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O uso da melhor informação disponível como disfarce da discricionariedade

No documento O interesse público no antidumping (páginas 40-48)

I. ASPECTOS FUNDAMENTAIS SOBRE O INTERESSE PÚBLICO NO ANTIDUMPING

1.1.4 As críticas mais freqüentes

1.1.4.3 O uso da melhor informação disponível como disfarce da discricionariedade

67 Mais sobre ameaça, ver CLOSE, Patricia. The ABCs of discretion in antidumping injury decisions. International Trade and Regulation, v. 13, n. 5, 2007, p. 104-108.

68 Mexico - Corn Syrup, WT/DS132/R. As autoridades mexicanas cometeram um erro ao não avaliar o impacto das importações sobre a indústria doméstica e, além disso, ao não examinar e considerar todos os aspectos do art. 3.4 do Acordo Antidumping.

69 United States — Investigation of the International Trade Commission in Softwood Lumber from Canada, WT/DS277/AB/RW, 13 de abril de 2006.

70 3.7. A determinação de ameaça de dano material deverá basear-se em fatos e não meramente em alegações, conjecturas ou possibilidades remotas. Mudanças circunstanciais capazes de gerar situação em que o dumping causaria dano devem ser claramente previsíveis e iminentes 10. Na determinação de existência de ameaça de dano material, as autoridades deverão considerar, inter alia, os seguintes fatores: (a) significativa taxa de crescimento da disponibilidade no mercado interno de produtos importados a preços de dumping, indicativa de provável aumento substancial nas importações; (b) suficientes quantidades disponíveis ou iminente aumento substancial na capacidade do exportador que indiquem a probabilidade de significativo aumento das exportações a preços de dumping para o mercado do Membro importador, considerando-se a existência de outros mercados de exportação que possam absorver o possível aumento das exportações; (c) se as importações são realizadas a preços que terão significativo efeito em deprimir ou suprimir preços internos e que provavelmente aumentarão a demanda por novas importações; (d) estoques do produto sob investigação. Nenhum desses fatores tomados isoladamente poderá fornecer orientação decisiva, mas a totalidade dos fatores considerados deverá necessariamente levar à conclusão de que mais importações a preços de dumping são iminentes e que, a menos que se tomem medidas de proteção, ocorrerá dano material. (RUIZ FABRI, Hélène ; MONNIER, Pierre. Chronique du règlement des différends 2005-2006. Journal du Droit International, juilet-aout-septembre 2006, p. 1237.)

41 O artigo 6.871 e o Anexo II do Acordo Antidumping autorizam o país investigador a fazer uso dos fatos disponíveis (facts available), também chamados de “melhor informação disponível”. Esta hipótese está limitada aos casos em que a parte se recusa ou, de outra forma, não oferece acesso à informação necessária, em um período razoável de tempo, ou quando a parte significativamente impede a investigação. Isso significa que a autoridade poderá usar as informações de que dispõe até aquele momento, ou as informações fornecidas pela indústria doméstica quando da elaboração da petição, para formular suas conclusões.72

O volume de informações requerido pelas autoridades nacionais geralmente é muito grande, sendo necessário que a parte interessada, seja ela o importador ou o exportador, tenha incentivos para fornecer o que lhe é solicitado. Um bom incentivo é a expectativa de que suas informações irão alterar o panorama da investigação, em seu favor. Da mesma forma, se constatado que a melhor informação disponível é mais benéfica do que a informação que poderiam apresentar, as partes deixarão de apresentar qualquer dado real.73

Se o não fornecimento significa que a autoridade pode fazer uso da informação da indústria doméstica, que, por sua vez, está interessada na aplicação de medidas antidumping, é esperado que os importadores e exportadores temam esta opção. A indústria doméstica colecionará os dados que mais lhe forem mais convenientes. Este é o incentivo aos importadores e exportadores: evitar a utilização de informações que lhe serão prejudiciais.

A utilização das informações disponíveis é motivo de diversas discussões na doutrina e em casos concretos, desde a Rodada Tóquio. Para tentar reduzir a discricionariedade da autoridade do país investigador, o Anexo II, do Acordo Antidumping da OMC, trouxe algumas condições para a utilização desta melhor informação. As condições são: i) os investigados devem ser avisados do entendimento

71 Art. 6.8. Salvo nas circunstâncias previstas no parágrafo 10, as autoridades deverão, no curso das investigações, certificar-se de que são corretas as informações fornecidas pelas partes sobre as quais aquelas autoridades basearão suas conclusões.

