes garantiam. 121

Nota-se, por exemplo, a diferenciação do direito sucessório, constante nas Ordenações Filipinas, dos filhos de nobres e plebeus.

Conforme destaca Renato Venâncio, a Coroa portuguesa, preocupada em restringir o acesso de nobres aos recursos do Estado monárquico, “tendeu a exercer um controle rígido sobre as prerrogativas de legitimação e, com isso, também sobre a perfilhação adotiva”. 122

Diante de todo esse contexto, vários pesquisadores afirmam que a adoção, do período romano até meados do século XVII, teria passado, portanto, por um momento de apogeu, declínio e extinção. 123

Maria Luiza Marcílio chega a afirmar que “a adoção foi praticamente banida das legislações ocidentais, desde a Idade Média, por iniciativa da Igreja”. 124

Mas na verdade, o que ocorreu foi uma transformação do instituto e não a sua extinção.

Assim, a partir da ideia de desenvolvimento e de transformação do instituto da adoção, objetiva-se verificar os dispositivos filipinos referentes à adoção para, posteriormente, analisar a afirmação que coloca este instituto no século XIX, em Portugal e no Brasil, como um instituto em desuso.

Inicialmente, importante ressaltar que as Ordenações Filipinas, conforme anteriormente destacado, foram resultantes da compilação das leis vigentes em Portugal no século XVI. Assim, o texto filipino englobava várias matérias.

As Ordenações Filipinas eram compostas de cinco livros. O Livro I definia as atribuições, direitos e deveres dos magistrados e funcionários do Poder Judiciário. O Livro II estabelecia as normas que regulavam as relações entre a Igreja e o Estado, as atribuições do

121

LOPES, José Reinaldo de Lima; QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo; ACCA, Thiago dos Santos. Curso de

história do direito. São Paulo: Método, 2006. p. 119/120.

122 VENÂNCIO, Renato. Adoção antes de 1916. in: LEITE, Eduardo Oliveira (coord.). Adoção: aspectos

jurídicos e metajurídicos. (Grandes temas da atualidade. v. 4). Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 275.

123 BOCHNIA, Simone Franzoni. Da adoção: Categorias, paradigmas e práticas do Direito de Família.

Dissertação de mestrado na área Interinstitucional nas Áreas de Concentração de Direitos Humanos e Democracia apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2008. p. 17/18.

124 MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Editora Hucitec, 2006. p.

46 fisco e os privilégios da nobreza. O Livro III disciplinava as normas relativas aos processos civis e criminais. O Livro IV regulamentava os direitos de família, direitos das coisas, das obrigações e das sucessões. E o Livro V tratava especificamente da matéria penal. 125

As poucas disposições filipinas referentes à adoção se encontravam dispersas nos livros das Ordenações.

Imprescindível destacar que o texto filipino não utilizava sempre a palavra “adoção” para se referir ao instituto.

As Ordenações Filipinas se referiam à adoção por meio das palavras “adrogação” (“adrogatio”) e “adoção” (“adoptio”), ou ainda por meio da palavra “perfilhação”, bem como pelas suas respectivas derivações (“perfilhamento”, “perfilhados”, “arrogados”, “adoptados”).

Com relação às designações do instituto no texto filipino destaca-se o décimo segundo parágrafo, do título trinta e cinco, do segundo livro das Ordenações:

“(...) 12. Terceira dúvida. Se a dita Lei haveria lugar no filho, ou neto natural, ou espúrio legitimado per autoridade Real, ou per nomeação feita pelo pai em seu testamento, nomeando-o por filho, ou no filho perfilhado, que se chama em direito adotivo, ou arrogado? (...)” 126

A designação do instituto da adoção nas Ordenações Filipinas pelas palavras “adrogação” ou “adrogatio” e “adoção” ou “adoptio” bem como pelas respectivas derivações se deve ao fato da adoção ter se desenvolvimento a partir do direito romano.

No direito romano, a adoção compreendia duas situações distintas: a adrogatio e a

adoptio.

A adrogatio era a adoção de um sui juris, ou seja, de um indivíduo que não estava submetido ao pátrio poder de um pater familia. 127

Já a adoptio era a adoção de um alieni juris, isto é, de um indivíduo subordinado ao pátrio poder de um pater familia. 128

125

ALMEIDA, Candido Mendes. Código Filipino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal recopiladas por

mandado d’El Rey D. Philippe I. Livro Primeiro. Edição fac-similar da 14ª. ed., de 1870, com introdução e

comentários de Candido Mendes de Almeida. 1º Tomo. Edições do Senado Federal. Volume 38-A. Notas do editor.

