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O papel do Estado para o desenvolvimento de políticas públicas do Turismo

3 BASES TEÓRICAS DO PROCESSO INVESTIGATIVO

3.1 O papel do Estado para o desenvolvimento de políticas públicas do Turismo

As atividades turísticas possuem potencial para realizar importantes modificações na qualidade de vida da população, especialmente se existe a interferência do poder público por meio de políticas públicas e diretrizes norteadoras que regem normas e procedimentos para suas relações com a sociedade. Cabe ao Estado ser agente produtor desse espaço, pois num contexto capitalista, essas transformações desencadeiam uma série de outras mudanças na infraestrutura, na urbanização, na legislação específica para ocupação de espaços com grande potencial turístico. Cardoso (2008), numa discussão sobre o papel do Estado no capitalismo e a utilização do neoinstitucionalismo1 para análise das políticas públicas expõe a ideia de que no capitalismo, a atuação de um Estado forte é indispensável, haja vista ser esta a única instituição capaz de reproduzir as duas condições necessárias ao seu pleno funcionamento: a acumulação e a legitimidade. Nas palavras do autor, a acumulação é necessária por ser o princípio básico da reprodução; enquanto a legitimidade é requisitada como meio de obter consenso da sociedade civil acerca de seus atos.

Assim, o Estado deve legitimar as ações políticas e institucionais e mecanismos que assegurem investimentos nas atividades essenciais para o crescimento econômico. Demais

1 Cardoso (2008) aponta quatro dimensões para o neoinstitucionalismo: autonomia que os funcionários

estatais têm em relação aos outros interesses sociais; a relação entre as instituições políticas e as identidades sociais; na terceira dimensão, as características das instituições governamentais, dos sistemas partidários e das regras eleitorais que afetam o grau de sucesso político que qualquer grupo ou movimento pode alcançar, na medida em que possibilitam ou vetam o acesso dos grupos às decisões públicas; e por último coloca que as políticas adotadas anteriormente reestruturam o processo político posterior.

disso, faz-se também necessário operar intervenções para conservação dos recursos naturais e do patrimônio histórico e cultural.

Cardoso (2008), ainda exprime que a soberania do Estado perante as demais instituições torna suas ações legítimas e quase incontestáveis, garantindo solidez e fundamento ao sistema capitalista. Nesse sentido, é na implantação dessas políticas, que no âmbito da atividade turística e no gerenciamento e planejamento estratégico do uso dos meios para prestação de serviços em diversos segmentos - reservas ecológicas, transportes, eventos - da qual o Estado é proprietário, que se garante a parte da sociedade a qual, muitas vezes, não usufrui dos benefícios advindos da atividade turística expandida no território onde se encontram, ser esta beneficiada, sem que se perca, com isso, toda a identidade local carregada de seus significados.

Assim, no segmento da atividade turística, o Estado é proprietário de seus atributos, que no Ceará, se destaca o caso do Turismo de ‘sol e mar’, tendo o domínio sobre as áreas de marina e áreas de preservação (dunas, lagoas, mangues, falésias). Junta-se aos destaques turísticos do Ceará, o Turismo Comunitário2, focado na preservação de ecossistemas litorâneos, a exemplo da comunidade de Curral Velho, em Acaraú-CE. Para tanto, todos esses segmentos só se interligam com o planejamento governamental mediante políticas públicas que, se corretas e planejadas, propiciam a geração de emprego e renda, podendo impulsionar o desenvolvimento da economia em localidades com potencial turístico.

Como entende, contudo, Paiva (2012), os objetivos pretendidos pelo Estado não se concretizam plenamente porque o Turismo, assim como as demais atividades da acumulação capitalista, produz configurações espaciais contraditórias em diversas escalas (do global ao local), exacerbadas historicamente pelo acúmulo das desigualdades socioespaciais, além dos conflitos de interesses dos diversos agentes envolvidos (Estado, mercado, diversos estratos da sociedade).

O Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste - PRODETUR/NE, é uma política que busca organizar as intervenções públicas para o desenvolvimento da atividade turística, por via de prévios processos de planejamento das regiões turísticas

2 Com apoio institucional, comunidades do litoral do Ceará desenvolvem o Turismo Comunitário, que visa à

manutenção e preservação das áreas onde residem e buscando uma alternativa de renda para as populações locais.