72 Conforme Anexo II do Acordo, as autoridades são livres para tomar suas decisões baseadas em informações contidas no questionário do início da investigação, apresentado pela indústria doméstica. 73 MOORE, Michael. Facts available dumping allegations: when will foreign firms cooperate in antidumping petitions? European Journal of Political Economy. v. 21. 2005, p, 188.

42 sobre o não fornecimento da informação solicitada; ii) nas questões em que forem solicitados dados de sistemas, as empresas não serão obrigadas a usar outros sistemas que não os seus; iii) toda a informação apropriadamente submetida deve ser considerada; iv) toda informação que for menos do que o ideal deve ser, de qualquer forma, considerada, se a parte fez o melhor que estava ao seu alcance para provê-la; v) se a informação não for aceita, a parte deve ser informação sobre as razões da rejeição e deve ser data oportunidade para que ela promova esclarecimentos em um período razoável de tempo; vi) se a informação que não a fornecida pela parte for utilizada, as autoridades devem checá-la com fontes independentes.74

Tais diretrizes nem sempre são observadas. Um Membro que possui certo interesse protecionista não fará grandes esforços para aguardar o envio de toda a informação solicitada ao exportador e, mesmo que este a envie, poderá ser mais rigoroso no que se refere à sua consideração.75 A autoridade pode acabar por desconsiderar outras informações já enviadas pelo exportador, reconhecendo as informações fornecidas pela indústria doméstica como úteis à investigação. As conclusões serão certamente desfavoráveis, neste caso, ao interesse dos exportadores, privilegiando-se facilmente a indústria doméstica.

Moore critica a prática norte-americana neste sentido. Os questionários solicitados pela autoridade são, segundo ele, excessivamente grandes, o que torna muito difícil a resposta das partes no tempo solicitado, que não é facilmente prorrogável. Além disso, as autoridades demandam dados no formato norte-americano a empresas em países que não utilizam este formato em sua atividade diária. Os norte- americanos também são extremamente criteriosos em suas verificações in loco,

74 PALMETER, David. A commentary on the WTO Anti-Dumping Code, Journal of World Trade, v. 30, n. 4 1996, p. 57. No caso Egypt - Rebar from Turkey, WT/DS211/R, 8 de agosto de 2002, foi discutido, entre outros aspectos, o fato de a autoridade investigadora não ter concedido tempo suficiente para a resposta das informações solicitadas, e, por isso, teria considerado a melhor informação disponível. 75 No caso Papéis (Korea – Certain Paper, WT/DS312/R, 28 de novembro de 2005), a indonésia sustentou que, na determinação do valor normal, a autoridade coreana deveria ter levado em consideração os dados relativos às vendas no mercado interno, apresentados por dois exportadores, nas respostas a seus questionários. A autoridade coreana sustentou que os dados financeiros e registros contáveis de um intermediário, por meio do qual os produtos eram colocados no mercado interno, não foram puderam ser verificados, o que a impediu de considerar os dados confiáveis. O Grupo Especial deu razão à coréia. Ele entendeu que as empresas não forneceram dados pedidos, em um prazo razoável, e que a autoridade teve que recorrer aos fatos disponíveis. Sem estes dados, os números das exportadoras não eram confiáveis. (RUIZ FABRI, Hélène ; MONNIER, Pierre. Chronique du règlement des différends 2005-2006. Journal du Droit International, juilet-aout-septembre 2006 , p. 1263).

43 exigindo a demonstração de quase tudo o que foi questionado nos formulários. Se todas as exigências não são cumpridas, o Departamento de Comércio acaba considerando que a empresa foi apenas "parcialmente cooperativa", não levando em consideração nenhum dos dados que foram informados com perfeição. Já sabendo de todas estas dificuldades, as empresas norte-americanas tendem a requerer mais investigações, contando, muitas vezes, com a desconsideração total da informação fornecida pelos importadores e exportadores.76

A melhor informação disponível é um mecanismo facilmente usado por países que desejam proteger a indústria doméstica. Sua utilização pode não ser derivada de má-fé, mas sim de um procedimento extremamente rígido adotado por aquele país. A desconsideração das informações fornecidas pelas partes interessadas, quando completas ou parcialmente completas, distorce os resultados da investigação em favor daqueles que a requereram, o que pode significar o afastamento, por estas autoridades, dos objetivos que permeiam a observância do interesse público, que serão vistos adiante.

