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Turismo de Base Comunitária como instrumento de desenvolvimento local

3 BASES TEÓRICAS DO PROCESSO INVESTIGATIVO

3.4 Turismo de Base Comunitária como instrumento de desenvolvimento local

Para reporta-se ao desenvolvimento do Turismo, especialmente o de base comunitária, em que ocorre nos interiores do Estado, sendo esta uma categoria de análise da pesquisa, é preciso entender como se constituiu a realidade do Turismo de Base Comunitária no Brasil e sua gênese através de fatos históricos, de vivências e seu caráter heterogêneo. Para conceituá-lo, logo, não seria tarefa simples discorrer sobre tal, sem juntar todas as modalidades em que ele se desenvolve no território brasileiro. A análise da cultura

nas comunidades tradicionais depende, também, dos seus agentes sociais, cuja identidade se constitui na história de seus lugares e, por conseguinte, fortalecem a maneira como o Turismo se fez uma atividade repleta de signos, cheia de representações e de valores sociais.

Maldonado (2009), conceitua Turismo comunitário como

[...] toda forma de organização empresarial sustentada na propriedade e na autogestão sustentável dos recursos patrimoniais comunitários, de acordo com as práticas de cooperação e equidade no trabalho e na distribuição dos benefícios gerados pela prestação dos serviços turísticos. A característica distinta do Turismo comunitário é sua dimensão humana e cultural, vale dizer antropológica, com objetivo de incentivar o diálogo entre iguais e encontros interculturais de qualidade com nossos visitantes, na perspectiva de conhecer e aprender com seus respectivos modos de vida (P.29).

Coriolano (2009) entende o Turismo comunitário como um novo eixo onde as comunidades fazem parte de uma grande rede e

destacando-se entre estes sujeitos sociais alguns movimentos sociais, comunidades, organizadores de viagens, operadores de comércio justo, de economias solidárias, organizações ambientais e ONGs, todos empenhados nesta tarefa de encontrar outros caminhos para o desenvolvimento. (P. 280).

Somando-se aos conceitos anteriores, a autora ainda aponta que o Turismo comunitário é aquele em que as comunidades, de maneira associativa, organizam arranjos produtivos locais3, possuindo o controle efetivo das terras e das atividades econômicas associadas à exploração do Turismo.

Os autores fortalecem a ideia de que essa modalidade é construída de forma coletiva, pensando na dimensão humana, pensamento este também compartilhado quando da definição trazida em Ricco (2012) sobre Turismo cultural, em que o Turismo expressa como principais atrativos aspectos da cultura humana. Este, por sua vez, não se desvincula

3 Segundo Miranda (2003), um APL caracteriza-se por ter aglomerações de empresas, fixadas em um mesmo

território, apresentando uma especialização produtiva e mantendo vínculos de interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais, sendo estes governos, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa.

do comunitário, pois a cultura é uma das suas principais características e não há Turismo comunitário sem as representações culturais e signos das comunidades onde este acontece.

Furtado (2012) ainda relaciona o papel do Estado e a importância de considerar a coletividade na implantação de políticas quando aponta que “[...] ao se implantar políticas culturais, é necessário que os dirigentes governamentais tenham uma aguda percepção do momento histórico, além do imprescindível: a vontade coletiva”.

Furtado amplia a referência da cultura como uma das bases do desenvolvimento, e a noção para as políticas culturais, ajuntando a ideia de que tais políticas só podem ser desenvolvidas com o protagonismo das populações e que uma “[...] política de desenvolvimento deve ser posta a serviço do processo de enriquecimento cultural”. (1984, p.32).

O autor, que apresenta a crença de que o crescimento e prosperidade deve ser extensiva a todos entende o desenvolvimento como um processo de transformação do mundo realizado pelo ser humano com o intento de atender as suas necessidades, conduz a se refletir sobre como as políticas criadas no Nordeste, a exemplo da PRODETUR-NE, encara o Turismo de Base Comunitária, em que tanto a comunidade como visitantes que vêm desfrutar das riquezas locais se relacionam com o objetivo de crescimento e quais ações de preservação das áreas onde o Turismo Comunitário acontece. Tais políticas confrontam essa visão, uma vez que, por meio do fomento a megaempreendimentos hoteleiros alteram significativamente as dinâmicas sociais dos lugares onde se instalaram produzindo influxos sociais e ambientais irreparáveis. Dentro dessa percepção, o Estado, agente das políticas que devem levar ao desenvolvimento, há de ser também o interventor dos conflitos gerados com produção e transformação de espaços, entre comunidade e grandes proprietários dos meios de produção da atividade turística.

Registra-se ação do Estado para a diminuição das desigualdades regionais, num dinamismo constante, visando ampliar o crescimento e desconcentrar a renda advinda do Turismo, por meio da regionalização, interiorização e segmentação da atividade turística, quando no âmbito federal, foram implantadas políticas públicas na primeira década do século XXI, mediante o Plano Nacional do Turismo (PNT), no contexto do qual foram estabelecidas metas que deram origem ao Programa de Regionalização do Turismo (PRT).

Para Furtado (1984), “A ideia de desenvolvimento está no centro da visão de mundo que prevalece na época atual. A partir dela, o homem é visto como um fator de transformação, tanto no contexto social e ecológico que está inserido como de si mesmo”. Com isso, entende-se que o desenvolvimento local, ainda que seja uma transformação dinâmica e contínua, não pode assumir um caráter dissolvente das comunidades tradicionais para a acumulação de capital.