(Mtur, 2015). O programa, baseado na autossustentabilidade, foi criado buscando a consciência das condições de interdependência entre os governos federal, estadual e municipal, com o capital internacional, empresas e organizações não-governamentais (ONGs), numa percepção de participação de vários agentes da sociedade interligados para constituir verdadeira alternativa econômica geradora de emprego e renda principalmente para a população local, melhorando a qualidade de vida das comunidades receptoras.

Para se falar das políticas públicas de Turismo, com foco no PRODETUR e ações regionais ramificadas com suporte nele, como instrumentos que garantem que a permanência da singularidade das comunidades receptoras e o desenvolvimento local coexistam, impõe-se entender o papel do Estado e a formulação dessas políticas. Costa (2015) alerta para a razão de que o conceito de política pública, como é proposto no geral, pode se confundir com a própria noção de Estado. Para ele, há um problema analítico para o qual é preciso atentar para não cair numa generalidade de que qualquer atividade estatal seria uma Política Pública. Como citado por Cardoso (2008), a soberania do Estado perante as demais instituições torna suas ações legítimas e quase incontestáveis, no entanto, Costa (2015), ressalta que as ações do Estado devem ser “voltadas para dentro”, onde, além da sua dimensão externa, com detenção de poder, ressalta que o

Estado moderno, contemporâneo, do século XX, agora século XXI, é um Estado que está fortemente orientado para a construção interna dessas condições de existência de seu próprio Estado. Isso vai propor então, uma série de caminhos de desenvolvimento de um Estado que o colocará em confronto com sua própria natureza de Estado monopolista da violência, da legitimidade e, portanto, da representação, no sentido mais moderno, dessas populações. (p.139).

O autor consigna a ideação de que a origem das políticas públicas explicita as contradições do papel do Estado, que ora são constituídos como máquinas eficazes de dominação das sociedades, ao mesmo tempo em que na sociedade contemporânea, reflete a maneira da representação da população dentro do próprio Estado. Para ele, “O Estado contemporâneo, é, por natureza (histórica), o Estado das Políticas Públicas.” Assim nas palavras do autor “[...] as Políticas Públicas, portanto, refletem a heterogeneidade dessas sociedades e refletem também as contradições que essas sociedades enfrentam nesse duplo desafio”. (2015, p. 141).

Bacelar (2003) exprime que pouco antes das primeiras ações mais efetivas voltadas para o campo políticas públicas do Turismo, por volta dos anos 80, o Estado se exibia como conservador com caráter desenvolvimentista, autoritário e centralizador. Para a autora, (2003, p.2),

O Estado brasileiro é, tradicionalmente, centralizador. A pouca ênfase no bem-estar, ou seja, a tradição de assumir muito mais o objetivo do crescimento econômico e muito menos o objetivo de proteção social ao conjunto da sociedade, fez com que o Estado adquirisse uma postura de fazedor e não de regulador.

Ela menciona que o caráter autoritário trouxe o ranço dessa vertente e tornou-se um traço muito forte nas políticas públicas do País, e que as políticas públicas eram muito mais políticas econômicas.

Consoante ela alcança,

O Estado desempenhava a função de promover a acumulação privada na esfera produtiva. O essencial das políticas públicas estava voltado para promover o crescimento econômico, acelerando o processo de industrialização, o que era pretendido pelo Estado brasileiro, sem a transformação das relações de propriedade na sociedade brasileira. (2003, p.1).

Um pouco desse caráter centralizador, no entanto, se esvaiu com as oportunidades para movimentos populares, pois havia a perspectiva de uma proposta de descentralização com decisão a favor de políticas sociais, uma propositura favorável do Estado como transformador, que se sobrepõe ao acúmulo de produção capitalista e dessa acumulação privada da esfera produtiva.

No âmbito das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do Turismo, os conflitos do papel do Estado são evidenciados, quando por meio do fomento a megaempreendimentos hoteleiros que alteram significativamente as dinâmicas sociais dos lugares onde se instalaram produzindo impactos sociais e ambientais irreparáveis e, nesse contexto, o Estado, agente das políticas que devem levar ao desenvolvimento, há de ser também o interventor dos conflitos gerados com a produção e transformação de espaços, entre comunidade e grandes proprietários dos meios de produção da atividade turística. Na perspectiva de Costa (2015),

Toda Política Pública provoca conflitos, provoca tensões. Ela mobiliza os temas mais diferentes dentro do campo da ação política – hoje em dia

ultrapassando largamente o campo da intervenção clássica do Estado, principalmente no âmbito econômico, ou mesmo no âmbito cultural, impactando as mais íntimas formas de expressão humana. (p. 144).

