por exemp lo, é u ma categoria presente na visão de mundo de ativistas, acadêmicos e gestores,
CAPÍTULO 3 – POLÍTICAS PÚBLICAS
4.2 OS ATIVISTAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
4.2.1 O papel de ativistas na agenda anti-homofobia
Ao ser convidado, perguntei qual chapéu iria usar. Não estou falando de moda, mas porque participamos de diferenciados espaços. Fiquei pensando um pouco no que posso ajudar na construção de políticas públicas de Estado. E para falar de políticas públicas de Estado preciso ser bastante crítico com as políticas
públicas que estão sendo
implantadas. Aí, o chapéu que vou usar neste momento é o de ativista. [Beto de Jesus, na Audiência pública sobre “Homofobia nas Escolas”, realizada em 2009. (BRASIL. Câmara dos Deputados, 2010)]
A epígrafe acima, uma fala de Beto de Jesus (Instituto Edson Néris/SP) durante a audiência pública sobre “Homofobia nas Escolas” (BRASIL, 2010), dá sinais da interpretação que fazem de si mesmos os sujeitos “ativistas”. Penso que há pelo menos três questões na fala de Beto. Uma delas vem da noção de “chapéu”, altamente difundida nos países do centro como metáfora para mostrar os diferentes vínculos institucionais de uma mesma pessoa, e diz respeito às diferentes análises possíveis da realidade dependendo do “chapéu” (posição social) que se usa (ocupa). Assim, os ativistas mostram altos índices de reflexividade ao se preocuparem em se posicionar no campo da agenda anti- homofobia. “O chapéu que vou usar neste momento é o de ativista”, disse Beto; e isso implica as outras duas ideias associadas aos ativistas: a de que o chapéu é determinado institucional e ideologicamente e a de que o chapéu ativista deve ser “crítico”. Entretanto, a crítica ativista está associada, na maioria das vezes, à busca dos “furos” e “problemas” na implementação de políticas anti-homofobia, ou seja, a “crítica ativista” é uma forma de comunicação do ponto de vista ativista sobre os
problemas no alcance dos resultados de transformação do quadro homofóbico da sociedade. Imbuída de juízo de valor, a “crítica ativista” tem sido, quando proferida pelos sujeitos que mais circulam nas agendas anti-homofobia na educação (uma minoria numérica no conjunto de ativistas), o dissenso, uma vez que a agenda anti-homofobia durante o governo Lula tem sido interpretada como “avanço”.
Quando pela primeira vez o movimento LGBTTT ocupa formalmente a Conferência Nacional de Educação (CONAE), no início de 2010, a homofobia já é a categoria hegemônica da agenda homossexual nessa área. Com delegados eleitos em onze estados da federação e um material próprio da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), o objetivo da “ocupação” deste espaço foi dar visibilidade e “defender” a pauta anti-homofobia na Educação. Participaram da elaboração da agenda ativista de combate à homofobia nas escolas instituições como o Centro Paranaense da Cidadania (CEPAC), o grupo CORSA e a ONG ECOS. A principal pauta ativista na CONAE foi nomeada como “Nome Social”, uma reivindicação da garantia do direito de travestis e transexuais de usarem o nome escolhido após as transformações de gênero em detrimento do “Nome Civil”, registrado no momento do nascimento dess@s sujeit@s. Entretanto, também compuseram a pauta proposta durante a CONAE de 2010 (replicada do Plano Nacional de Políticas LGBT – resultado da 1ª Conferência Nacional LGBT) os seguintes pontos:
- Incluir recomendações relacionadas à promoção do reconhecimento da diversidade sexual e ao enfretamento ao preconceito e à violência por orientação e identidade de gênero nos Editais de Avaliação e Seleção de Obras Didáticas do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) e do Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA).
- Incluir a população LGBT em programas de alfabetização, instituir e ampliar programas e projetos na área de saúde e educação nas escolas públicas do país.
- Estimular e incluir as temáticas relativas à orientação sexual, identidade de gênero e raça/etnia nos currículos universitários, nas atividades de ensino, pesquisas de extensão, se m
excluir nenhum campo do saber ou limitar a cursos da área da saúde.
- Fomentar os temas relativos à “legislação e jurisprudência LGBT” no âmbito do Referencia l para as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN dos Cursos de Graduação e das Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Direito.
- Fomentar e apoiar cursos de pós-graduação em parceria com as universidades públicas sobre diversidade sexual para professores, gestores e profissionais que atuam nas diferentes áreas da gestão pública.
