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O turismo em espaço rural em Portugal: entre idealizações e realidades

Capítulo 3. O Turismo enquanto estratégia de Desenvolvimento Rural

3.3. O turismo em espaço rural em Portugal: entre idealizações e realidades

Anteriormente referimo-nos aos potenciais contributos do turismo para o desenvolvimento dos espaços rurais, os quais têm estado na base das aspirações das políticas europeias para as áreas rurais desfavorecidas, visão partilhada aos mais diversos níveis políticos, incluindo ao nível nacional e local. Como refere Balabanian (1999), “quando não sabemos mais o que fazer por uma região rural frágil, quando o êxodo populacional parece inexorável, quando tudo o que podemos imaginar, como apoio à agricultura e aos agricultores parece ineficaz, um recurso aparentemente sempre fácil: o turismo verde – i. e. o turismo integrado nos espaços e nas sociedades rurais” (in Figueiredo, 2003b: 73). É esperado que uma nova procura composta por consumidores ávidos de um rural idealizado bem longe (no meio do stress da vida urbana) venha “sustentar novas e velhas actividades, travar as partidas, induzir e justificar investimentos em infra-estruturas e equipamentos, evitar a desertificação humana, a degradação das paisagens do passado recente61,

a perda de saberes e tradições” (Cavaco, 2003: 197).

Aquela parece ser a preferência dominante na classe política, bem ilustrada, ao nível local (no contexto nacional), pelo estudo de M. Ribeiro (2003), no qual “as visões optimistas dos autarcas sobre os contributos do turismo para o futuro dos seus concelhos, mais do que integrarem opções estratégicas fundamentadas, parecem transmitir uma espécie de “rendição” perante os cenários pessimistas, complicados, sem saídas, que lhes resultam das leituras que fazem do passado e do presente destes territórios” (Ribeiro, 2003a: 46). Mas estas percepções do turismo enquanto “tábua de salvação”, ou de última esperança, são geradoras de algumas “inquietações” pela possível parcialidade por parte de tais agentes na hora de apreciar projectos turísticos, colocando- os em posições de fragilidade perante eventuais pressões por parte dos investidores (Ribeiro, 2003a: 46, 47).

Tais visões idealistas dos benefícios do turismo enquanto estratégia de desenvolvimento, para além de nem sempre corresponderem à realidade, chegam mesmo a escamotear alguns perigos ou impactos negativos a que aquela estratégia sujeita algumas regiões rurais onde é implantada. Efectivamente, tal como alguns estudos sugerem, a uma tal “panaceia” pode corresponder um “reverso da medalha” que inclui alguns malefícios (in Canoves et al., 2004; OCDE, 1994):

ƒ Impactos ambientais: o turismo localizado em ambientes sensíveis pode constituir uma ameaça, pelo afluxo elevado de turistas e actividades potencialmente danosas;

ƒ Ameaças sócio-culturais: o turismo pode actuar como elemento “catalisador no processo global de aculturação, sendo as comunidades rurais particularmente sensíveis a influências exteriores” (Canoves et al., 2004: 756);

ƒ Inflação no mercado habitacional e no preço dos bens e serviços, pela competição por recursos;

ƒ Uma grande parte dos negócios turísticos é detida por não locais: pessoas eventualmente menos sensíveis às tradições e arquitectura locais e com tendência a recorrer a fornecedores exteriores à região, etc.

ƒ Congestão no tráfego: problemas de estacionamento, sobrecarga nos serviços de emergência, etc., que provocam a perda da atractividade do destino;

ƒ Baixo envolvimento de agentes locais no planeamento, controlo e gestão do turismo: menos benefícios para os habitantes locais e menos motivação para um bom acolhimento turístico. No entanto, tal como referem diversos estudos, aqueles perigos do turismo não produzem sempre o mesmo impacto, dependendo do volume de turistas, das actividades praticadas e da robustez

local em termos ambientais e culturais (Canoves et al., 2004). Em Portugal, de uma forma geral o problema essencial é um outro, bem diferente, traduzindo-se no facto de o afluxo de turistas às zonas rurais ser ainda muito reduzido, tal como revelam as taxas de ocupação apresentadas no ponto anterior.