1.1.4.4 A necessidade de transparência

Uma das principais reclamações nas controvérsias levadas ao mecanismo de solução de controvérsias da OMC é a falta de transparência nas investigações conduzidas pelas autoridades nacionais. O número de investigações sofreu um relativo aumento, mas não acompanhado pela evolução, nestes países, das regras sobre transparência, tanto em relação às informações fornecidas pelas partes, quanto em relação às decisões das autoridades.

A falta de transparência nos procedimentos e informações gera a insegurança em relação às decisões tomadas e ao que se pode esperar. É usual as partes estrangeiras contratarem representantes legais locais para os auxiliarem na defesa de seus interesses, mas nem mesmo estes representantes conseguem, por vezes, compreender determinadas ações ou suas justificativas.

76 MOORE, Michael. Facts available dumping allegations: when will foreign firms cooperate in antidumping petitions? European Journal of Political Economy. v. 21, 2005, p, 186.

44 Como lembrado pelos Estados Unidos, as partes interessadas precisam da transparência em três momentos: 1) para conhecer os procedimentos da autoridade e se preparar para estes procedimentos; 2) para examinar a similaridade entre seu caso e casos anteriores; 3) para defender seus interesses no curso das investigações. Outros interessados também precisam ter amplo acesso a estas informações, tais como consumidores, sociedade civil, acadêmicos, etc.77

Em alguns Membros, brechas nas legislações contribuem para esta insegurança. Em muitos casos, não é possível saber se uma autoridade irá ou não proceder a uma verificação in loco, como irá reagir à ausência de vendas domésticas ou até mesmo conhecer o método de cálculo da margem de dumping. Com isso, algumas partes interessadas podem deixar de colaborar com as autoridades, deixando de fornecer dados importantes, por exemplo, quando não se sabe se haverá a verificação posterior destes dados.

Em alguns países em desenvolvimento, é visível a falta de recursos financeiros para que se proceda à verificação de determinadas informações e, em muitos casos, a autoridade investigadora conta com poucas pessoas, o que dificulta o desenvolvimento da investigação, o estudo de todos os dados e, com isso, a transparência. Esta não verificação torna o procedimento menos transparente, e a falta de pessoal faz com que a autoridade tenha dificuldades em divulgar todos os seus passos (o que demanda o dobro de trabalho).

Yu critica a prática chinesa neste sentido. Para ele, não há transparência em diversos procedimentos. Os resumos não confidenciais necessários, que são apresentados pelas próprias partes que desejam a confidencialidade de suas informações, são muito superficiais. Além disso, a autoridade não fornece resumos não confidenciais de suas decisões, para que as partes consigam entender como foi calculada a margem de dumping. Não há qualquer livro ou documento oficial que permita

77 Access to non-confidential information: paper from the United States. TN/RL/GEN/90, 17 de novembro de 2005.

45 entender a prática do Ministério de Comércio da China. A maioria das decisões da autoridade são tomadas de forma confidencial.78

Problema semelhante é apontado por Vermulst na prática das Comunidades Européias. Procurações dos representantes legais são tratadas como confidenciais, os questionários estão disponíveis somente para as partes interessadas, o público não tem acesso às informações não confidenciais, os relatórios de verificação in

loco não são fornecidos às partes, os Estados Membros são informados antes das partes interessadas sobre a aplicação de medidas antidumping provisórias e as diretrizes para aplicação da legislação são consideradas de uso interno e confidenciais.79

