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Visão da Doutrina Acerca do Não-Confisco

Capítulo 3 – O Não-Confisco

III. Visão da Doutrina Acerca do Não-Confisco

Iremos nos debruçar sobre alguns pontos já tratados pela doutrina, a norma que veda tributos com efeitos de confisco. Utilizaremos as expressões: vedação ao confisco, não-confisco e proibição ao confisco como sinônimos.

Conforme vimos no início deste capítulo, o Estado passou de um período meramente fiscalista para uma fase onde a tributação tinha em vista mais do que encher os cofres públicos, deveria ser capaz de atender aos gastos públicos, esses direcionados para o bem-estar da população. Porém, não poderia haver uma tributação ilimitada, mesmo em nome do interesse público; pois o Estado brasileiro é Social-Democrático de Direito, com influências de valores capitalistas (a livre iniciativa) e socialistas (a valorização social do trabalho). A manutenção do nível de tributação – que equilibre as obrigações estatais sem violação de direitos fundamentais – tem como guia a vedação dos efeitos de confisco. E o que é o confisco?

Wagner Balera noticia: “(...). Segundo o senso comum, trata-se da absorção da propriedade privada pelo Fisco (O Estado, é dizer) sem contrapartida indenizatória.”229 Em sentido semelhante, Diva Malerbi: “(...) na seara da atividade

      

228  Entre  os  críticos,  temos  Geraldo  Ataliba.  Mesmo  assim,  ele  reconhece:  “No  Brasil,  para  os  juristas,  essa 

classificação  é  irrelevante,  salvo  para  interpretar certas normas  de  imunidade  ou  isenção, pela  consideração 

substancial sobre a carga tributária, em relação à pessoa que a suportará” Isto é, verificação do grau de efeito 

confiscatório dos tributos. In.:  ATALIBA, G. Ob. Cit., p. 143. (grifo nosso). 

lícita, estar-se-á diante da figura do confisco, se ocorrer apropriação do patrimônio particular pelo Estado, sem que seja observada a justa indenização.”230

Marcelo Magalhães Peixoto e Laís Vieira Cardoso, ao discutirem o direito de propriedade, explicam a necessidade do detentor desse direito observar a função social da propriedade. E escrevem:

“O direito de propriedade pode, porém, sofrer limitações como a desapropriação, a requisição ou o confisco, esta última limitação somente cabível em nosso direito quando do uso da propriedade para fins ilícitos.

Deste modo, a propriedade que observa as determinações constitucionais e legais jamais poderá ser confiscada pelo Estado.”231

Américo Masset Lacombe aponta os seguintes critérios constitucionais para fixação do conceito de confisco:

“a) o princípio da garantia do direito de propriedade, e sua decorrência lógica, vale dizer, o direito de herança; b) o princípio da igualdade entre o estado e o cidadão e sua decorrência lógica, isto é, a garantia do devido processo legal.”232

Em seguida, conclui:

“(...) confisco é a tomada da propriedade individual pelo Estado, ao arrepio do devido processo legal.”233

Fábio Brun Goldschmidt distingue um conceito amplo e estrito do não- confisco:

“O efeito de confisco em sentido estrito revela-se pelo abuso no exercício das competências tributárias (...). No esquema da regra-matriz de incidência, a ofensa à Constituição em tais casos verificar-se-á pura e simplesmente dentro do seu critério quantitativo.”234

E segue:

“Nesta categoria (do não-confisco em sentido amplo) incluímos as exações viciadas do ponto de vista qualitativo, que se afiguram excessivas porque extravasam as fronteiras constitucionais/legais (não quantitativas) para a instituição de tributos. Os tributos em questão apresentam-se maiores do que seu desenho normativo permite, e seu exagero decorre do fato de que inexiste lugar para a tomada da propriedade particular em tais circunstâncias e, por conseqüência, toda a tomada de propriedade realizada apresentar-se-á destrutiva e penalizadora (com efeito de confisco).” 235

       230 MALERBI, Diva. Direitos fundamentais do contribuinte. In.: MARTINS, I. G. da S. Ob. Cit., p. 156.  231 PEIXOTO, M. M. CARDOSO, L. V. Ob. Cit., p. 231  232 LACOMBE, Américo Masset. Direitos fundamentais do contribuinte. In.: MARTINS, I. G. da S. Ob. Cit., p. 211.  233 Idem, pp. 212‐3  234 GOLDSCHMIDT, F. B. Ob. Cit., pp. 100‐1.  235 Idem, p. 101. 

