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C om o citado no início do capítulo, é im portante sabermos como o outro se sente em relação ao que dizemos e fazemos, pois tais informações possibilitam um melhor relacionamento com as pessoas. Mas, se o que um a pessoa sente é um a estimulação privada, à qual não temos acesso direto, como podemos saber de seus sentimentos? Embora algumas vezes um sentimento seja demonstrado por algum com portam ento público, como um sorriso ou um choro, por exemplo, dificilmente esses com portam entos são sufi­ cientes para sabermos o que se passa dentro da pele de um a pessoa. U m choro pode significar tanto dor quanto raiva, frustração, angústia, medo, e, para algumas pessoas, alegria. Por conta disso, nossa sociedade passou a utilizar outra fonte de informação sobre o que se passa dentro do outro: o relato verbal (Skinner, 1974).

Falar sobre os sentim entos é com portam ento verbal, sob controle operante (Skinner, 1987). Desde o m om ento em que começamos a falar, somos ensinados a descrever o m undo à nossa volta. Esse tipo de aprendizado é fácil, pois se refere a eventos públicos, ou seja, acessíveis a todas as pessoas. Por exemplo, a mãe de um a criança aponta para um brinquedo e diz “dado”, e esta palavra é repetida pelo filho. Em outro m om ento, a criança diz “dado” e a mãe pega o dado para ela. Esse tipo de situação se repete com um a série de objetos e situações. Mas como se ensina um a criança a descrever os eventos privados, já que não temos acesso direto a eles? Skinner (1945/1961; 1957/1978) sugere que há, no m ínim o, quatro maneiras pelas quais a nossa com unidade verbal pode produzir com portam ento verbal sob controle de eventos privados, ou seja, o relato dos próprios sentim entos e pensamentos.

Um a maneira de se ensinar a relatar um evento privado seria m odelar este relato a partir de um a resposta pública com um ente produzida (de maneira reflexa) por jum estí­ m ulo exclusivamente privado. Por exemplo, quando

um a criança pequena franze o rosto ao m esm o tem po que coloca as mãos sobre a barriga, sua mãe pergunta: "Sua barriga está doendo?” e oferece u m remédio espe­ cífico ao filho. Essa “dor de barriga” foi inferida a partir das respostas colaterais da criança à sensação de dor. Tais respostas são reflexas e, por isso, não precisam ser ensi­ nadas a um indivíduo com desenvolvimento típico. Porém, nada garante que haja um a correspondência precisa entre seu relato verbal, baseado em um a inferência da mãe, e o que a criança sente. Considerem os que, desta vez, a criança sentia dor na barriga e que o remédio fez essa dor cessar. Se esse tipo de situação se repetir algumas vezes, em determinado m om ento, diante de um a dor semelhante, a criança poderá dizer “M inha barriga dói!”. Novam ente a mãe lhe dará o remédio, que levará ao alívio da dor. Nesse ;egundo m om ento, a sensação de dor já poderá ter adqui­ rido um a função de estímulo discriminativo para a criança, o que equivaleria a dizer que ela aprendeu a relacionar aquelas sensações a u m com portam en to específico, no caso a resposta verbal de dizer “M inha barriga dói!”. Essa "relação” se estabeleceu porque esta fala foi sendo cons­ tantem ente apresentada pela mãe diante da dor, seguida rei a medicação e o alívio da mesma. Em outras palavras, estabeleceu-se um a contingência de reforço na qual dizer "M inha barriga dói!” quando sente dor é recompensado pelo alívio da dor. Assim, o estím ulo “d o r na barriga” passou a ser estímulo eliciador para a reposta de colocar a mão na barriga e franzir o rosto (comportamentos reflexos) e também estímulo discriminativo para a resposta operante verbal de dizer “M inha barriga dói!”.