- Criar um programa de bolsas de estudo que incentive a qualificação ou educação profissiona l de Travestis e Transexuais em diversas áreas. - Inserir nos livros didáticos a temática das
famílias compostas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, considerando recortes de raça/etnia, orientação sexual, identidade de gênero e socioeconômica, os novos modelos de famílias homoafetivas, co m ênfase nos recortes de raça/etnia, orientação sexual e identidade de gênero.
- Incluir as temáticas relativas à promoção do reconhecimento da diversidade sexual nas ações de Educação Integral.
- Produzir e/ou estimular a confecção e a divulgação de materiais didáticos e paradidáticos e de materiais específicos para a formação de profissionais da educação para a promoção do reconhecimento da diversidade de orientação sexual e identidade de gênero, inclusive e m linguagens e tecnologias que contemplem as necessidades das pessoas com deficiências. - Estimular e fomentar a criação e o
fortalecimento de instituições, grupos e núcleos de estudos acadêmicos, bem como a realização de eventos de divulgação científica sobre gênero, sexualidade e educação, com vistas a promover a produção e a difusão de conhecimentos que contribuam para a superação da violência, do preconceito e da discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero.
- Estruturar metodologia que permita categorizar as questões de orientação sexual e identidade de gênero no sistema de coletas de dados educacionais, para o acompanhamento e a avaliação das políticas públicas de educação, incluindo indicadores de violência por motivo de orientação sexual e de identidade de gênero.92
Por mais que a pauta apresentada à CONAE tenha diálogo com as políticas públicas da educação que já estavam em execução, no sentido de maior ênfase na formação inicial de professores e na revisão e publicação de livros e outros materiais didáticos, há também a preocupação com a escolaridade de pessoas trans e o incentivo à pesquisa engajada, que vise o combate a violências na escola. Apesar de serem propostas “conservadoras”, no que tange à manutenção de uma política em implementação (organização de eventos, publicação de material didático etc.), a pauta que propõe os movimentos sociais foi, desde o início da agenda anti-homofobia no MEC, a principal fonte de ideias sobre a execução de uma política inédita, como é o caso do combate à homofobia na escola. É por isso que os movimentos sociais, ao definirem a pauta da agenda anti-homofobia na Educação, acabaram por produzi-la e por possibilitarem a ampliação deste campo, inclusive nas universidades brasileiras.
Ainda que se dê importância ao papel preponderante dos movimentos sociais na definição da pauta da agenda anti-homofobia na Educação, a “pouca” expertise em políticas educacionais de ativistas do movimento LGBTTT fez com que o “saber” produzido nas agendas anti-Aids fosse a fonte primária das estratégias propostas na educação. Assim, o modelo anti-Aids foi responsável pela formação de um corpo de ativistas expertos na propositura de pautas possíveis para políticas educacionais. Pude perceber esse uso do “saber” da agenda anti-Aids na agenda anti-homofobia na educação durante seminário da Região Sul do projeto “Escola Sem Homofobia”, ocorrido em Curitiba/PR, em março de 2009. Replicando oficinas desenvolvidas na época de combate à Aids (como a árvore do problema93 e ações interventivas similares) o projeto
pecou, no seu início, em “originalidade” e simplesmente trocou o termo
92 Plano Nacional de Políticas LGBT – resultado da 1ª Conferência Nacional LGBT.
93 Para u ma ilustração do papel da “árvore do problema” no enfrentamento da epidemia de A ids
(como método de análise) vide a d issertação de Flávia Lúcia Ribeiro Silva (2006), da Escola de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. A autora utiliza a “árvore do problema” co mo método analítico que busca estabelecer “a relação de causa e efeito entre os pontos de enfrentamento do problema” (SILVA , 2006, p. 46).
“Aids” por “homofobia” nas atividades já existentes desde os anos 1990, negando as particularidades dos fenômenos em enfrentamento. Destarte, a década de 2000 produziu uma pauta ampla sobre o combate à homofobia nas escolas, mas, quando convidados a implementarem a pauta, os movimentos sociais reeditaram, num primeiro momento, o modelo de prevenção e combate à Aids, conferindo maior autoridade a alguns ativistas e instituições atuantes em áreas educacionais,94 mas que destoavam do grande grupo de ativistas do mainstream do movimento LGBTTT.
