2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 23
2.3 O PÚBLICO IDOSO 48
A pessoa idosa, como confirma Sales (2007, p. 19) “poderá apresentar qualquer combinação e intensidade de alterações cognitivas, visuais, de movimentação e auditivas, tornando-o um usuário com necessidades especiais”, entra nesta categoria e, portanto, pode apresentar dificuldades ao interagir com computadores e utilizar a internet.
O público idoso, porém, não pode ser tratado como um grupo homogêneo, pois existem diferentes perfis de pessoas nessa faixa etária. Existem idosos com diferentes hábitos, necessidades e preferências. Pereira et. al (2003) cita como exemplo algumas características que costumam ser heterogêneas para o público idoso: a escolaridade, a habilidade digital e destreza relacionada à aprendizagem.
Em uma pesquisa científica de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), que contempla o estudo e análise da tecnologia e suas interações com a sociedade, é importante considerar a sua não neutralidade e saber que a sua compreensão se torna singular por estar relacionada à aspectos sociais, econômicos e antropológicos, por exemplo. Em Bastos (2015, p. 120), a tecnologia é definida como não autônoma e sua neutralidade é um mito. Sobre relações de poder, o autor afirma que “a estrutura de poder se utiliza da tecnologia, como de outros meios, para exercer sobre ela o controle de suas ações e de suas ideologias”.
Bastos (2015, p.17) defende a ideia da tecnologia como uma realidade multifacetária, que em diferentes contextos culturais têm seus significados alterados
“de acordo com o nível de consciência dos indivíduos e das sociedades, em busca de soluções para seus problemas e dificuldades”. Não apenas em diferentes contextos culturais, a tecnologia se relacionada com aspectos históricos e econômicos, e Bastos defende também que a tecnologia “é impulsionada pelas forças dos contextos sócio-econômicos que a transformam em alavanca do progresso técnico de acordo com os imperativos do poder político-econômico dominante” (BASTOS, 2015, p.17).
A inclusão digital, quando os envolvidos aprendem sobre como utilizar a tecnologia e apropriá-la em seu dia a dia, traz consigo diferentes interpretações que dependem dos contextos em que estão inseridas na sociedade. Por exemplo, no âmbito da política, o fomento de programas relacionados à inclusão digital de uma nação é um dos pontos chave no processo de afirmação de um membro como participante ativo de uma sociedade e "reflete a aplicação prática de CTS e reforça a noção de implicação pública em uma época que tentamos exercer um controle social e político mais forte e deliberado da ciência e da tecnologia" (CUTTCLIFFE, 2003).
No entanto, no processo de inclusão digital também pode ocorrer o processo de exclusão digital. Mattos e Santos (2009, p. 119) trazem a reflexão e questionam: “As tecnologias, por si sós, determinam a inclusão social e digital, ou simplesmente introduzem novos elementos de desigualdades sociais?”. Além disso os autores chamam a atenção para o seguinte:
“Tendo em vista, portanto, a predominância de uma visão glorificadora e ufanista a respeito das tecnologias na atualidade, resta aos pensadores sociais críticos discutir algumas questões centrais, que parecem fugir das preocupações dos pensadores laudatórios do atual processo de globalização econômica:” (MATTOS;; SANTOS, 2009, p. 119).
Ao analisar a tecnologia, e mais especificamente a educação tecnológica – sendo a inclusão digital um exemplo, no contexto da sociedade capitalista, é possível considerá-la como um fator que contribui para a continuidade da sociedade de classes e não rompe com as desigualdades sociais, conforme afirma Bastos no trecho: “Assim, a tecnologia funciona materialmente em relação aos objetivos exclusivos da produção e simbolicamente, de modo ideológico, para manter e reforçar determinadas formas de organização e controle social” (BASTOS, 1998, p. 122-123).
No caso das desigualdades sociais e disparidade no acesso à educação por todas as classes sociais, e por pessoas em diferentes faixas etárias, o determinismo tecnológico é um agravante para o fortalecimento da ideia errônea do avanço tecnológico e digital, na construção de princípios educativos, como única forma de promover a inclusão digital dos membros de uma sociedade. Isto porque, conforme Feenberg (1991, p. 3) o determinismo tecnológico "afirma que as instituições sociais têm se adaptar aos 'imperativos” da base tecnológica' ", além de considerar que as tecnologias "têm uma lógica funcional autônoma que pode ser explicada sem se fazer referência à sociedade".
A noção de construção sociotécnica da tecnologia, isso quer dizer, esta não ser formada apenas por técnica e também não apenas pelo social (CABRAL apud FAULKNER, 2006), deve ser considerada quando se desenvolvem produtos ou artefatos que serão utilizados por pessoas de um determinado público. É necessário levar em conta o contexto social em que estão inseridas e de que forma a utilização da tecnologia por esta parcela da sociedade irá colaborar para que estas pessoas sejam membros ativos da sociedade.
Dados estatísticos apontam que no ano de 2013 os idosos já somavam 13% do total da população brasileira (IBGE, 2014) e que em um intervalo de cinco anos o número de usuários da internet acima dos 50 anos quase dobrou5. Há também o registro do aumento da expectativa de vida aos 60 anos: 15,9 anos para homens e 19,3 anos para mulheres (IDB Brasil, 2000).
Berlink (1998 apud SALES et al., 2014) afirma que o aumento da longevidade humana e do advento da informática se constituem em fatos sociais determinantes para a formação da tecnodemocracia, enquanto Ramos (1996 apud SALES et. al., 2014) defende que a cidadania se dá pela comunicação entre as pessoas. O uso dos computadores e da internet pelos idosos permite a realização de atividades não apenas relacionadas à comunicação, mas também a realização de operações bancárias e compras, correio eletrônico, utilização de redes sociais e acesso a informação relacionada a saúde e entretenimento (SALES et al., 2014).