O utra maneira de ensinar o relato de um evento privado, semelhante à primeira, é m odelar este repertório a partir de um evento público antecedente. Podemos ensinar um a criança a dizer “Está doendo!” sempre que ela cortar a pele de alguma maneira, por exemplo. Esse ensino acontece de modo semelhante ao descrito anteriormente: ao cortar um dedo ou ralar o joelho, a criança tem um a série de respostas privadas, dentre elas a dor. Nesse caso, a mãe não precisa ver o filho chorar para concluir que ele se m achucou. Ela vê o corte e pergunta “Está doendo?”. A criança, então, diz que sim e recebe os cuidados da mãe. Em pouco tem po, esta criança estará relacionando o m achucado na pele e as sensações por ele provocadas com a resposta verbal “Está doendo!”. Assim, o corte e as sensações privadas que o acom panham passam a ser estímulos discriminativos para ralar sobre a dor e receber os cuidados da mãe. Assim como na situação anterior, nesta tam bém não há garantias de que o relato ensinado tenha correspondência precisa com

o que foi inferido. A m ãe não tem acesso às sensações de seu filho, de m odo que o que ela cham a de dor não necessariamente equivale ao que ele sente e está apren­ dendo a denom inar “dor”. Além disso, a m aneira como a mãe da criança foi ensinada a descrever sua própria dor é que determ inará como ela ensinará o filho a descrever o que sente. Digamos que esta mãe fosse do tipo que só fala sobre “dor” quando o filho chora, dizendo algo como “Não foi nada!” em outras situações. Provavelmente, seu filho aprenderá a relatar apenas estímulos mais intensos como sendo dolorosos para receber os cuidados necessá­ rios. Caso a criança esteja privada de atenção, por outro lado, pode aprender a chorar após um pequeno tropeço, conseguindo a atenção e os cuidados da mãe, sem neces­ sariam ente estar sentindo m uita dor. C om o se trata de um evento privado, apenas um a sistemática observação do com portam ento da criança e de sua interação com a mãe poderia dizer qual a função do choro, mas ninguém poderia dizer se ela sentiu ou não dor.

O u tra m aneira de descrição de eventos privados é recorrer ao uso de metáforas em vez de recorrer aos eventos privados em si. C om o isso pode ser feito? Ensinando a pessoa a em itir relatos verbais a p artir de propriedades comuns entre um estímulo público e o estímulo privado. Q uando aprendemos a dizer “M eu estômago está em bru­ lhado”, estamos falando de um evento privado, fazendo uso de um a propriedade típica de um evento público (no caso, o em brulho). Esse aprendizado se dá de m aneira semelhante aos exemplos que acabamos de descrever.

A quarta possibilidade descrita por Skinner (1957/1978), pouco usada em nossa cultura, é aprenderm os a relatar o que sentim os sem necessariam ente term os que nos rem eter aos nom es dos sentim entos. U m a m aneira de relatar o que sentimos é descrevendo a situação que, em geral, provoca a condição sentida ou ainda simplesmente descrevendo possíveis ações. Por exemplo, em vez de dizer “Corri porque fiquei com m edo”, a pessoa poderia dizer: “Eu saí correndo quando vi o assaltante”. Desse m odo, aprenderíam os a descrever ou relatar nossos com porta­ mentos e as possíveis variáveis responsáveis por eles. Nesses casos, os comportam entos descritos (e não os sentimentos) tornam -se estím ulos discrim inativos para a emissão da resposta de relatar. Esse tipo de relato traz a vantagem de que, ao descrever os prováveis eventos causais do com por­ tam ento, torna-se mais provável a atuação sobre o mesmo em caso de necessidade de modificação desse padrão. N a verdade, grande parte do trabalho do analista do com por­ tamento dentro da situação clínica refere-se ao ensino dessa

94 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento

habilidade ao cliente, colocando o com portam ento dele sob controle discrim inativo das variáveis das quais seu com portam ento é função.

