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Foto 20  Módulo 7: Gestão da Comunicação

3.1 Polo Epistemológico

3.1.1 A Epistemologia de Hans-Georg Gadamer

3.1.1.2 Gadamer e o método

3.1.1.2.1 O Jogo como Transformação em Construção

Na metodologia da hermenêutica filosófica, proposta por Gadamer (2012), há dois modelos estruturais: o jogo, como transformação, em construção; e o círculo hermenêutico.

O jogo assinala uma experiência, considerando que ele sempre fez parte da vida do homem desde os primórdios civilizatórios. Tudo, na vida, significa jogo. Ele auxilia como descarga das tensões, uma válvula de escape, um restaurador das energias, enfim, um meio de aprendizagem, em virtude de que confere sentido à vida do homem, na medida em que este transcende-se a si mesmo. Infere-se que o jogo possibilita o filosofar, simbolizando uma orientação para a vida, dado à força divina que o sustenta. No jogo, os indivíduos realizam a catarse, e, através desta, o ser humano se aproxima do que é essencial para a vida, atingindo o que há de mais significativo na existência, ou seja, a espontaneidade de ser.

Na essência do jogo residem as incertezas, os inesperados, a ousadia, o risco e o suporte para as tensões da vida. Para que este ocorra, é preciso que o homem esteja apto à sua experiência de entrega. O jogo permeia os estudos hermenêuticos de Gadamer, estando presente nos trabalhos constituídos de linguagem e experiência hermenêutica, que o autor aborda, em toda a sua dinâmica. Para Gadamer (2012), há regulamentos que devem ser obedecidos pelos participantes, mas essa obediência ocorre de forma reflexiva, ou seja, o sujeito obedece às regras do jogo, sem refletir sobre elas, caso contrário, a reflexão prejudicará as ações.

No jogo, a vontade e as reações individuais estão limitadas às regras deste, e, jogar não se trata de repetir movimentos mecânicos pré-determinados. Decerto que o jogador atua com uma margem de liberdade, condicionada pela dinâmica do jogo. Com efeito, o jogador não precisa refletir sobre as regras, mas estar presente e responder, de uma determinada maneira, às situações que se lhe apresentam.

Ao longo dos tempos, observa-se que a avaliação educacional replicou modelos clássicos e repetitivos, dentro de um modelo mecanicista e tecnicista. Ainda hoje se percebem os ranços desse modelo, com raras exceções. As respostas são prontas e pouco criativas, o que tem contribuído para reduzir a autoestima das pessoas envolvidas no processo de aprendizagem. Não há motivos nessas ações, e o ser humano se ver tolhido em suas potencialidades.

Sobre as experiências originárias do homem, Gadamer afirma que estas seguem o mesmo procedimento do jogo, ou seja, o homem está envolvido, de tal maneira, pelas

relações que estabelece, que não consegue refletir sobre aquilo que faz; não que faça, sem pensar, mas trata-se de um pensar diferente, de outra natureza, que está presente na própria ação. Desta feita, a resposta vai acontecendo através da própria dinâmica, num diálogo autêntico. Não obstante, o jogo transforma, age e forma os seus próprios jogadores. Criam- se a sensibilidade e as habilidades para o exercício deste. Quando se se entrega ao jogo, muitos fatos ocorrem, de modo que, quando o jogador está em forma, analisa-se e se percebe o quão incrível fora o seu desempenho.

Atesta-se que o homem está sempre jogando, não tendo domínio sobre este jogo, em virtude de sua experiência. A partir daí, surge uma obra de arte, de forma inesperada, transcendente, apesar de suas impossibilidades. A experiência desponta para um novo mundo, que estava escondido e impedido de acontecer. “O jogo é modelo estrutural que explica e possibilita, apropriadamente, a efetivação do princípio da experiência – não se restringindo ao campo da estética.” (ROHDEN, 2003, p. 137).

A ontologia do jogo esclarece o modo de ser da obra, que pode ser literária, plástica, cultural etc. O jogo consiste no fio condutor da compreensão dos sentidos, na intenção de torná-lo cognoscível, possibilitando a experiência e alargando-a para novas dimensões transcendentes. Os usos do jogo se ampliam em diversos matizes e ocorrem em qualquer campo da vida humana, tais como na arte, na linguagem do diálogo (com os jogos da linguagem), enfim, em qualquer ato da experiência humana.

O jogo da linguagem se comunica com o jogo da arte, até porque a arte permeia a vida cotidiana das pessoas. O jogo consiste numa estrutura explicativo-compreensiva do sentido, ou seja, do significado que remete-se à ontologia, sendo impossível jogar sem um envolvimento com este.

Com o jogo atestam que não é mais possível uma filosofia que trabalhe apenas com proposições lógicas, dedutivas, matemáticas. Tentaram renunciar ao modo de uma filosofia orientada unicamente pelo método científico moderno, recorrendo ao

Lebenswelt, ao modo fáctico – argumentativo do filosofar. (ROHDEN, 2003, p. 138).