126 Ord., L. 2, T. 35, §.12.

127 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico comparativo da legislação

atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 42.

128 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico comparativo da legislação

47 Como destacado inicialmente, o instituto se desenvolveu em meio à tradição jurídica romana pela qual a adoção era uma maneira do pater familia que não possuía filhos garantir a perpetuação de seu culto doméstico.

Contudo, com o desenvolvimento do instituto e devido à influência da Igreja Católica, bem como em decorrência do enfraquecimento do direito romano nos séculos precedentes à formação do Estado português, historiadores e juristas relatam que o instituto da adoção romana entrou em declínio.

Entretanto, nos séculos XII e XIII, com o movimento de “renascimento” do direito romano na Europa Ocidental, o Corpus iuris civilis penetrou nos países ocidentais e passou a ser considerado fonte jurídica do ordenamento português.

Nesse período, Afonso X (reinado entre 1252 e 1284), então Rei de Castela, também sob influências do “renascimento” do direito romano e do fortalecimento do direito régio, reivindicou para o monarca a criação jurídica e a renovação do direito de seu reino, tendo o texto normativo castelhano das Siete Partidas se destacado nesse contexto. 129

Há autores que destacam a presença do instituto da adoção romana no referido texto normativo castelhano. Contudo, as Siete Partidas teriam se referido à adoção por meio da palavra “perfilhação”. Nesse sentido, Guilherme Cruz destaca:

“(...) Na segunda metade do século XIII, as Siete Partidas de Afonso X, muito influenciadas já pelo renascimento do direito romano, recorreram às palavras

porfijar e porfijamiento para designar o mesmo instituto a que os romanos

chamavam adoptio”. 130

Nuno J. Espinosa Gomes da Silva ressalta que, na Idade Média, devido à extensão do

Corpus iuris civilis, a sua técnica de compilação, a sua complexidade e à escrita em latim,

conhecer e dominar o direito romano era muito difícil. Assim, as obras castelhanas como a

Siete Partidas, onde o direito romano era mais nítido, foram recepcionadas em Portugal,

tendo este fato contribuído para a difusão do ius commnune no Reino português. 131

129 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A.,

1996. p. 233.

130 Guilherme B. Cruz, “Algumas considerações…”, op. cit., pp. 1-72 in: MORENO, Alessandra Zorzetto.

“Vivendo em lares alheios”: acolhimento domiciliar, criação e adoção na cidade de São Paulo (1765-1822). Tese

de doutorado apresentada ao departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. 2007. p. 263.

131 SILVA, Nuno. J. Espinosa Gomes da. História do Direito Português. Fontes de Direito. 4ª. ed. revista e

48 Nota-se que as Ordenações Filipinas, no décimo segundo parágrafo, do título trinta e cinco, de seu segundo livro identificam expressamente a adoção romana (adrogatio ou

adoptio) pela palavra perfilhação: “filho perfilhado, que se chama em direito adotivo, ou

arrogado”, adotando como as Siete Partidas, o termo perfilhação para designar o instituto. Assim, pode-se dizer que a palavra perfilhamento utilizada nas Ordenações Filipinas para designar o instituto da adoção decorreu da influência do direito romano. Esta influência foi sentida pelos ordenamentos jurídicos de vários países europeus, tendo invadido a Península Ibérica e penetrado nos textos jurídicos da época.

Portanto, a designação do instituto da adoção nas Ordenações Filipinas, independentemente do termo utilizado – seja “perfilhamento”, “adrogação” ou “adoção” – remetia o instituto ao direito romano, seja pelo fato de ter se desenvolvido neste ordenamento jurídico, seja devido à influência do movimento do “renascimento do direito romano” na Europa ocidental.

Contudo, mesmo contabilizando todas as referências ao instituto da adoção, independentemente da expressão utilizada, constatam-se pouquíssimas disposições normativas nas Ordenações Filipinas regulamentando o instituto.

Entre elas, destaca-se o parágrafo primeiro, do título três, no livro primeiro das Ordenações, que estabelecia a competência do Desembargo do Paço para realizar as confirmações das adoções (no dispositivo filipino foi utilizada a palavra “perfilhamentos”):

“Título III

Dos Desembargadores do Paço

Aos nossos Desembargadores do Paço pertence despachar as petições de graça, que nos for pedida, em causa, que à Justiça possa tocar, assim como Cartas de