Skinner (1953/2003) defendeu que o emprego da noçã; de personalidade ou de um “eu” seria um subterfúgio para apresentar o que seria um “sistema de respostas funcional m ente unificado”.
Em um a perspectiva funcionalista, um primeiro aspecto a ser considerado ao referirm o-nos à personalidade é a noção de que existe um amplo conjunto de respostas de um indivíduo, apresentadas em diversos contextos, cuja função é a equivalente. Por exemplo: um a pessoa identi ficada como tím ida provavelmente age de m aneira similar em diversos contextos: evita alguns encontros sociais. situações de exposição e eventos nos quais seja o centrc das atenções. Trata-se de um conjunto de ações emitidas em contextos discriminativos específicos e controlados pc: contingências de reforçamento negativo próprios. Prova velm ente, se respostas similares forem apresentadas em diversos contextos, poderemos admitir que haja certa equi valência funcional entre as condições ambientais com as quais o indivíduo interage. Assim, quando alguém afirma que a “timidez” é intrínseca à personalidade de um a pessoa, provavelmente está se referindo a tais classes amplas às com portam entos.
O que é destacado nessa explicação é o papel primordia. exercido pelas interações com o ambiente na determinação do que tipicamente é caracterizado como um traço de perso nalidade. A influência exercida pelo contexto ambiental pode ser percebida quando observamos os diferentes padrões de com portam ento que apresentamos, dependendo do contexto com o qual interagimos. Tanto na clínica quanto na vida com um observamos, por exemplo, pessoas extrema mente “tímidas” na interação com figuras de autoridade e absolutamente “extrovertidas” com amigos próximos e fami liares. A citação de Skinner (1953/2003) a seguir destaca esse aspecto da constituição da personalidade:
“(...) U m a personalidade pode se restringir a um tipo particular de ocasião - quando um sistema de respostas se organiza ao redor de um dado es tím ulo discriminativo. Tipos de comportam ento que são eficazes ao conseguir reforço em um a oca sião A são m antidos juntos e distintos daqueles
eficazes na ocasião B. Então, a personalidade de alguém no seio da família pode ser bem diferente da personalidade na presença de amigos íntim os” (p. 312).
R etom ando o exemplo da tim idez, a rigor, é pouco provável que observemos um a pessoa “tím ida” em todo e qualquer contexto, e quando isso ocorre é um caso no qual a Psicologia e a M edicina redobrarão as atenções.
Ao assumirmos o sistema de relações estabelecidas entre o organismo e o am biente como com ponente ontogené- dco do que se chama de personalidade, defendemos que essas relações consistem em um a extensa e complexa rede de operações comportam entais.
L undin (1969/1972), em sua obra Personalidade: uma
análise comportamental, dedicou-se, em grande parte, ao
estudo do efeito dessas diferentes operações. E evidente, nessa proposta, que a ênfase dada pelo autor encontra-se nos processos de aprendizagem, sejam eles de com porta mentos respondentes ou operantes. Vale destacar que tanto na análise apresentada por Skinner quanto na de Lundin as variáveis do terceiro nível de seleção, a interação com a cultura, ainda são pouco exploradas na conceituação da personalidade. Cada um desses conjuntos de variáveis será explorado adiante neste capítulo.
Em relação aos processos respondentes, L undin (1969/1972) destaca o papel do paream ento entre estí mulos como um a característica im portante. Analisando o m edo como um produto advindo do emparelham ento de eventos neutros com eventos aversivos, o autor apresenta o clássico experim ento realizado por W atson e Rayner, em 1920, conhecido como “o caso do pequeno Albert”: a criança, de 11 meses, que não havia tido contato com um rato, foi exposta a um a espécie mansa e de pelagem branca do animal. As primeiras reações da criança perante o rato foram neutras (sem qualquer m anifestação de esquiva). Em seguida, os experimentadores passaram a apresentar um forte ruído a cada m om ento em que a criança dirigia- se para tocar no animal. Observou-se que, após algumas combinações entre aproximação da criança ao anim al e o barulho intenso, a mesma passou a chorar e apresentar diversas reações típicas de medo quando o animal se apro ximava dela. Além disso, foi constatado que, após esse experimento, o garoto passou a apresentar reações similares diante de estímulos com propriedades físicas semelhantes às do rato branco, tais com o outros anim ais peludos, casacos de pele e até máscara de Papai Noel que portava um a barba branca.
U m a condição com o a apresentada no experim ento, acrescida de outras situações nas quais estím ulos aver sivos são apresentados ju n tam en te com estím ulos até então neutros, p ode desencadear um padrão co m p or tam ental repleto de esquiva de estím ulos com uns e de reações emocionais de m edo bastante estranhas para as outras pessoas. Imaginemos, ainda, que um a série de rela ções de reforçam ento de respostas operantes seja estabele cida, como, por exemplo, a atenção dos pais contingente às reações de m edo da criança. Facilmente se supõe o desen volvimento daquilo que se chamaria de um a criança cuja
personalidade é evitativa. Entretanto, dois pontos centrais
devem ser discutidos a partir desses exemplos: em primeiro lugar, essa criança não trouxe em sua “estrutura” o medo de certos estím ulos “neutros” — em lugar disso, obser vamos um am biente propício para o desenvolvimento do problema, já que apresentou dois estímulos (um neutro e outro aversivo) juntos. O que provavelmente ela carrega é a sensibilidade (cujo limiar é determ inado filogenetica- m ente) para reagir perante alguns estímulos (tais como ruídos fortes) que, ao serem associados a estímulos neutros, expandem sua determinação de respostas a esses novos estí mulos. C unninghan (1998) chega a afirmar que:
“Um dos mais intrigantes aspectos do condicio nam ento pavloviano é a habilidade adquirida do Estím ulo Condicionado (CS) eliciar ou controlar um a nova resposta na ausência do Estím ulo In condicionado (US) previamente associado ao CS. Essa alteração nas propriedades funcionais do CS (...) ilustra um a notável adaptação às condições am bientais (...) que m ud am rapidam ente, diria Skinner” (p. 520).
