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CAPÍTULO 2. GERENCIANDO ORGANIZAÇÕES NO SECULO XXI

2.2 O QUE MUDOU

Alguns aspectos do contexto atual foram percebidos por autores, pesquisadores e analistas há algumas décadas. Naisbitt (1982), por exemplo, numa análise prospectiva realizada na década de 1980, relatou uma provável ocorrência de eventos na sociedade que parecem ter sido extraídos de uma bola de cristal. Já naquela época, o autor vislumbrou a emergência da “sociedade da informação”, a transformação da economia nacional em uma economia global e a mudança das relações de hierarquia para a hegemonia das redes53. Estas

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Em 1990 John Naisbitt realizou uma nova investigação, juntamente com Patrícia Aburdene, como projeção para a década de 2000, denominada Megatrends 2000, no qual aponta novas tendências para o século XXI como inovações tecnológicas e oportunidades econômicas. Na projeção dos autores, nesse novo século a fonte de poder não será mais dinheiro nas mãos de poucos, mas informação nas mãos de muitos. Também Castells (1999, p. 119) fala sobre as redes ao mencionar que as novas tecnologias da informação estão sendo responsáveis por integrar o mundo em redes globais de instrumentalidade: “É a conexão histórica entre a base de informações/conhecimentos da economia, seu alcance global, sua forma de organização em rede e a revolução da tecnologia da informação que cria um novo sistema econômico distinto”.

projeções vêm se consolidando a cada ano e, a este cenário idealizado, tem sido incorporados outros elementos que também são responsáveis por caracterizar a sociedade atual.

Um desses elementos – que tem se apresentado como fator de diferencial competitivo para as organizações – é o “tempo”. Destacado por Stalk (1988), o tempo foi denominado como condição de “vantagem-chave” e classificado pelo autor como “a próxima fonte de vantagem competitiva”. Este vislumbre continua cada vez mais atual, pois agilidade, antecipação de tendências, desenvolvimento e lançamento de novos produtos antes dos concorrentes são questões estratégicas relacionadas ao modo como as empresas gerenciam o tempo em seus processos produtivos e de inovação. Conforme destacado por Costa (2012), os gestores perceberam que a

produção em massa, em outras economias, tornava a tecnologia, por si só, variável insuficiente para garantir o diferencial de produtividade exigido pela concorrência. O tempo de resposta das equipes de trabalho frente a uma meta a cumprir passa a ser a variável estratégica, substituindo o controle dos movimentos, da destreza e velocidade de operação do trabalhador individual, relacionados à configuração de um posto de trabalho homem-máquina.

Outro fator característico da sociedade atual – a globalização – vem, neste século, considerada sob uma perspectiva diferente além da econômica uma vez que o comércio global não é um fator novo no cenário econômico-financeiro. Fleury e Fleury (2016) a definem como um processo multidimensional que pressupõe a redução das barreiras entre fronteiras com consequente aumento dos fluxos financeiro, econômico, material, informacional, bem como dos fluxos de conhecimentos, ideias e valores.

Percebe-se, pela definição dos autores, que a globalização está travestida de um significado mais complexo do que o simples comércio sem fronteiras, condição também observada por Levy (1992). Este autor destacou que, com o fim da guerra fria nos anos 1980, um “cenário de cooperação” internacional foi instalado, o que possibilitou a expansão do efeito da competência dos países asiáticos e a integração dos países comunistas no cenário econômico mundial como decorrência da abertura destes para a democracia e para a economia de mercado. Estes fatores foram responsáveis, dentre outros, por fortalecer a crescente liberalização do comércio internacional cujas ondas de mudanças passaram a exigir das empresas novas estratégias de atuação.

Uma síntese interessante do cenário econômico dos séculos XX e XXI é feita por Almeida (2001) quando este afirma que, apesar de ter havido grandes mudanças no contexto

econômico do século XX, algumas condições permaneceram inalteradas. A manutenção do grupo econômico dominante desde o século XIX, por exemplo, mesmo com a consolidação do bloco europeu (“herdeiro” das potências coloniais europeias), apresentou pouquíssimas exceções em sua composição. Entretanto, apesar da manutenção dos “atores” e de certos padrões econômico-financeiros, o autor destaca que a economia do século XX apresentou alguns traços distintivos importantes como a utilização do capital humano – que será responsável por personificar a economia do século XXI – nos diferentes sistemas nacionais.