Independente de como um a pessoa aprendeu a falar dos seus sentimentos, dizer o que está sentindo nem sempre é suficiente para que o outro saiba o que ela realmente sente. Isso acontece justam ente porque a palavra usada por um a pessoa para designar seu sentim ento foi aprendida a partir da inferência de outra pessoa, que, além de não ter acesso ao que era sentido, tem um a história de treino específica de relatar sentimentos. Além disso, m uitas vezes a diferença entre certos sentimentos é tão sutil que se torna difícil ser com preendido pelo outro. Por exemplo, o que diferencia tristeza de angústia ou frustração? Essas diferenças sutis são as mesmas para cada pessoa? As próprias palavras utili­ zadas para nom ear os sentimentos foram criadas, segundo Skinner (1989/1991), com o metáforas. Ao falarmos de agonia, estamos geralmente descrevendo um a forte dor. O significado original dessa palavra é “esforço ou luta corpo a corpo”. Provavelmente esse nom e foi dado àquele senti­ m ento devido à semelhança entre ele e as sensações decor­ rentes de um grande esforço ou de um a luta.

Com o a maneira pela qual um a pessoa relata seus senti­ mentos depende desses diversos fatores citados, o analista do com portam ento não se preocupa com o nom e que a pessoa dá ao que sente, mas sim com os eventos relacionados com o sentimento descrito. Um analista do comportam ento não irá se preocupar se o que o cliente chama de angústia é o mesmo que ele mesmo aprendeu a denom inar angústia, ou é algo mais parecido com o que ele denom ina tristeza ou frustração. Para o analista do com portam ento, os nomes dados aos sentimentos não são essenciais para a análise e, por isso, ele buscará identificar variáveis ambientais relacio­ nadas com tais sentimentos. É a compreensão da função dos comportamentos do cliente que torna possível ao analista do comportam ento atuar sobre o ambiente de modo a reduzir, eliminar ou ensinar o cliente a eliminar o sofrimento.

P O R Q U E O Q U E EU S IN T O

É D IFE R E N T E D O Q U E

O O U T R O SENTE?

A gora que foi descrito com o aprendem os a relatar nossos sentim entos, não é mais tão difícil entenderm os por que, às vezes, é tão complicado fazer com que o outro entenda o que se passa em nosso interior. É pouco provável que o que um a pessoa chama de amor, p o r exemplo, seja

exatam ente a m esm a coisa que o u tra pessoa denom ina amor. O mesmo vale para os outros sentimentos e, mais ainda, para as causas dos mesmos. Quantas vezes tentamos, sem m uito sucesso, fazer com que o outro com preenda as razões pelas quais estamos tristes com algo que esse outro fez? Isso pode acontecer mesm o quando sabemos dizer com certa exatidão as causas do sentimento. Por que, então, a outra pessoa não nos entende? C ertam ente, há um a explicação para isso.

Já apontam os neste capítulo que boa parte dos eventos ambientais que eliciam as respostas emocionais o fazem a partir de um a história de condicionam ento. Cada pessoa tem um a história única de condicionam ento respondente e operante diferente das demais pessoas. Isso implica que eventos am bientais diferentes produzem determ inado sentim ento em indivíduos diferentes. E n q u an to um a pessoa sente m u ita raiva porque o nam orado se atrasou 15 m inutos para o jantar, outra pessoa pode não se inco­ modar. E nquanto alguém se sente contente com a proxi­ midade de seu aniversário, outra pessoa fica extremamente triste po r estar ficando mais velha. Q uerer que o outro compreenda nossos sentimentos é o mesmo que exigir que ele conheça toda a nossa história de condicionam ento, as quais nem nós mesmos conhecem os com pletam ente. É claro que certo grau de compreensão nesse sentido sempre existe, mas sem pre haverá divergências em decorrência das diferentes histórias pessoais. Isso não invalida, entre­ tanto, a im portância de relatarmos nossos sentimentos, pois, mesmo sendo imprecisa, a descrição do que sentimos dá indícios im portantes para a identificação das variáveis responsáveis por nosso com portam ento (Skinner, 1974).

DESCRIÇÃ O DE ALGUNS