Podemos apontar uma definição de confisco como a retirada, por parte do Estado, de uma propriedade de uma pessoa física ou jurídica sem a observância do devido processo legal e de uma indenização compatível.

Esse conceito não é dos mais complicados para se compreender. A dificuldade se localiza quando é relacionado com o tributo. O art. 150, inciso IV, da CF determina:

“Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas a contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

IV – utilizar tributos com efeito de confisco.”

A dicção do dispositivo aponta que os tributos não podem ter um efeito análogo ao confisco. Como os tributos possuem a hipótese de incidência sempre um ato lícito, e o confisco têm como antecedente uma atividade ilícita, jamais poderíamos falar de tributos confiscatórios. A CF traça um paralelo: se o tributo tem uma consequência análoga ao confisco, é proibido. Nessa linha, escreveu Aires Barreto:

“(...) confisco é medida sancionatória, de caráter sancionatório. Não nos esqueçamos que se designa por confisco a absorção total ou parcial da propriedade privada, sem indenização. Seria equivocado dizer, pois, ‘é vedado o confisco’. O que se proíbe é que, por via da exigência de tributo, se obtenha resultado cujo efeito seja equivalente ao do confisco.”236

Hugo de Brito Machado escreveu: “(...) tributo com efeito de confisco é tributo que, por ser excessivamente oneroso, seja sentido como penalidade.”237 E Estevão Horvath, no mesmo sentido, afirma: “(...) cada vez que se fuja dos contornos constitucionais no sentido de se criar tributo não autorizado ou que exceda no seu montante aquilo que razoavelmente se pode presumir como sendo, estaremos diante de exação confiscatória.”238

É esse efeito que nos interessa. Saber quando ele ocorre, sua relação com os direitos fundamentais e se é possível torná-lo mais efetivo e reduzir sua vaguidade.

Paulo de Barros Carvalho ensina sobre a vedação ao confisco:

       236 BARRETO, Aires. Vedação ao confisco: conferência magna proferida por ocasião do VIII Congresso Brasileiro  de Direito Tributário – IDEPE. In.: revista de direito tributário (64), São Paulo: Malheiros, 1994, p. 97.  237 MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 5ª ed. São Paulo:  Dialética, 2004, p. 110.   238 HORVATH, Estevão. O princípio do não‐confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética: 2002, p. 50. 

“Aqui está outro princípio que não constava expressamente da Constituição anterior, mas de difícil configuração. A idéia de confisco não tem em si essa dificuldade. O problema reside na definição do conceito, na delimitação da idéia, como limite a partir do qual incide a vedação do art. 150, IV, da Constituição federal. Aquilo que para alguns tem efeitos confiscatórios, para outros pode perfeitamente apresentar-se como forma lídima de exigência tributária.”239

Ainda sobre a dificuldade em estabelecer o limite até onde pode ir um tributo sem produzir efeitos confiscatórios, acentua Luciano Amaro:

“(...), o problema está em saber até onde pode avançar o tributo sobre o patrimônio do indivíduo, sem configurar confisco, ou, considerada isoladamente certa situação tributável, qual o limite máximo de ônus tributário que legitimamente sobre ele poderia impor-se.

Algumas situações são expressivas na caracterização de confisco; por exemplo, imposto que absorvesse toda a renda do contribuinte sem dúvida seria confiscatória; do mesmo modo, o tributo que tomasse parcela substancial do patrimônio do indivíduo. Mas qual seria o percentual a partir de que o imposto passa a ser confiscatório? Isso não está dito na Constituição. Haverá hipóteses, por outro lado, em que uma tributação severa se justifica, por razões de política fiscal (como se dá com os tributos de fins extrafiscais).”240

Nessa mesma linha, destaca Ricardo Lobo Torres:

“A vedação de tributo confiscatório que erige status negativus libertatis, se expressa em cláusula aberta ou conceito indeterminado. Inexiste possibilidade prévia de fixar os limites quantitativos para a cobrança, além dos quais se caracteriza o confisco, cabendo ao critério prudente do juiz tal aferição, que deverá se pautar pela

razoabilidade.”241

Esse é um pensamento recorrente na doutrina: avaliar as consequências confiscatórias de um tributo não é possível de maneira objetiva.242 Concordamos com esse pensamento no seguinte sentido: não há como a ciência do direito estabelecer um limite objetivo, matemático, a partir do qual o tributo produzirá efeitos confiscatórios.

