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Capítulo 3 – O Não-Confisco

II. O Tributo e Suas Tipologias

Não tencionamos esgotar a temática da tipologia e classificação dos tributos. Apenas apontar algumas correntes e optar por aquela que seja de mais utilidade para o estudo do não-confisco. Vejamos o conceito de tributo.

O Código Tributário Nacional – CTN apresenta, no artigo 3°, a seguinte definição de tributo:

“Art. 3° Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

Ao tratar desse conceito, Geraldo Ataliba critica o legislador por definir o tributo; seria uma missão da doutrina, perscrutando o ordenamento jurídico, construir os conceitos.221 Discordamos dessa visão. Conforme entendimento de Eurico de Santi, as definições feitas pelo direito positivo têm caráter prescritivo:

“As definições do direito não pretendem alcançar o real; elas prescrevem o real. (...) O

direito cria suas próprias realidades, constrói seus próprios conceitos e define-os para

sobre eles poder falar com mais precisão. É como um tecido vivo e inteligente, capaz

       220 Idem, p. 30. 

de prontamente absorver novas situações e transformá-las segundo suas categorias operacionais. O direito pretende regular condutas e seu instrumento é a linguagem;”222

O conceito de tributo forma uma classe na qual os elementos que atendam aos seus critérios poderão se integrar. Desta forma, tudo que encontrarmos no direito brasileiro que atenda aos critérios do conceito de tributo será assim denominado.

Toda prestação pecuniária – ou em valor que possa ser exprimido em moeda – feita ao Estado – ou a quem por ele for legalmente autorizado – de maneira obrigatória por parte de uma pessoa física ou jurídica será um tributo; desde que a referida cobrança respeite o princípio da legalidade, decorra de ato lícito e ocorra de maneira vinculada.

Importante ressaltar: a definição fornecida pelo CTN só é válida por respeitar os parâmetros constitucionais. De outra forma, o tributo poderia ser declarado inconstitucional.

Delimitado o conceito de tributo, passemos às suas classificações. Escolhemos quatro tipologias expostas a seguir segundo o critério de utilidade para a análise do não-confisco.

A primeira é fornecida por Geraldo Ataliba, também defendida por doutrinadores como Paulo de Barros Carvalho, Roque Antônio Carrazza e Sacha Calmon Navarro Coelho. Essa classificação divide os tributos em vinculado e não- vinculados a uma atividade estatal. Ao observar o aspecto material da hipótese de incidência (o antecedente) do tributo e sua base de cálculo (no consequente) deve- se verificar se o fato descrito decorre ou não de uma ação do Estado. Nas palavras de Geraldo Ataliba:

“(...) a materialidade do fato descrito pela h.i. (aspecto material da h.i.) de todo e qualquer tributo ou é uma (1) atividade estatal ou (2) outra coisa qualquer. Se for uma atividade estatal o tributo será (1) vinculado. Se um fato qualquer, o tributo será (2) não vinculado.

(...)

Tributos vinculados são as taxas e contribuições (especiais) e tributos não vinculados são os impostos.”223

       222 SANTI, E. M. D. de. Ob. cit., p. 134.  223 ATALIBA, G. Ob. Cit., pp. 131‐2 

A classe dos tributos vinculados ainda é dividida em duas subclasses: a) a dos tributos diretamente referidos a uma atividade estatal, e, b) a dos tributos indiretamente referidos a uma atividade estatal. Aquelas são as taxas, onde a atuação do Estado é suficiente para a realização da hipótese de incidência, sem necessidade de nenhum outro acontecimento. No segundo caso, a atuação do Estado por si só não é suficiente; deve haver outro elemento intermediário que complete a relação, caso das contribuições de melhoria: além da atividade estatal, a CF exige a valorização do bem.

Tárek Moysés Moussallem observa que essa classificação respeita as cinco regras lógicas de divisão de classes.224 Contudo, faz as seguintes críticas: “o emprego de palavras como ‘imposto’ e ‘taxa’ de maneira ambígua e a ‘generalidade e amplitude da divisão’ em nada diz a respeito das contribuições.”225 Essa classificação não nos atende por conta de sua generalidade; precisamos de uma classificação mais minuciosa.

Tárek Moysés Moussallem apresenta-nos a uma classificação feita pelo STF no Recurso Extraordinário n. 138.284-8/CE, da lavra do Min. Carlos Mário Velloso. O critério de divisão é a hipótese de incidência. São encontrados: a) impostos, b) taxas, c) empréstimo compulsórios e d) contribuições; as contribuições são subdivididas em d.1) de melhoria, d.2) parafiscais e d.3.) especiais. Por sua vez, as parafiscais se dividem em d.2.1) para seguridade social, d.2.2) outras para a seguridade social e d.2.3) sócias gerais. E as contribuições especiais se dividem em d.3.1) de intervenção no domínio econômico e d.3.2) corporativas.