Assim, nas arenas onde a atividade turística se materializa, os conflitos também existem e envolvem sujeitos como o Estado, empresários da atividade produtiva turística, comunidades receptoras e os turistas. As relações entre esses sujeitos são permeadas de contradições e desacordos, na maioria das vezes, pela delimitação de territórios e transformação das paisagens e, também, pelo caráter dissolvente das comunidades tradicionais para a acumulação de capital. Na discussão dos impactos das mais íntimas modalidades de expressão humana, assim como exprime o autor, se fortalece o pensamento de que a atividade turística se fez uma atividade repleta de signos, cheia de representações e valores sociais.

Assim, aspectos compreendidos nas falas do autor revelam que políticas criadas pelo Estado hão de revelar uma natureza racional que gerencia os espaços conflitivos de modo a intervir para o desenvolvimento dos espaços turísticos sem que se perca a identidade dos territórios e dessas comunidades tradicionais.

Barbosa (2017) aponta a dialética que acontece nesse espaço, os conflitos entre sujeitos envolvidos para dominação e organização territorial.

As diferentes dinâmicas organizacionais dos eixos do Turismo – o convencional e o Turismo alternativo - mostram a dialética do fenômeno. Apresentam estruturas diferentes, ideologias contraditórias, mas juntos compõem a totalidade da atividade turística essencialmente capitalista. Os eixos ora são antagônicos, ora se complementam e, assim, espacialidades são construídas nos territórios turísticos. Ações do poder público, privado e de grupos comunitários impõem formas de controle do espaço e ditam regras e formas de organização territorial convenientes aos interesses de quem domina o espaço. (P. 24).

A respeito de território, Bacelar (2008) destaca os desafios a serem enfrentados para promoção do desenvolvimento territorial - a consolidação de um novo modo de planejamento, formulação e implementação de políticas públicas menos tecnocrático, mais descentralizado e com a organização de instâncias de diálogo entre governo e sociedade. Para a autora, há outros desafios relacionados à adoção de tratamento de múltiplas escalas – uma vez que a escolha da escala se relaciona ao objetivo pretendido – e a abordagem em

múltiplas dimensões – em que distintas ciências e técnicas possam dialogar e convergir para um resultado mais satisfatório (BACELAR, 2008).

A autora, além de discorrer a respeito do papel do Estado como essencial para a implementação das políticas públicas de forma a promover o crescimento econômico, também aponta a questões conflituosas para a construção dessas políticas territoriais especialmente no que se refere à tradição das relações verticais impostas pelos poderes hegemônicos e que, dificilmente, veem com bons olhos a participação comunitária no processo de planejamento. Explica a autora:

Enfrenta-se, em geral, grande dificuldade quando o processo vem de baixo para cima, pois, quando esse processo encontra as outras esferas, principalmente das políticas públicas, dificuldades se apresentam. Uma delas é a tradição das instâncias técnicas de trabalharem de cima para baixo. Nas políticas estaduais cada secretaria acha que é “dona da verdade”. E nas políticas federais, cada ministério acha o mesmo. Seu corpo técnico tem dificuldade de apoiar as iniciativas que vêm dos territórios. (P.27).

Apesar da ideia apresentada pela autora representar a realidade das relações existentes quanto à implementação dessas políticas, é importante considerar a participação da comunidade no planejamento dos territórios para o desenvolvimento das regiões e que essa participação não seja de forma verticalizada, imposta pelo Governo para cumprimento de instrumentos formais e também legais dos planos de Turismo, mas algo que emane da própria sociedade local, mediante as suas necessidades com participação de todos os agentes públicos e privados na elaboração dessas políticas públicas.

Voltando ao papel do Estado e adentrando às questões de desenvolvimento regional, Celso Furtado, que muito contribuiu para análise de tais aspectos, especialmente no Nordeste, reitera a ideia de que o Estado deve agir na promoção do desenvolvimento: “Impõe-se formular uma política de desenvolvimento com base numa explicitação dos fins substantivos que almejamos alcançar, e não com base na lógica dos meios[...]”(2002, p. 36).

Assim, compreende-se que, as políticas criadas pelo Estado, devem se sobrepor ao acúmulo de produção capitalista em que somente o detentor das riquezas seja participante dos frutos colhidos com suporte no desenvolvimento gerado por essas políticas. Eis mais

uma vez, o Estado como interventor para promoção de diálogos nos círculos conflitivos na implementação das políticas públicas.