Tais dificuldades proveem de ser o dispositivo constitucional de forte carga simbólica, discursiva e axiológica. Quanto ao caráter discursivo-simbólico do preceito, discutiremos adiante. A delimitação de quanto o Estado poderá tributar o cidadão variará no tempo, segundo os valores de cada época e de cada caso. Em algumas situações, o imposto predial mesmo alto não será visto como confiscatório por atender a regulação do solo urbano; em outras, o mesmo valor será entendido

       239 CARVALHO, P. de B. Curso... cit., p. 171. 

240 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 144‐5. 

241 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 16ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, pp. 66‐

242  Um  dos  estímulos  para  este  trabalho  foi  buscar  o  máximo  de  objetividade  dessa  norma.  Porém, 

constatamos  ser  difícil  estabelecer  critérios  objetivos  para  a  porcentagem  a  partir  de  quanto  terá  o  tributo  efeito confiscatório.  

como extorsivo. Torna-se desinteressante tanto uma norma geral e abstrata estabelecer um percentual ou regras matemáticas para detectar o tributo confiscatório quanto a dogmática concentrar esforços para definir um quantum.

Se cabe estabelecer valores fixos – como na Argentina, onde a jurisprudência limitou a tributação em 33%243 – os Tribunais são mais apropriados. Mas não resta à doutrina cruzar os braços. Ela deve estudar a norma constitucional, trazendo elementos auxiliares na tarefa dos três Poderes de efetivarem a norma de vedação ao confisco. Vejamos algumas contribuições da ciência do direito.

Haveria uma relação íntima entre o não-confisco e o princípio da capacidade contributiva. Defende Roque Antônio Carrazza que “o princípio da não- confiscatoriedade, contido no art. 150, IV, CF (pela qual é vedado ‘utilizar tributos com efeito de confisco’), deriva do princípio da capacidade contributiva. (...) é confiscatório o imposto que, por assim dizer, ‘esgota’ a riqueza tributável das pessoas, isto é, não leva em conta suas capacidades contributivas.”244 Também escreve José Eduardo Soares de Melo:

“O princípio que veda o confisco no âmbito tributário (art. 150, IV, da Constituição) está atrelado ao princípio da capacidade contributiva, positivando-se sempre que o tributo absorva parcela expressiva da renda, ou da propriedade dos contribuintes, sendo constatado, principalmente, pelo exame da alíquota, da base de cálculo”245

Fernando Facury Scaff define capacidade contributiva como “o nível ótimo de tributação possível a ser exigido dos contribuintes”; em seguida, conclui: “(...), utilizar tributos com efeitos confiscatórios quer dizer retirar parte da propriedade de outrem, além do que permite sua capacidade contributiva.”246

A capacidade contributiva (art. 145, § 1º, CF) determina que os impostos devam ser graduados segundo a disponibilidade econômica dos sujeitos passivos: se não há disponibilidade econômica não caberá tributar; assim como os mais abastados têm como dar maior contribuição do que alguém com menor poder econômico. É uma medida de justiça e um desdobramento do princípio da igualdade, impingindo aos impostos uma graduação de acordo com a riqueza dos

       243 Vide: TORRES, R. L. Curso.. cit., p.  244 CARRAZZA, R. A. Ob. Cit., p. 99. 

245 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 2º ed. São Paulo: Dialética, 2001, p. 33.  246 SCAFF, Fernando Facury. Direitos fundamentais do Contribuinte. In.: MARTINS, I. G. M. Ob. cit., p. 464. 

contribuintes. Essa vinculação entre não-confisco, capacidade contributiva e justiça assim foi traduzida por Wagner Balera:

“O tributo terá efeito de confisco se e quando a lei de tributação ignorar a elementar retentiva, erigida em princípio constitucional, da capacidade contributiva.

É que, a capacidade contributiva define, para o contribuinte, a justiça fiscal: cada um contribui em favor do coletivo segundo a posição que, como igual – a capacidade contributiva consiste em potencialização do ideário da igualdade –, ocupa perante os demais na comunidade.

Será injusta a tributação que exija em demasia de um para o sustento do todo. O efeito de confisco é, pois, signo de injustiça fiscal, daí a sua impropriedade institucional. ”247

Outra forma de tornar mais efetiva a vedação aos efeitos confiscatórios foi através da demonstração dos seus vínculos com a propriedade privada. Como demonstrado anteriormente, há um conflito entre o direito de propriedade e a tributação. Cada cidadão financia as atividades estatais, contribuindo para o bem da coletividade. Essa relação deve ser harmônica. Não poderá ser destruído o patrimônio do contribuinte em nome da arrecadação. Explica Ricardo Lobo Torres:

“A relação entre o direito de propriedade e o direito tributário é dialética. A propriedade privada fornece o substrato por excelência para a tributação, já que esta significa sempre a intervenção estatal no patrimônio do contribuinte. Mas está protegida qualitativa e quantitativamente contra o tributo: não pode ser objeto de incidência fiscal discriminatória, vedada pela proibição de privilégio (art. 150, II); nem pode sofrer imposição exagerada que implique na sua extinção, em vista da proibição de confisco (art. 150, IV).”248

Alguns autores definem o não-confisco vinculando-o com o direito de propriedade, como Luiz Emygdio F. da Rosa, para quem “tributo com efeito confiscatório é aquele que pela sua taxação extorsiva corresponde a uma verdadeira absorção, total ou parcial, da propriedade particular pelo Estado, sem o pagamento da correspondente indenização ao contribuinte”249, ou como Luciano Amaro, que escreve: “o art. 150, IV, veda a utilização do tributo com o efeito de confisco, ou seja, impede que, a pretexto de cobrar tributo, se aposse o estado dos bens do indivíduo.”250 Esse não deixa de reconhecer que o não-confisco deve ser aplicado em conjunto com a capacidade contributiva.

Em estudo sobre a relação entre a vedação aos efeitos de confisco e os direitos fundamentais, Cassiano Menke desenha o núcleo essencial do Direito

       247 BALERA, W. Direitos... cit., p. 530.  248 TORRES, R. L. Ob. Cit., p. 66. 

249  ROSA  Jr.,  Luiz  Emygdio  F.  da.  Manual  de  direito  financeiro  e  direito  tributário.  16ª  ed.  Rio  de  Janeiro: 

Renovar, 2002, p. 334. 

Fundamental de propriedade. Trata-se de indicar os elementos mínimos para a preservação de um direito, sem os quais não alcançaria a finalidade; seria como inexistente. Conclui:

“(...), o postulado da proibição aos efeitos de confisco não equivale ao postulado da proporcionalidade, nem ao postulado da razoabilidade. (...) sua aplicação depende, apenas, da existência de uma restrição aos direitos fundamentais causada pelas normas tributárias. É desnecessária a análise da relação entre um meio e um fim e entre um critério e uma medida. E sua utilidade é de evitar que esses direitos percam totalmente sua função individual.”251

Para Cassiano Menke, primeiro se forma o núcleo essencial de um direito. O que estiver dentro dele não poderá ser violado por via de um tributo, caso contrário, caracterizar-se-ia o efeito confiscatório. No entanto, para a própria delimitação desse núcleo, seria preciso aplicar os critérios da razoabilidade, bem como, a relação entre o direito protegido contra o não-confisco e os objetivos do Estado com a arrecadação. Há uma relação entre os direitos dos contribuintes e os da coletividade, e ambos devem ser preservados ao máximo.

As considerações feitas por Cassino Menke252 levam-nos a pergunta: se o núcleo essencial de um direito por si só não poderia ser violado, o que implicaria em inconstitucionalidade, qual a utilidade de uma norma como a da vedação aos efeitos confiscatórios que proibiria a violação do núcleo essencial?

Essa dúvida nos guiará na avaliação do aspecto discursivo da vedação aos tributos com efeito confiscatório.

A norma do art. 150, inciso IV, da CF, também se relaciona com outros direitos fundamentais. Cassiano Menke fala sobre a proteção ao confisco ao mínimo vital:

“(...) o estudo da proibição aos efeitos de confisco visa a proteger, sobretudo, o direito contra a perda da eficácia. Esse postulado atua como mecanismo que proíbe que as normas tributárias impeçam ou dificultem ao extremo o alcance do padrão básico de vida digna. Logo, construir o núcleo essencial do direito à existência digna é identificar os bens quantitativa e qualitativamente imprescindíveis à sua eficácia mínima, e não à sua eficácia máxima.”253

Conforme visto, o mínimo vital são as condições básicas para a manutenção da dignidade humana. Se um tributo prejudica a manutenção da saúde de um sujeito – caso dificulte a compra de um remédio por ter que gastar com o pagamento de

      

251 MENKE, Cassiano. A proibição aos efeitos de confisco no direito tributário. São Paulo: Malheiros, p. 97.  252 In.: MENKE, C. Idem, pp. 52‐97 

tributos – é uma indicação de que pode ter efeito confiscatório. Para nós, seja primeiro construindo o núcleo essencial de um direito fundamental, seja analisando diretamente a relação deste com a tributação, o intérprete deve se utilizar da razoabilidade. Acerca do uso desse expediente, escreveu José Eduardo Soares de Melo:

“Todavia, é difícil estipular o volume máximo de carga tributária, ou de fixar um limite de intromissão patrimonial, enfim, o montante que pode ser suportado pelo contribuinte. O poder público há de se comportar pelo critério da razoabilidade, a fim de possibilitar a subsistência ou sobrevivência das pessoas físicas , e evitar as quebras das pessoas jurídicas, posto que a tributação não pode cercear o pleno desempenho das atividades privadas e dignidade humana."254

Seja o cientista do direito, seja o juiz ou o legislador, ou quem quer que seja, deverá percorrer um caminho semelhante a este: verificar os dispositivos legais relacionados com as exações tributárias que estejam em análise, verificar as diversas interpretações que o plano da literalidade permite, já integrado às demais normas do sistema, até a construção da norma a ser aplicada. Nesse percurso, existindo colisão de princípios, deverá se aplicar os postulados da razoabilidade. Como estaremos diante de possíveis violações de direitos fundamentais, a razoabilidade deverá ser aplicada, conforme descrito acima. Lembrando: estaremos limitados pela literalidade do texto; quer dizer, aos sentidos que as palavras usadas nos dispositivos normativos têm em nossa cultura.

Destaquemos dois pontos debatidos com frequência na doutrina pesquisada: a) se o não-confisco deve ser verificado no sistema tributário inteiro ou apenas nos tributos singularmente; b) a aplicação da vedação aos efeitos de confisco às multas.

Em relação ao primeiro ponto, segue o pensamento de alguns autores:

“(...) não posso examiná-lo (o efeito confiscatório) a partir de cada tributo, mas da universalidade de toda a carga tributária incidente sobre um único contribuinte.” (Antônio Manoel Gonçalez).255

“(...), o conceito de não confisco não será realmente observado sem a análise da carga tributária total sofrida pelos contribuintes ao realizarem os diferentes atos suscetíveis de tributação.” (Marcelo Magalhães Peixoto e Lais Vieira Cardoso)256

“A proibição de tributos confiscatórios deve ser examinada isoladamente com relação a cada hipótese de incidência, levando-se em conta as condições de modo, tempo e lugar que possam tornar inconstitucional a sua aplicação. O controle judicial se exerce sobre a norma que institui o confisco na via impositiva, e não sobre o sistema tributário em geral. A apreciação sistêmica é importante para descolorir o efeito confiscatório que poderia exsurgir da análise individual do tributo ou para enfatizar a existência da

       254 MELO, J. E. S. de, Ob. Cit., p. 34. 

255 GONÇALEZ, Antônio Manoel Direitos fundamentais do contribuinte. In.: MARTINS, I. G. da S. Ob. Cit., p. 552  256 PEIXOTO, M. M. e CARDOSO, L. V., Ob. Cit., p.239 

inconstitucionalidade quando houver descoordenação nas incidências fiscais e superposição de gravames, (...).” (Ricardo Lobo Torres)257

“A nós parece que o controle da constitucionalidade do sistema tributário deve ser efetuado de ambas as formas: individualmente, com relação a cada tributo, de acordo com as respectivas peculiaridades, e do sistema em seu conjunto, embora reconheçamos a especial dificuldade que esse último encerra.” (Estevão Horvath)258

Notamos que mesmo defendendo a verificação isolada do efeito confiscatório, como Ricardo Lobo Torres, é necessária a sua observação no total da carga tributária incidente sobre o contribuinte. O debate se a análise do confisco deve ser feita só em relação a um tributo ou a todo o sistema parece-nos menor. Primeiro, se um único tributo tem a referida consequência todo o sistema tributário o será, pois ele fará parte desse sistema. Segundo, a interpretação sistemática é um imperativo nas análises jurídicas.

Se for questionar a constitucionalidade de um conjunto de tributos, poderá se alegar que, apesar de isolados não causarem confisco, a reunião dele revela o efeito. Caberá ao Tribunal escolher qual deles deve ser afastado. Entre diversas considerações a fazer, o julgador deverá verificar se há violação de direitos fundamentais decorrentes de depreciação financeira dos contribuintes. Mas, não poderá desconsiderar os efeitos que isso terá no orçamento, o que implicaria em afetação do cumprimento do dever do Estado de realizar outros direitos fundamentais. Exemplo: se o imposto X e a contribuição Y são apontados conjuntamente como confiscatórios. Para a decisão, poderá ser considerado que: a contribuição Y fere uma quantidade maior de direitos do que o imposto X; a contribuição Y afeta um universo menor de pessoas do que o imposto X; a contribuição Y tem menos peso no orçamento do que o imposto X. Poderia o Judiciário decidir pela retirada da contribuição do ordenamento, por considerar que