A despeito de ser exaustiva, ela é confusa e com apenas um critério de divisão encontra várias espécies de tributos. Há, também, desrespeito às regras lógicas, as subclasses “para seguridade social” e “outras para a seguridade social” não possuem nenhuma diferença, fazendo o mesmo objeto figurar em ambas. Por fim, coloca as contribuições especiais como destituídas de parafiscalidade.226

       224 São elas: “(a) deve haver somente um fundamento divisionis em cada operação; (b) as classes coordenadas  devem se excluir mutuamente; (c) as classes coordenadas devem se esgotar coletivamente a superclasse; (d) as  operações sucessivas da divisão devem ser efetuadas por etapas graduais; (e) as diferenças devem resultar da  definição do dividido.” In. MOUSSALLÉM, T. M. Ob. Cit., sem página.   225 Idem  226 Idem 

Tárek Moysés Moussallem elabora classificação própria. Seguindo os preceitos lógicos, usa três critérios de classificação, sempre em momentos distintos e sucessivos.

Primeiro, divide os tributos em duas subclasses: os vinculados a uma atividade estatal e os não-vinculados a uma atividade estatal (semelhante com a proposta vista acima). Em seguida, aplica em ambas as subclasses o critério da destinação ou não-destinação dos produtos arrecadados. Formam-se quatro novas subclasses. A essas são aplicadas o critério da restituição ou não-restituição ao contribuinte do valor pago. Nesse nível, temos oito subclasses.

Apesar do rigor lógico, preferimos não abraçar essa proposta. Porque para Tárek Moussallem as contribuições de melhorias e os impostos se equivalem, com a única diferença residindo na norma de competência. Algo com que não concordamos: as contribuições de melhorias são vinculadas a uma atividade estatal, pois o ente público deve efetuar uma obra e ela acarretar valorização do imóvel. Sem isso, não pode cobrar o tributo.227

Assim, adotamos a classificação elaborada por Eurico de Santi. Utiliza os mesmos critérios de Tárek Moussallem: a vinculação a uma atuação estatal, a destinação do produto arrecadado e a restituição do valor pago pelo contribuinte. Eurico de Santi monta uma tabela de quatro colunas: na primeira está a vinculação, na segunda a destinação, na terceira a restituição e na quarta as espécies tributárias resultantes da combinação dos critérios. Passa a fazer todas as combinações possíveis de sim e não, como se perguntasse, se, com tais características, o que temos?

Chega-se tanto a conjuntos vazios - como no caso de vinculação/destinação/restituição serem sim – quanto a casos vedados pela CF – caso de um tributo hipotético que não fosse vinculado nem com destinação afetada, mas fosse possível a restituição.

São os seguintes os tributos:

- Taxas: vinculadas a uma atividade estatal, com destinação específica do que foi arrecadado e sem restituição do valor ao contribuinte;

      

- Contribuições de melhorias: vinculadas a uma atividade estatal, sem destinação específica do que foi arrecadado e sem restituição do valor ao contribuinte;

- Empréstimo compulsório: não-vinculados a uma atividade estatal, com destinação específica do que foi arrecadado e com restituição do valor ao contribuinte;

- Contribuições em geral: não-vinculadas a uma atividade estatal, com destinação específica do que foi arrecadado e sem restituição do valor ao contribuinte;

- Impostos: não-vinculados a uma atividade estatal, sem destinação específica do que foi arrecadado e sem restituição do valor ao contribuinte.

O primeiro critério é vinculação da cobrança a prática de ação por parte do Estado, nos mesmos moldes da classificação de Geraldo Ataliba. Empréstimos compulsórios, contribuições em geral e impostos não precisam de um serviço do Estado para serem cobrados; por outro lado, taxas e contribuições de melhorias somente podem ser cobradas quando há contraprestação estatal.

O segundo critério verifica se o produto arrecadado tem uma destinação específica. Interessa saber se a destinação do dinheiro obtido é determinada por lei, como nos casos das contribuições previdenciárias, onde a lei regula a aplicação dos valores arrecadados. Por outro lado, os impostos não têm o destino pré-estabelecido em lei; é uma decisão política, que deverá ser prevista na Lei do Orçamento.

O terceiro critério divide os tributos entre aqueles cujo valor arrecadado deve ser restituído ao contribuinte e aqueles cuja restituição não é obrigatória. O único tributo que tem a obrigatória restituição do valor arrecadado é o empréstimo compulsório. Os demais tributos, não há essa exigência.

Essa tipologia atende as nossas necessidades por ser exaustiva e dividir os tributos de maneira que viabilizará a análise do efeito confiscatório. Ainda faremos algumas subdivisões, notadamente no caso dos impostos.

Antes, há uma classificação relativa aos impostos incidentes sobre a produção e o consumo, importada da ciência das finanças, rechaçada por muitos

tributaristas por não ter a pureza do direito. É a dos impostos diretos e indiretos. Aqueles seriam os impostos ao qual o ônus recai no próprio sujeito passivo indicado na regra-matriz; estes seriam os impostos aos quais o sujeito passivo da regra- matriz repassa o ônus a terceiro. Exemplo de direto, o imposto de renda ou o predial urbano; indireto, o IPI e o ICMS.

Um problema dessa classificação é o sujeito passivo poder repassar os custos do IPTU ou do IR aos produtos, não há impedimentos. Para esta pesquisa interessa apenas a compreensão de que, normalmente, os impostos sobre a produção são repassados ao consumidor. Mais adiante, essa relevância será melhor explicada.228