Todavia, este poderia ser considerado um cenário favorável se não fossem consideradas as alterações físicas e cognitivas decorrentes do processo de
5 Em 2008, 11,2% dos usuários de internet declararam ter mais de 50 anos e em 2013, 21,6% dos
envelhecimento. Sales et al. (2014, p. 67) explica que nesta fase da vida existe declínio de ordem fisiológica, cognitiva e emocional e surgem necessidades em função de problemas de ordem sensorial - como a visão reduzida -, de ordem física – como a diminuição da coordenação motora -, e de ordem cognitiva – como a redução da capacidade de memória de curto tempo. Sendo assim, o uso da tecnologia pelo público idoso pode ser considerado um desafio contemporâneo, conforme está explicado na sequência.
2.3.1 Idosos e o uso das tecnologias digitais
Xavier, Raabe, Sales e Sigulen (2004) chamam a atenção para o fato de que a tecnologia eletrônica e a informática não trazem apenas benefícios e inclusive existem chances da marginalização de grupos sociais cada vez mais amplos.
No caso dos idosos essa possibilidade de marginalização se agrava, pois, “as interfaces padrão atuais com sistemas computacionais dependem fortemente de uma integridade perceptiva, motora, cognitiva e psíquica por parte do usuário” (XAVIER, RAABE, SALES e SIGULEN, 2004), além de estarem expostos a situações de discriminação e exclusão na área da saúde, educação e da própria tecnologia.
Outro aspecto importante a ser considerado quando analisando de forma crítica o uso das tecnologias digitais por idosos é o fator da auto-estima. Raabe, Raabe, Xavier e Sales (2005) afirmam que a auto-estima tem um papel importante na apropriação da tecnologia pelos idosos, e está diretamente relacionada com o quanto o idoso consegue dominar uma nova habilidade. Um idoso que encontra dificuldades ao explorar uma nova tecnologia, consequentemente terá a auto-estima baixa, apresentando pouca imaginação, conformação, evitando a auto análise e até mesmo praticando a autoanulação, adotando uma atitude passiva que dificulta a interação com o computador.
O envolvimento dos usuários idosos em um projeto de maneira participativa, conforme relatam Raabe, Raabe, Xavier e Sales (2005), colabora para a auto-estima destes usuários. Também, a utilização de técnicas participativas permite que os idosos compreendam qual a finalidade da utilização de determinada tecnologia proposta, auxiliando na definição dos indicadores necessários para o seu desenvolvimento.
A utilização de tecnologias cresce cada vez mais em muitas atividades do cotidiano (SALES et al., 2014), porém isto não significa que estas são utilizadas ou requisitadas pelo público idoso. É preciso considerar um contexto que os idosos compreendam o significado e faça sentido a inserção das tecnologias em suas atividades cotidianas, para que então sejam incentivados a utilizá-las, por meio de políticas públicas de inclusão digital, por exemplo.
Além das informações obtidas com o referencial teórico (fichamento) dos idosos, citadas anteriormente nesta seção, com as respostas obtidas por meio da coleta de dados desta pesquisa, é possível traçar um perfil e algumas características deste público em relação ao uso de tecnologias, conforme pode ser visto no próximo capítulo.
3 METODOLOGIA
Esta pesquisa é classificada como qualitativa e exploratória, portanto é importante destacar alguns pontos que definem este estudo como qualitativo. Stake (2011, p. 25) descreve algumas das características do estudo qualitativo:
“1. O estudo qualitativo é interpretativo. Fixa-se nos significados das relações humanas a partir de diferentes pontos de vista. (...). Esse tipo de estudo reconhece que as descobertas e os relatórios são frutos de interações entre o pesquisador e os sujeitos.
2. O estudo qualitativo é experimental. É empírico e está direcionado ao
campo.
3. O estudo qualitativo é situacional. É direcionado aos objetos e às
atividades em contextos únicos. Defendem que cada local e momento possui características específicas que se opõe à generalização.
4. O estudo qualitativo é personalístico. É empático e trabalha para
compreender as percepções individuais. Busca mais a singularidade do que a semelhança e honra a diversidade. ”
Outro aspecto da pesquisa qualitativa é a ênfase na interpretação, inclusive, Frederick Erickson (1986 apud STAKE, 2011, p. 65) ressalta que esta é a sua principal característica. Na prática, isto significa maior interação do pesquisador com as pessoas no campo e maior uso de percepção e subjetividade, por isso, deve-se tomar o cuidado de deixar claro para o leitor que estas interpretações são pessoais e são contribuições do pesquisador, para que não o deixe pensar que “essas interpretações foram acordadas, certificadas de alguma forma”. (STAKE, 2011, p. 66).
Ainda sobre a interpretação, Stake (2011, p. 65) afirma que “a descrição densa, as interpretações alternativas e as múltiplas realidades são prováveis de ocorrer”. As múltiplas realidades ocorrem quando as pessoas têm diferentes experiências em um mesmo lugar e tempo e, na pesquisa qualitativa isso é de grande valia, pois as “as várias interpretações possibilitam uma profundidade de compreensão que a interpretação mais consagrada ou popular não permite” (STAKE, 2001, p. 77).
Esta ênfase na interpretação e profundidade de compreensão permitem a aproximação do objeto de estudo, neste caso os idosos, permitindo obter uma visão crítica com base na interação do pesquisador com o sujeito do estudo. O fato da pesquisa ter um caráter personalístico, conforme citado anteriormente, colabora na pesquisa com o público idoso pois considera a diversidade dentro deste grupo. Isto quer dizer, mesmo que una indivíduos com uma característica em comum – a faixa