Assim, o século XX econômico termina, segundo Almeida (2001, p.113),

...numa fase de combinação crescente dos sistemas produtivos e administrativos com as novas características da sociedade da

informação, na qual os elementos brutos da produção – terra, capital,

trabalho – são necessariamente permeados e dominados pela nova economia da inteligência. Os componentes de matéria prima e o valor extrínseco de um bem durável passaram a valer bem menos, no final do século XX, do que o valor intrínseco e a inteligência humana embutidas nesses produtos, sob a forma de concepção e design, propriedade intelectual sobre os processos produtivos e sobre os materiais compostos utilizados em sua fabricação, royalties pela cessão e uso de patentes, trade-secrets e transferência de know-how, marcas registradas, marketing, distribuição e publicidade.

Este cenário cada vez mais competitivo, devido ao acirramento da concorrência e às mudanças constantes na dinâmica produtiva, tem levado as organizações a buscarem diferenciais. Passou-se de uma realidade organizacional marcada pela racionalização do trabalho e pela execução de tarefas rotineiras para um cenário no qual a produção em massa deixou de ser o diferencial competitivo e a inovação passou a ser o ideal perseguido pelas organizações.

Uma das constatações de que os cenários tem se alterado cada vez mais intensamente pode ser vista, por exemplo, na mudança ocorrida no processo de internacionalização no Brasil. As organizações que sempre buscavam novos mercados no exterior, na última década passaram a procurar, para além das fronteiras, o acesso a novas tecnologias, conhecimentos e recursos de modo a incorporar em seus processos produtivos recursos intangíveis. Esta necessidade, identificada por Fleury e Fleury (2016), está marcada pela preferência de países como a China e a Índia em efetuar aquisições em mercados desenvolvidos, fato que tem impactado as estratégias das organizações brasileiras em suas políticas junto ao mercado internacional.

Verifica-se, também, neste novo século, que o planejamento nas organizações, voltado basicamente para as operações fabris até a década de 1950, se tornou mais institucional, o que tem reforçado a administração estratégica como cada vez mais fundamental à sobrevivência da organização e responsável por atuar na sustentabilidade de posições de mercado (CARDOSO, 2007; ABRAHAMSON, 2006). Este pensamento se alinha ao entendimento de que as organizações são tidas como um sistema de recursos que visa a realização de objetivos (MAXIMIANO, 2008). Neste sentido, a administração de recursos e o desempenho baseado nos conceitos de eficiência e eficácia remetem à necessidade do estabelecimento de planejamento por parte dos altos escalões das empresas.

Entretanto, é necessário pensar a estratégia para além do conceito de um simples plano da alta gerência. A estratégia, conceitualmente, é uma vertente ligada à ação e pode ser definida como o que as organizações pretendem fazer54. Visa à execução de um conjunto de ações no tempo futuro e não é algo estático; pelo contrário, precisa ser remodelada em função de variáveis como o ambiente interno (“o que a organização sabe fazer”), ambiente externo (“o que a organização pode fazer”) e os propósitos da organização (“o que a organização quer ser”), este último sendo permeado pelas definições de visão, missão, posicionamento, princípios e valores (COSTA, 2001).

Este aspecto de dinamicidade da estratégia é fundamental à sobrevivência da organização, que pode estar mais vinculada à flexibilidade e agilidade no enfrentamento de desafios do que a fatores como porte, liquidez, estabilidade ou domínio de mercado (COSTA, 2001). Aqui o tempo também atua de maneira incisiva, “líquido” como denominado por Bauman (2011) e, à medida que o contexto muda, a organização precisa implementar a transformação de sua atitude estratégica.

A implantação de uma gestão estratégica – responsável na visão de Costa (2001) por assegurar o crescimento e a sobrevivência da organização e a capacitar para enfrentar e antecipar mudanças – é planejado, executado e acompanhado pela liderança mais alta da organização. Essa visão é ampliada na perspectiva de Fonseca e Silva (2002, p.107) que,

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Mintzberg et al (2010) apresentam uma revisão das diversas “definições” de estratégia que pode ser entendida como planos e padrões,como futuras (pretendidas) e passadas (realizadas), como deliberadas e emergentes, como posições e perspectivas, e podem se configurar tanto como ações futuras quanto como extração de padrões do passado. Cabe destacar que as estratégias pretendidas nem sempre são realizadas, sendo necessárias algumas adaptações durante sua execução. Nesta pesquisa adota-se o conceito apresentado por Mintzberg e Quinn (2001), que corresponde a um plano que “integra as principais metas, políticas e sequência de ações de uma organização em um todo coerente”.