Em segundo lugar, dadas as condições adequadas e a introdução de procedim entos corretos, a m esm a criança poderia deixar de apresentar as reações de medo, por um processo de extinção do pareamento. Esse processo dar-se-ia, no caso do pequeno Albert, à apresentação continuada do rato branco sem o concomitante ruído alto, e sem que lhe fosse possível escapar ou evitar o rato branco. Esse proce dimento, mais tarde, veio a ser denominado Exposição com
Prevenção de Respostas, e é uma das técnicas mais utilizadas na
literatura para o tratamento de transtornos de ansiedade. E m relação à ap re n d iza g e m o p e ra n te , L u n d in (1969/1972) dedica um a generosa parte de sua obra analisando os efeitos dos diversos esquemas de reforça m ento envolvidos na composição dos padrões com por tam entais. Este capítulo não tem o objetivo de esgotar
150 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento
o assunto, porém consideram os interessante desta carmos como alguns processos, desenvolvidos a partir de esquemas de reforçamento específicos, podem desencadear as chamadas “personalidades”. Para isso, apresentamos a seguir alguns exemplos apresentados p o r L undin, refe rentes aos esquemas de intervalo fixo, razão fixa, intervalo variável e razão variável.
Os esquemas de intervalo fixo produzem a discrim i nação tem poral, como um a das principais características. São exemplos desse esquema: ligar a televisão na hora do noticiário, trabalhar por um salário, m uitas vezes, após um tem po fixo de trabalho (1 hora, 1 semana, 1 mês etc.), engajar-se em atividades ligadas a estudo nas vésperas de provas, e a criança m ostrar-se obediente às vésperas do final de semana prolongado, no qual poderá ser recom pensada pelo “bom com portam ento”. Em linhas gerais, apresenta-se como efeito do esquema de intervalo fixo a cham ada “tolerância à frustração” (Lundin, 1969/1972), ou seja: o sujeito aprende que é inócuo apresentar respostas específicas, antes de um determinado tem po - não adianta pedir o salário antes de fechar o mês, ou pedir para ir ao clube nadar antes que chegue o final de semana. E também típico desse esquema o “deixar para a últim a hora”, como o entregar o trabalho ou a declaração do imposto de renda no últim o prazo.
O s esquemas de razão fixa tendem a produzir alta frequência de respostas e o reforçam ento é liberado de acordo com o responder, indepen d entem en te de certa passagem de tem po. É o caso do artesão que ganha por peça produzida ou do trad u to r que ganha p o r lauda. Tal esquema, especialmente quando instalado por meio de contingências de aum ento gradual da razão, tende a p roduzir um tipo de com portam ento relacionado com o que chamamos com um ente de sujeito “batalhador” ou “determ inado” ou “autoexigente”.
Por seu tu rn o , os esquemas de intervalo variável trazem com o característica a estabilidade do responder. Lundin (1969/1972) oferece como exemplo o trabalho do pescador, que nunca sabe exatamente quando conseguirá fisgar o peixe e permanece continuamente atento aos movi m entos que a linha ligada à sua vara de pesca apresenta. Lembramos, também, do vendedor de loja, que aguarda os fregueses, que poderão ou não adquirir os produtos por ele oferecidos. O autor refere-se a esse esquema como aquele responsável pela persistência do “co n tin u ar ten tan d o ”, apesar dos insucessos.
O s esquem as de razão variável produzem u m alto e co n tín u o padrão de responder. L u n d in (1969/1972)
indica o jogador de bingo com o u m exemplo: quanto mais jogar, m aior a chance de o jogador ganhar, mas não há predefinição sobre quando o reforço será apresentado. U m típico caso no qual se observa um esquema de razão variável em operação é a criança que aprendeu a insistir nos pedidos para conseguir algo da mãe (“água mole, pedra dura, tanto bate até que fura”). Tal padrão é reconhecido por estabelecer a chamada “persistência” ou mesmo o jogar considerado patológico.
É im portante salientar que Lundin (1969/1972) apre sentou em sua obra um a série de explanações sobre comc tais esquemas se entrelaçam, como a extinção opera em cada um deles e estabelece um padrão específico de responder bem com o m uitas outras operações co m p o rtam en tal (como aquelas relacionadas com o controle de estímulos contribuem para o entendim ento daquilo que se chama norm alm ente de personalidade. Entretanto, além dessa; operações e esquemas de reforçam ento envolvidos na; histórias comportamentais, há que se considerar a interação do indivíduo com um a com unidade verbal. Essa comuni dade exerce funções importantes ao ensiná-lo a olhar para : seu próprio comportam ento, descrever, analisar, avaliar sua experiência e sua história, comparar com outras historiai bem como prever relações futuras, aspectos que envolve- um a instância em inentem ente verbal da interação com ambiente (Wilson, Soriano, 2002).