A estrutura do jogo assinala um marco na filosofia e, com esta vertente, Gadamer e seus colaboradores rompem, através deste, com um modelo tradicional de visão da filosofia. Assim, há um movimento que se estende para outro lado da subjetividade. Ratifica-se que o jogo faz parte da vida, e são relevantes os aspectos do sentido humano, como o ouvir, o sentir, o perceber, o tomar parte em, posto que o filosofar sobrevém à afecção (passio), não, apenas atuação (actio). É no jogar que ocorre, instaura-se e se explicita a experiência do sentido da vida humana. Neste âmbito, a experiência do jogo

supera a dimensão teleológica. Ninguém joga isoladamente e é impossível não ingressar no jogo. Na linguagem, o sujeito é o próprio jogo (GADAMER, 2012a, 2012b).

A avaliação educacional precisa ser vista no sentido de abertura, mais humanidade, compreensão e compromisso com a vida. Nesse sentido, a avaliação é um jogo de uma dialeticidade entre o compreender e o ser compreendido. Isso dá sentido à vida e todos se desenvolvem em forma de conhecimentos e experiências. E Rogers (1985) explicita bem isso quando discute os atributos do professor em sua abordagem centrada no estudante. O saber ouvir o outro, o sentir o outro, o ter mais empatia pelo outro, o compreender para se compreender. E isso também faz parte de uma avaliação compreensiva ou responsiva, na perspectiva de Stake (1967).

O pressuposto do jogo é a sua imprevisibilidade, no tocante aos resultados. O jogo é jogo e não se pode objetificá-lo. A compreensão de algo ou de alguém, num comportamento estético, num drama, ou num espetáculo qualquer, compreendendo-o, se compreende. E, numa concepção ontológica, o jogo permanece aberto, não havendo sistema pronto e definitivo. Rohden (2003, p. 143) manifesta o seu entendimento:

É o caso da experiência estética em que acontece um jogo entre a obra de arte em “si mesma”, o jogador e a experiência que nasce desse jogo. Percebe-se que nessa relação tripolar – uma terceira margem -, não bipolar como ocorreu com o conhecimento (sujeito/objeto) ao longo da vida, não há sobreposições de um dos polos sobre os demais. Não há domínio de um aspecto sobre outro, de modo que não apenas sabemos mais, mas sabemos de outro modo ao fim do jogo.

O sujeito não é o jogador, mas o jogo, que comporta regras, precisa ser arriscado. Desta forma, mantém-se o jogador ativo. Parte-se, portanto, do que se está disposto, e, joga-se com as regras por meio do que permite-se que se pronuncie em fenomenologia. Ademais, não se separa a obra de arte, nem tampouco aquele que a experimenta. Através do jogo, como modelo estrutural, percebe-se que o indivíduo filosofa e se envolve nesse processo, experienciando-se, incluindo, neste tocante, a história, visto que, “[...] o jogo só acontece quando o jogador se joga nele e joga tudo de si mesmo, num movimento experiencial de identidade e diferença, assimilação e distanciamento.” (ROHDEN, 2003, p. 150).

Ao se observar uma criança jogando há uma participação de quem a observa. Extrapola-se a condição de mero espectador para tornar-se partícipe do jogo. Nesse processo, o jogo se torna ação comunicativa, tanto entre os atores como entre os espectadores. Todos são afetados em seus efeitos e por toda a vida. Há uma compreensão

maior do conceito de verdade e o saber filosófico, no caso, é fruto da actio e da passio humanas (padecer e agir).

Verifica-se que a obra quer se apresentar e, como tal, convida a pessoa a se envolver no jogo da obra de arte, a uma entrega à tarefa do jogo. Há uma revelação de um mundo que se descortina e se amplia. Existe, portanto, uma transformação, uma transcendência no interior do jogo, que eterniza a vida, dando-lhe um sentido de permanência.

O espetáculo teatral, a obra de arte, o clima de uma sala de aula, uma sessão terapêutica, o jogo desse caminhar, tudo isso faz com que, nesse percurso da vida, ao longo de milênios, enxergue-se tal como se é ou se poderia ser. Enfim, alcança-se algo mais que acontece dentro do ser. Considera-se, ainda, que a compreensão é uma sucessão de acontecimentos significativos, visto ser o próprio ser humano uma relação entre o modo de ser e o jogo. E, nessa interação, o ser é desvelado.

Trata-se da revelação do Ser, o acontecer deste, que se realiza num espaço de liberdade e criatividade, numa luta que não finda, através de um interminável jogo dialética de perguntas e respostas com este Ser. Constata-se que refere o jogo como transformação em construção: “O espectador ou intérprete bem como o drama e a obra têm seu próprio horizonte. Filosofar significa aceitar o desafio de pôr em jogo os pressupostos que cada um carrega consigo e possibilitar o acontecer de uma verdadeira “fusão de horizontes”” (ROHDEN, 2003, p. 149).

Portanto, não é possível a objetificação do jogo, haja vista que corresponde a uma concepção ontológica em que há a abertura, no jogo, num sistema imprevisível. Ademais, não se pode esperar nada pronto, acabado ou definitivo. Há uma busca constante de sentido, que não é determinada, mas que, provém da dialeticidade do jogo, numa busca incessante por compreensão.