Aquele problema é, aliás, uma realidade em muitos espaços rurais da Europa. Tal como refere Cavaco (2003) “os espaços rurais, nas áreas de polarização de fluxos turísticos ou nas áreas emergentes, são espaços baços, fracos, quase sem significado, salvo os que estão próximo do litoral, os de montanha média ou os valorizados por equipamentos de lazer importantes (…). A sua atracção é mais forte no turismo interno, em que pesa a idealização e o retorno às origens (…), a afirmação algo snobe de um certo ecologismo e etnologismo” (Cavaco, 2003: 196). Refira-se que o “consumidor” daqueles espaços, tal como o confirmam diversos estudos, sendo um viajante “experimentado”, “abastado” e “educado” (in Ribeiro & Marques, 2002: 217), é também “conhecedor e exigente” (Cavaco, 2003: 197). Ora estes aspectos remetem para um outro fundamental, que se refere a “uma certa selectividade espacial e social: o turismo não é uma panaceia para todo e qualquer espaço rural e toda e comunidade rural que teime em nele residir” (Cavaco, 2003: 197).

A propósito do atrás referido é importante clarificar uma questão essencial em qualquer destino turístico, logo também em destinos rurais: referimo-nos à noção de atractividade turística. Segundo Mayo e Jarvis (1981), “a atractividade de um destino reflecte os sentimentos, convicções e opiniões que um indivíduo possui acerca da capacidade do destino em proporcionar-lhe satisfação em relação às suas necessidades de viagem”62 (in Yangzhou & Ritchie, 1993: 25).

Donde, quanto maior a sua convicção de que um determinado destino lhe satisfará as suas necessidades de viagem, maior a probabilidade de tal região ser eleita a destino de viagem (Yangzhou & Ritchie, 1993). Stwart e Var (1974) sistematizaram em 5 categorias o conjunto de atributos relevantes na atractividade de uma região: factores naturais, sociais, culturais (incluindo históricos), recreacionais (incluindo compras) e infra-estruturais (alojamento, alimentação, etc.)63 (Yangzhou & Ritchie, 1993: 26). No entanto, diversos estudos permitem concluir que apesar de existirem alguns atributos com uma importância quase universal, como por exemplo, a “beleza natural e o clima” (Gearing, Stwart e Var, 1974 in Yangzhou & Ritchie, 1993), existe uma grande variabilidade de factores que influenciam a importância de cada atributo (Yangzhou & Ritchie, 1993). Uma vez que a atractividade está associada a sentimentos, convicções e opiniões, esta dependerá naturalmente de factores inerentes às próprias características do turista, aspectos quase obrigatórios em qualquer estudo de segmentação de mercado. No entanto, Yangzhou e Ritchie (1993) referem que a importância dos atributos de atractividade é também influenciada por questões como a familiaridade do turista com o local e o contexto da visita. Sendo, no primeiro caso, essenciais, por exemplo, o conhecimento que o turista possui sobre o destino e experiências de viagem anteriores e, no segundo caso, variáveis situacionais, como, o tipo de viagem ou férias (Yangzhou & Ritchie, 1993).

Aquele conceito torna-se essencial na compreensão do processo de passagem de uma região a destino turístico. E do exposto é perceptível a complexidade de tal processo. No entanto, e em particular em destinos rurais, a sua análise nem sempre é isenta e objectiva, ou é apenas negligenciada, especialmente pela classe política, particularmente ao nível local, como o demonstra o estudo de Ribeiro (2003) realizado entre 1999 e 2003, junto dos presidentes de Câmara da região de Trás-os-Montes e Alto-Douro. Com efeito, na maioria das respostas dos autarcas aos inquéritos realizados, “nenhum concelho” era “considerado falho ou pobre em atractivos turísticos, tanto em quantidade como em qualidade” (Ribeiro, 2003a: 47). Reportando-se os principais atractivos referenciados a recursos “primários” ainda existentes pela marginalização a que tais espaços têm sido votados, tendo por isso sido “poupados (…) aos estragos do desenvolvimento” (Ribeiro, 2003a: 49). Tal como refere Ribeiro, parece permanecer a “confusão” entre recurso e “produto turístico” e uma certa incapacidade em transformar um no outro (Ribeiro, 2003a: 50).