O procedimento para a determinação do interesse público nas investigações antidumping na Comunidade Européia também é criticado pela falta de transparência. Os consumidores e usuários industriais, por exemplo, não tem o mesmo direito das partes interessadas de acesso aos documentos não confidenciais. Desta forma, fica cerceado o direito de manifestação destes interessados em relação aos fatos apresentados no processo. Em 1989, o European Office of Consumer Unions (BEUC) desafiou a questão perante o Tribunal de Justiça. Contudo, a corte entendeu que as medidas não poderiam trazer prejuízos aos consumidores, ignorando a realidade econômica das partes diversamente afetadas pelas investigações, no caso dos consumidores, a possibilidade do aumento no preço e redução na escolha.80

Com base em tais constatações, alguns países membros da OMC propuseram modificações ao Acordo Antidumping. Em 17 de novembro de 2005, os Estados Unidos sugeriram um texto versando sobre transparência, para ser incluído no Acordo Antidumping (art. 6) e no Acordo de Subsídios (art. 12):

“Os Membros devem manter suas instalações abertas por um específico e razoável período de tempo durante as horas normais de trabalho, quando qualquer pessoa pode, sem custo ou agendamento, revisar todos os documentos não confidenciais submetidos ou obtidos pela autoridade durante as investigações. Estes documentos devem estar organizados de

78 Yu, Tian. The 10 Major Problems with the Anti-Dumping instrument in the People´s Republic of China. Journal of World Trade, v. 39, n. 1, 2005, p. 99.

79 VERMULST, Edwin. The 10 Major Problems with the Anti-dumping Instrument in the European Community. Cit. p. 107.

80 Caso 170/89, Bureau Europeen des Unions de Consommateurs v. Commission, 1991, E.C.R I-5709. (WELLHAUSEN, Marc. The Community Interest Test in Antidumping Proceedings of the European Union. American University International Law Review, v. 16. p. 1037.)

46 forma facilmente acessível a qualquer pessoa, com um índice completo que devem ser disponibilizado ao interessado. É desejável que estes documentos estejam disponíveis na internet. Também devem manter disponível um arquivo com todas as notificações, em ordem cronológica, de acordo com o art. 12, e também cópias de todos os documentos submetidos ao Comitê de Práticas Antidumping. Os Membros devem permitir que qualquer documento não confidencial seja copiado por uma despesa razoável pelo

interessado.”81

Em 20 de abril de 2006, a Comunidade Européia propôs o documento TN/RL/GEN/11082, no qual enfatizou a necessidade de revisão do sistema de aplicação das regras antidumping por cada membro, revisão que seria feita pelo Comitê de Regras. Tal revisão seria conduzida com base na análise dos relatórios submetidos por cada membro, que deveriam descrever suas ações visando à maior transparência nos procedimentos e prática antidumping. O Comitê deveria, então, elaborar um relatório dos fatos e estatísticas apresentadas. A freqüência deste relatório dependeria da freqüência de investigações antidumping por cada membro. Por exemplo, membros mais ativos enviariam este relatório a cada três anos.

A proposta da Comunidade Européia traz alguns exemplos de procedimentos que poderiam ser descritos no relatório dos membros, como método para determinação do preço de exportação e do valor normal, uso de país terceiro e método de construção de valor normal, métodos de comparação (ajustes), métodos para cálculo da margem de dumping, métodos para cálculo da margem de dano (subcotação, depressão ou supressão de preços), se o país aplica ou não a regra mínima (lesser duty), consideração do interesse público, procedimentos em investigação in loco, etc.

A revisão proposta pela Comunidade Européia, embora custosa, contribuiria para a redução da insegurança dos agentes econômicos em relação aos procedimentos nacionais. De certa forma, o Membro, tendo reportado todas as suas práticas, ficaria preso ao que já foi reportado à OMC, não alterando sensivelmente seu desempenho nas próximas investigações.

A existência de transparência nas investigações antidumping é fundamental para a busca da verdade e da melhor solução para o país investigado. A

81 Access to non-confidential information: paper from the United States. TN/RL/GEN/90, 17 de novembro de 2005.

82 Transparency on antidumping activity: submission from the European Communities. TN/RL/GEN/110, 20 de abril de 2006.

47 transparência facilita a ação das partes interessadas e permite o esclarecimento da opinião das autoridades, em todos os momentos em que isso for necessário. Nesse condão, a existência de transparência é essencial na investigação do interesse público, à busca do que é mais importante e recomendado para a economia do país investigador.

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