além de considerarem a estratégia como um fenômeno organizacional único a cargo dos gestores, também apontam que ela é fruto da “dinâmica de interação entre agentes internos e externos, envolvidos por circunstâncias econômicas, sociais e históricas específicas”, se configurando como um fenômeno amplo e complexo “capaz de moldar e de transformar as organizações”. Cabe destacar que o conceito de Administração ligado ao ambiente organizacional pressupõe o processo de tomar decisões sobre objetivos e utilização de recursos abrangendo nesse intento, segundo Maximiano (2008), cinco tipos principais de decisões relacionadas às funções de planejamento, organização, liderança, execução e controle.

A importância da estratégia como uma atividade organizacional – que considera o planejamento das atividades internas e coordenação dos setores com base em uma política da organização – foi abordada por Edith Penrose, em 1959. Para a autora, as decisões estratégicas são definidas pela articulação de planos, recursos, habilidades e capacidades, sendo recursos definidos como um conjunto de serviços produtivos potenciais passíveis de serem recombinados. Alguns estudos posteriores a Penrose (1959) se utilizaram dos conceitos iniciais propostos pela autora e enfatizaram que o desempenho de uma organização55 pode ser explicado pela maneira como são geridos e utilizados os seus recursos e ressaltaram que as decisões estratégicas são determinadas pela organização dos planos e recursos internos.

Esta perspectiva foi consolidada por meio da Visão Baseada em Recursos (resource- based view - RBV56) – teoria explicativa do desempenho superior das organizações amparado na existência de recursos raros, de difícil imitação e valorizados – e que considera que a utilização diferenciada dos recursos disponíveis tanto dentro quanto fora da organização é o fator que pode trazer às empresas uma vantagem competitiva. Esses recursos devem estar

55A abordagem feita por Penrose (2006) é relativa ao conceito de firma, cujo termo é por vezes usado como

sinônimo de organização. Silva e Ferreira (2007) comentam sobre essa similaridade destacando que as firmas são organizações com hierarquia, divisão de trabalho e gerência executiva.

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A Visão Baseada em Recursos (RBV) foi proposta a partir dos trabalhos de Edith Penrose (1959), ampliada por Birger Wernerfelt (1984) e consolidada nos estudos de Jay Barney (1991). Essa visão, que foi aperfeiçoada por Barney em 2007, estabelece que o desempenho superior de uma organização considera as características internas da organização e pode ser explicado pelo modo como seus recursos são gerenciados e utilizados, partindo de duas premissas: a) apenas alguns recursos são capazes de gerar uma vantagem competitiva e b) somente algumas firmas podem fazer isto de forma sustentável. Sobre este tema ver Gonçalves et al (2011) que realizaram um estudo que analisa as duas versões da teoria de Barney com destaque para os modelos criados pelo autor, denominado inicialmente VRIS (Valor, Raridade, Imitabilidade Imperfeita e Substituibilidade), que foi atualizado posteriormente para VRIO (Vantagem competitiva sustentável pela organização).

ligados a algum propósito estratégico e cabe aos gestores explorarem suas potencialidades de forma a destacarem suas organizações no mercado.

Entretanto, tão importante quanto a utilização dos recursos de forma estratégica é a identificação de quais recursos podem gerar para as organizações uma vantagem competitiva sustentável. Na RBV, os recursos são classificados como recursos de capital físico, de capital humano e de capital organizacional. Nestes, cabe destacar o recurso de capital humano – que contempla a capacidade intelectual, de relacionamento, bem como os trabalhadores e os gestores – e a informação, entendida nesta abordagem como recurso. Na perspectiva de Jay Barney mencionada por Gonçalves et al (2011, p. 823), corresponde a “todos os ativos, capacidades, processos organizacionais, atributos, informações e conhecimentos controlados pela firma que permitem conceber e adotar as estratégias que melhorem sua eficiência e eficácia no mercado”.

Esta abordagem da organização e de seus recursos fundamenta a concepção de que a organização é reflexo, não apenas de seus produtos ou serviços, mas principalmente do resultado das potencialidades e restrições de seus recursos e que a gestão estratégica destes pode resultar na geração de valor econômico, sustentabilidade de posições no mercado e vantagem competitiva. Esta perspectiva remete a teoria neoclássica da Administração que se configura numa perspectiva contemporânea de gerenciamento das organizações, fruto da evolução dos cenários sociais e econômicos próprios do final do século XX e deste início de século XXI.