Entre 1998 e 2004, pude perceber, nos movimentos LGBTTT, que a pauta política na educação girava em torno da agenda homossexual, levando-se em conta a “liberdade” dos homossexuais para frequentarem a escola e o seu “direito” a uma educação pública. O principal conceito teórico que informava a pauta política na educação defendida pelos ativistas LGBTTT era de “co-educação”,95 fruto das teorias feministas na educação e portanto muito presente tanto no feminismo acadêmico na educação como nos movimentos feministas. Presente em documento da Assembleia Legislativa de Minas Gerais em 1998, a defesa da “co-educação não sexista” na “rede de ensino” é levantada como proposta para garantir a “liberdade de orientação sexual” para “homossexuais e transexuais” na escola. Dessa forma, os primórdios da pauta ativista LGBTTT na educação replicavam as teorias feministas sobre a escola como forma de superação da “discriminação social” contra “homossexuais e transexuais”. Conforme aponta Daniela Auad:
a co-educação tem como um de seus objetivos primeiros a transformação das relações de poder entre o masculino e o feminino, a relativização da polaridade entre esses dois “grupos” de representações e criação de novas condições de relacionamento entre os gêneros (2006, p. 67).
Na defesa dos direitos humanos de “homossexuais e transexuais”, no final da década de 1990, não havia uma agenda política “específica” para o campo da educação. Bebendo na fonte feminista, as propostas de
94 Beto de Jesus e Lula Ramires (ativistas), bem como as ações da ONG Nuances e da ONG
Grab.
95 Segundo Daniela Auad, a “co-educação” é um “modo de gerenciar as relações de gênero na
escola mixta, de maneira a questionar e reconstruir as idéias sobre o femin ino e sobre o masculino” (2007, p. 60).
igualdade entre os sexos eram hegemônicas na defesa da liberdade e direitos de pessoas LGBTTT. A escola, entretanto, nas agendas específicas do movimento LGBTTT, era alocada, nas pautas políticas, juntamente com outras instituições sociais e áreas de governança como trabalho, moradia, lazer, cultura e demais “benefícios sociais”. Na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em 2004, é publicada uma cartilha sobre “Cidadania”, na qual se orienta “gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais” a denunciarem a “violência e discriminação” nas diversas instituições sociais, “na família, na escola, no trabalho, nos condomínios, na religião, no atendimento médico, nos meios de comunicação”. Ações esporádicas emergiam nas Assembleias Legislativas e não havia quaisquer ações de combate à homofobia no MEC antes do governo Lula. Mas a pauta política em questão estava em gestação.
A Secretaria de Direitos Humanos (SDH) do Ministério da Justiça (MJ) do governo de Fernando Henrique Cardoso apoiou de modo pioneiro uma “formação de professores” em 2001. O projeto “Educando para a Diversidade: os GLBTs na Escola”, realizado pela ONG CORSA sob a coordenação do ativista Lula Ramires, foi o primeiro do movimento LGBTTT a focar especificamente a educação, podendo ser entendido como o “germe da agenda anti-homofobia” nesta área. Como me disse Lula, “nossa perspectiva teórica era ultrapassada. Trabalhávamos com os quatro pilares da educação do psicólogo Cláudio Picazzio. Os quatro pilares eram “o sexo biológico, o desejo que definia a identidade sexual, a orientação sexual e o papel sexual”, “depois mudamos isso e começamos a trabalhar mais com identidade de gênero” [Diário de campo, 21/07/2010]. O curso de formação do CORSA aconteceu em 2001 na capital paulista, durante a gestão da prefeita Martha Suplicy (PT). Com o apoio da prefeitura e com o término do apoio da SDH/MJ, massificou-se o modelo executado pela ONG, sendo que, antes do término da gestão de Martha, o CORSA já tinha formado cerca de cinco mil professores. Nessa época, a grande pauta política dos cursos girava em torno do “respeito aos homossexuais”, em consonância com as agendas amplas propostas pelas Assembleias Legislativas citadas anteriormente. Foi o grupo CORSA de São Paulo, portanto, o criador do modelo de formação de professores que foi o germe para a elaboração da pauta ativista na Educação defendida no primeiro ano do governo Lula.
Após a eleição de Lula em 2002, a pauta dos movimentos LGBTTT na educação começa a se formar. A Educação passa a ser uma área específica na agenda política. Com o lançamento do programa
Brasil Sem Homofobia se inicia uma defesa da implementação das propostas do programa. Em 2005, o movimento LGBTTT, apesar de já constituída a agenda anti-homofobia na educação, buscava massificar entre seus membros a necessidade de atuação na educação: “a educação escolar, dada a sua importância na formação da sociedade brasileira, deve ocupar nossas agendas de lutas nos anos que se sucedem” (ABGLT, 2005, p. 49).