62 Traduzido

Ciente da impossibilidade de todos os espaços rurais poderem ser bem sucedidos no seu desenvolvimento, recorrendo ao turismo rural como estratégia, a OCDE (1994), aponta 6 factores importantes normalmente presentes em áreas rurais bem sucedidas em termos turísticos. Factores que, tal como também refere, não são exclusivos e podem não permanecer no futuro, logo também não podem ser encarados como uma receita para o sucesso:

ƒ valor cénico do espaço: montanha, lagos, rios, floresta, etc. ƒ activos especiais de vida selvagem;

ƒ activos culturais: edifícios/aldeias/vilas e cidades locais históricos;

ƒ infra-estruturas de animação desportiva: pesca, caça, sky, equitação, etc. ƒ boas acessibilidades;

ƒ efectivas capacidades de promoção e gestão.

No contexto nacional, já o referimos, aqueles aspectos tendem a ser muitas vezes ignorados e nas últimas 2 a 3 décadas, o turismo rural tem sido a aposta de eleição para o desenvolvimento da maioria dos espaços rurais, onde se tem investido largas somas de fundos públicos (em especial europeus) com vista a incentivar aquela via de diversificação económica. Para se perceber em que medida tal investimento tem vindo a ser profícuo, é útil recordar o estudo conduzido por Ribeiro e Marques (2002), na Peneda-Gerês e Douro, onde se procurou avaliar o impacto do turismo em três aspectos: o emprego; o rendimento; e a agricultura e as famílias de agricultores (Ribeiro & Marques, 2002).

Com a perda de importância da actividade agrícola nas áreas rurais, a geração de alternativas de emprego tem vindo a ser apontada como central na contenção do despovoamento. Ora tendo em consideração os potenciais benefícios do turismo a este nível64, esta tem sido uma das razões na base da aposta no turismo rural. No entanto, a evidência empírica demonstra que o real contributo do turismo com vista àquele objectivo, é no nosso país bastante modesto. Conforme referem Ribeiro e Marques (2002), estudos realizados nos últimos anos demonstram que em média cada unidade de TER cria apenas “dois novos postos de trabalho, sendo apenas um destes remunerado” (Ribeiro & Marques, 2002: 216). Acresce que os postos de trabalho gerados são “mal remunerados, não especializados e com poucas oportunidades de carreira” (Ribeiro & Marques, 2002: 216). Estes aspectos podem ser justificados pela sazonalidade da actividade que redunda ainda na precariedade do emprego, o qual tende a ser temporário, concentrado na época alta (Canoves et al., 2004; Ribeiro & Marques, 2002).

Outro dos argumentos utilizados pela “retórica” canonizadora do turismo rural respeita ao seu poder redistributivo, o qual possibilitará a transferência de rendimento das zonas mais ricas e desenvolvidas (urbanas) para as zonas mais pobres (rurais) (in Ribeiro & Marques, 2002: 216). Este argumento é também sustentando pelo perfil do turista apreciador das áreas rurais, que, tal como já o referimos, estudos demonstram ser educado e abastado (Ribeiro and Marques 2002). No entanto, também a este nível, a evidência empírica demonstra ser baixo o poder redistributivo do turismo. Apesar do superior poder aquisitivo do turista em meios rurais, a despesa turística média tende a ser inferior à despesa turística média nacional (Ribeiro & Marques, 2002). A este respeito importa destacar que a despesa afecta à alimentação e bebidas é inferior a dois terços da média nacional, o que é significativo, já que a gastronomia é normalmente considerada um dos grandes atractivos do turismo rural (Ribeiro & Marques, 2002). Segundo Ribeiro e Diniz (1995 e 1998), este fenómeno estará relacionado, não com a falta de desejo dos turistas em gastar, mas com a incapacidade das regiões em oferecer-lhes com que o fazer (in Ribeiro & Marques, 2002). Ribeiro e Marques (2002) destacam ainda o facto de a agricultura ser habitualmente encarada como um dos grandes atractivos dos espaços rurais mais marginalizados, pela riqueza da paisagem que modela e pelo seu papel na criação de uma gastronomia local diferenciada. Aspecto que coloca as famílias agrícolas no papel de responsáveis por importantes atractivos turísticos daqueles espaços. No entanto, segundo aqueles autores, estes agentes não têm sido integrados nas políticas de incentivo ao turismo em espaço rural, já que as elevadas exigências legais, seja ao nível dos padrões arquitectónicos estabelecidos, da qualidade das acomodações a