Não se pode, em tais localidades, se valer dessa atividade como meio de apropriação de excedentes para sobrepujante enriquecimento de empresários detentores de capital, assim como aconteceu nos tempos do Brasil - Colônia.

[...] assim, desprezado pelas elites, o povo continua seu processo formativo com considerável autonomia, o que permitirá que as raízes não europeias de sua cultura se consolidem e que sua força criativa se expanda menos inibida, em face da cultura da classe dominante. (FURTADO,1984. Pag. 23).

De efeito, Furtado (1974) defende o argumento de que “[...] o comportamento dos grupos que se apropriam do excedente, condicionado que é pela situação de dependência cultural em que se encontram, tende a agravar as desigualdades sociais, em função do avanço da acumulação”. É importante notar que a crítica que Furtado faz ao sistema, transporta a se fazer uma reflexão sobre o que Turismo de Base Comunitária apregoa, com as afirmações das formas de expressão cultural, desenvolvimento da economia, das comunidades, utilização das atividades tradicionais, como atrações e o uso sustentável dos recursos com justiça ambiental voltada para as preocupações coletivas.

Esta investigação, aborda as transformações socioeconômicas que contribuem para o desenvolvimento e crescimento das localidades com procedência na rede de Turismo, com o objetivo de reduzir as desigualdades locais com políticas voltadas para o Turismo nessas comunidades, de modo a minimizar os problemas e que também promovam a imagem e revigoramento do interior, a valorização das práticas culturais, a melhoria das condições de vida das famílias e a diversificação da economia regional.

Coriolano (2009) esclarece que

No Turismo comunitário, o interesse volta-se para o trabalho dos adultos para melhorar a renda das famílias, e as crianças são preservadas da antecipação do trabalho. As atividades turísticas comunitárias são associadas às demais atividades econômicas, com iniciativas que

fortalecem a agricultura, a pesca e o artesanato, tornando estas atividades preexistentes ao Turismo mais sustentável (P. 284).

Assim, é preciso analisar a sensibilidade dessas comunidades tradicionais com suas múltiplas características, e se possuírem vocação turística, a atividade pode, e deve, ser explorada em favor da melhoria da qualidade de vida da comunidade, de maneira a atender um desenvolvimento sustentável, com maiores inclusões sociais e mínimos impactos sobre o meio ambiente. É imprescindível que as políticas públicas não tenham uma visão mercantilista, mas que sejam baseadas por princípios éticos que confluem para os preceitos do Plano Nacional do Turismo - PNT (2013- 2016), o qual denota “[...] como perspectiva a efetivação do potencial da atividade para um desenvolvimento econômico sustentável, ambientalmente equilibrado e socialmente inclusivo.” Tal perspectiva, ao se exibir como inclusiva, dissipa a ideia das extremas desigualdades em que, por vezes, a atividade turística está inserida sendo esta, um privilégio para poucos.

Furtado elucida sobre as consequências atinentes à dominação do capital em sociedades e os interesses de quem detém o capital:

O estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre será o privilégio de uma minoria. O custo em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco as possibilidades de sobrevivência da espécie humana” (...) A ideia de desenvolvimento apenas tem sido de utilidade para mobilizar os povos da periferia e leva-los a aceitar enormes sacrifícios, para legitimar a destruição de formas culturais ‘arcaicas’, para ‘explicar’ e fazer ‘compreender a necessidade’ de destruir o meio físico, para justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo” (1974, p. 75).

O PNT também preceitua que a atividade turística, primeiramente, deve colaborar com a comunidade receptora e Furtado reforça a ideia de que essa comunidade deve ser protagonista do processo de desenvolvimento de maneira endógena: “[...] a endogeneidade outra coisa não é senão a faculdade que possui uma comunidade humana de ordenar o processo acumulativo em função de prioridades por ela mesma definidas” (1984, p. 108).

Com a visão de que o Ceará poderia se tornar, com todo seu potencial, um lugar cheio de oportunidades e apto para receber o desenvolvimento por meio das atividades turística, era necessária uma visão para além do Turismo focado no fomento ao acúmulo de produção

capitalista, tendo uma preocupação com a relação dialética entre turista, comunidade receptora e o Estado, para que sejam considerados agentes transformadores e também reguladores de ações sociais, ambientais e culturais. Nas ideias de Furtado, cultura e sociedade estão intrinsecamente relacionadas, e esta relação pode ser o ponto de partida para suplantar os problemas de subdesenvolvimentos, o esquecimento das comunidades do interior potencialmente ricas em atrativos turísticos e caminhar para as transformações onde o cerne do desenvolvimento endógeno incide no revigoramento e valorização das identidades culturais ao passo que se exploram as potencialidades criativas dessas comunidades para que haja uma possível independência cultural e fuja-se da imitação de padrões exacerbados próprios do capitalismo.

Consoante entende Coriolano (2003),

[...] o Turismo para benefício de comunidades, ou do desenvolvimento local, significa adotar políticas que criem oportunidades de trabalho e renda para a maioria, sem deixar de dar a proteção social requerida, colocando o homem no centro do poder, promovendo sua realização (P.134).

Assim, essa investigação aborda o modo como o Turismo é desenvolvido em outras comunidades rurais do território acarauense e o comportamento da população ante as demandas que poderiam ampliar o crescimento socioeconômico, haja vista a importância do envolvimento da sociedade na participação da implementação dessas diretrizes, além das ações de preservação das áreas onde o Turismo comunitário acontece.