São os ativistas do movimento LGBTTT que constroem a pauta política das agendas homossexual e anti-homofobia na sociedade brasileira. Como dito nesta tese, há uma forma específica de “crítica ativista”, orientada e informada institucional-ideologicamente. São os ativistas que, ao longo dos processos de construção de políticas públicas, vão definindo e modificando a pauta política da agenda anti-homofobia na educação, informados por uma série de campos acadêmicos e ativistas. A partir disso, é possível perceber que as primeiras pautas LGBT que citavam o campo da Educação posicionavam a escola no seio de uma série de outras instituições, defendendo a “liberdade” dos cidadãos no acesso e permanência nos serviços públicos de maneira igualitária e sem discriminação. Também foi o movimento que começou, na educação, a defender o respeito à orientação sexual, entendendo-a como um direito humano e fazendo uso das reflexões feministas na educação. É no governo Lula e com o lançamento do Brasil Sem Homofobia (BSH) que a pauta política defendida pelos ativistas se desloca de uma perspectiva de defesa da “liberdade” e do “direito” dos sujeitos LGBT para o combate à violência e discriminação, desenhando, desta forma, uma “agenda anti-homofobia” na educação. 4.3 OS ACADÊMICOS DAS UNIVERSIDADES
Registramos na década de 2000, como vimos, especificamente após a eleição de Lula, uma complexificação dos sujeitos em disputa nas agendas homossexuais e anti-homofobia.96 A disputa envolve a valorização dos diferentes grupos que executam políticas anti- homofobia em relação com o Ministério da Educação (MEC).
Gilberto Velho (2003), fazendo uso das reflexões de Everett Hughs, conceitua como in-groups e out-groups as redes de indivíduos que sempre se definem em centro e periferia. Para o autor há sempre centro e periferia no diálogo entre grupos sociais e ao in-group (centro)
96 Co mo apontamos no primeiro capítulo, há diferenças estruturais importantes entre a agenda
é associada a noção de “boas pessoas”, ao passo que ao out-group (periferia) é associada a noção de “marginal”. No caso das políticas anti- homofobia no MEC, as “boas pessoas” e os “marginais” são categorias ativadas nos discursos. Dependendo do ponto de vista, acadêmicos e ativistas podem ser interpretados como in-groups ou como out-groups pelos gestores. Tentarei neste tópico esquadrinhar o que representam e as categorias de pertencimento que fazem dos acadêmicos um marcador sociológico relevante para o campo anti-homofobia na Educação.
Circulam no campo da agenda anti-homofobia noções stricto sensu e lato sensu sobre o que define a figura do “acadêmico”. Uma noção lato sensu é definir como acadêmico todo aquele que tem ou teve quaisquer vínculos com universidades e com a produção de conhecimento, temporária ou definitiva. Tem cada vez crescido mais o valor entre o movimento LGBTTT da realização de monografias sobre o tema por ativistas. Também cresce cada vez mais o incentivo por parte de dirigentes do movimento LGBTTT para que seus ativistas façam monografias, seja uma especialização, uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado sobre os temas de interesse do movimento. A década de 2000 viu se expandirem grupos de militância LGBTTT universitária, com o objetivo de atuar no interior das instituições acadêmicas, tendo como marco fundador o Encontro Nacional Universitário pela Diversidade Sexual (ENUDS), que, em suas diferentes edições, tem incentivado a formação de grupos acadêmicos em várias universidades brasileiras. Inclusive no site da ABGLT já se encontra, há pelo menos quatro anos, uma página específica para divulgar os textos de seus ativistas intitulada “Academia”.97 Entretanto, adentram esta página apenas as pesquisas que possuem parentesco político com a ABGLT e com o movimento LGBTTT.98 Não que se divulguem apenas textos em que os autores sejam ativistas, mas é a rede ativista que define o relatório/texto divulgado. Começamos a ver aqui o impacto de agendas de leitura nas políticas anti-homofobia.
Acadêmico stricto sensu, noção adotada nesta tese quando falo de “acadêmicos”, é uma categoria marcada pela docência, pela pesquisa e pela formação de novas gerações de acadêmicos, o que limita seus sujeitos a determinadas posições em universidades. Lembro-me quando, em um encontro da ABEH, um professor e uma professora que
97 Disponível em: <http://www.abglt.org.br/port/pesquisas.php#>.
98 A divulgação científica feita pelos movimentos LGBTTT é por linhagem “política” e não
linhagem “teórica”. Dessa forma, não é o objeto de pesquisa (homossexualidades, travestilidades, sexualidades etc.) ou a linhagem teórica que “leva” as monografias para o sítio oficial do mainstream do movimento, mas uma linhagem política.