que obriga, ou das características exigidas em termos de serviço de acolhimento (ex. conhecimento de línguas, da história local, etc.), tendem a favorecer as famílias da antiga nobreza ou burguesia, em geral detentoras dos melhores imóveis e habilitações académicas (Ribeiro & Marques, 2002). Com efeito, resultados de diversos estudos caracterizadores do perfil dos promotores do TER parecem confirmar tais observações, já que na sua maioria aqueles apresentam habilitações académicas superiores, a principal fonte dos seus rendimentos é externa à actividade turística e uma das principais motivações geralmente apontadas para ingressar na actividade turística é a recuperação de imóveis, geralmente herdados, carecidos de grandes investimentos para sua conservação (in Ribeiro, 2003; Ribeiro & Marques, 2002; G. Silva, Edwards, & Vaughn, 2003; L. Silva, 2006).

Assim, como destaca Ribeiro “por via dos apoios ao investimento que tem merecido e absorvido, o TER tem inequivocamente representado uma solução muito efectiva para a recuperação de um património arquitectónico e histórico do país”, no entanto, no plano empresarial, os seus efeitos são bem menos visíveis, donde, é legítimo afirmar-se, que “os benefícios privados do TER ultrapassam os que dele decorrem em termos sociais” (Ribeiro, 2003). Segundo a autora, argumento aliás partilhado por outros, o fraco desempenho do TER poderá, em boa parte, ser justificado pelas características socioeconómicas dos seus proprietários, muitas vezes pouco motivados para uma dinamização de um projecto turístico numa perspectiva empresarial (Ribeiro, 2003).

Aquela filtragem efectuada pela legislação vigente, ao segregar a maior parte da comunidade rural (famílias de agricultores)65 dos incentivos ao turismo, poderá ainda contribuir para alimentar o

divórcio entre as populações locais e o turismo. Com efeito, o turismo não beneficiando de forma clara os habitantes locais poderá exacerbar o conflito que ressalta no estudo de Figueiredo (2003), no parque natural de Montesinho e Serra da Freita: para os turistas o espaço rural (natural) é uma “amenidade” a preservar, num contexto de desfrute de recreio e lazer; e, para as populações rurais, o espaço é acima de tudo um “espaço de vida”, com o qual mantém uma relação utilitária (Figueiredo, 2003c: 160, 161). Tais diferenças remetem novamente para o contexto legal, onde para os turistas as leis conservacionistas são essenciais e para os habitantes são um obstáculo ao desenvolvimento.

Daquele conflito parece resultar uma subordinação do rural ao urbano66 e uma decisiva influência deste na “formação” do rural, perpetuando naquele a sua “representação” simbólica de “ruralidade, nem sempre de acordo com a realidade dos territórios rurais” (Kastenholz & Figueiredo, 2007: 8). “Os lugares comercializados passam (…) a oferecer o mesmo (ou muito semelhante) tipo de produtos típicos e genuínos aos visitantes e este processo é actualmente quase universal nas nações mais desenvolvidas” (Butler et Hall (1998) in Figueiredo, 2003b). Ao contrário do que seria desejável para permitir aos espaços rurais assentarem o seu desenvolvimento nas suas reais valias e factores onde podem e devem ser competitivos.

De tudo o atrás referido, e tendo em vista a diversificação económica e o desenvolvimento rural, fica clara, uma vez mais67, a necessidade se proceder a uma “integração e (…) articulação de

estratégias variadas distribuídas por múltiplos domínios” (Ribeiro, 2003: 203) e actores, envolvendo a comunidade local “da forma mais abrangente possível” de modo a alcançar também o desenvolvimento económico local (Kastenholz & Figueiredo, 2007: 18).

Cientes da necessidade de uma actuação globalizante e integradora com vista ao desenvolvimento efectivo das regiões rurais, com a presente investigação procurámos aprofundar (apenas) uma vertente possível de integração de abordagens, ao procurar conhecer as possibilidades e benefícios da ligação entre as estratégias: Turismo em Espaço Rural e Produtos Agro-alimentares Regionais locais.

65 Contrariamente ao defendido à luz das mais recentes correntes teóricas de desenvolvimento (ver capítulo 1). 66 Na medida em a maior parte dos turistas rurais são originários das cidades.

Capítulo 4. Ligar os Produtos Agro-alimentares Regionais e o