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As objeções de Meredith Williams a concepção davidsoniana sobre a socialização da linguagem

No documento Linguagem e Cognição. (páginas 132-140)

R ICARDO N AVIA

3. As objeções de Meredith Williams a concepção davidsoniana sobre a socialização da linguagem

A concepção de Davidson sobre a origem da normatividade básica e sobre a socialização da linguagem tem sido objeto de crítica por parte de M. Williams (2000). Especialmente no ponto onde Davidson postula que para a aparição das atitudes proposicionais não é necessária uma relação entre o indivíduo e a comunidade e que a comunicação não requer convenções lingüísticas compartilhadas, senão que para alguém ser usuário da linguagem o que se requer é ser interpretável como falante e o mútuo reconhecimento de sua capacidade racional.

Williams chama de “concepção prática” a concepção comunitária, que entende inspirada em Wittgenstein e de “concepção interpretativa” a concepção de Davidson. Começa reconhecendo que Davidson coincide com Wittgenstein em várias teses relevantes sobre a linguagem. Coincidem quanto à referência e o significado enquanto abstrações a partir da prática lingüística global e que o entendimento lingüístico é explicativamente mais básico que ambas as categorias semânticas. Também coincidem em que o entendimento lingüístico é uma capacidade e não um conhecimento de regras. Assim como também nosso enraizamento causal em um mundo compartilhado é importante para dita capacidade. Por último, ambos reconhecem argumentos centrais do outro: Davidson reconhece o argumento em torno do paradoxo da interpretação e Wittgenstein compartilha com Davidson o argumento da triangulação (está implícito no argumento contra a linguagem privada das Investigações).

Assinala Williams que a partir dali começam algumas diferenças que ela considera importantes. Em primeiro lugar, para Davidson o entendimento lingüístico descansa sobre a interpretação radical entre o falante e o ouvinte, enquanto, para Wittgenstein dito entendimento descansa sobre a semelhança normativa.

Especialmente em A Nice Derangement... Davidson chega a sustentar que a linguagem não implica um conjunto de regras (semântica e sintáticas) compartilhadas e estáveis. Tais elementos não são, segundo ele, necessários para a comunicação. A comunicação é a propriedade de cada ato lingüístico de ser interpretável e essa interpretação, na medida em que é interdependente com as

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crenças, o é para cada ato lingüístico. Ou seja, segundo ele, para cada ato se constrói uma teoria do significado (uma passing theory). O que comumente chamamos “linguagem” é uma abstração a partir da troca de ideias dos falantes individuais. Davidson se apóia no entendimento que temos dos malapropismos, o que evidencia que na comunicação usamos diferentes teorias do significado que se constroem frente a cada proferência para maximizar a crença verdadeira, que através do princípio da caridade, apóia o entendimento. Diante desta posição, Williams assinala o risco de a proposta de Davidson recair no paradoxo da interpretação já assinalada por Wittgenstein, que mostra que a interpretação não pode fundamentar o significado precisamente porque as interpretações sempre podem ser adaptadas para que concordem com qualquer comportamento verbal, o qual impediria ao intérprete radical distinguir a interpretação correta da que parece correta.

As observações de Wittgenstein sobre seguir uma regra questionam a explicação que as teorias clássicas da linguagem dão sobre o surgimento da normatividade. O paradoxo se evidencia porque segundo o que foi dito nas Investigações: “... qualquer curso de ação poderia ser determinado por uma regra, porque qualquer curso de ação pode ser compatível com a regra... E, portanto, não haveria nem acordo nem conflito” (Wittgenstein, 1988, § 201). Williams assinala que é evidente a queda num paradoxo da metodologia davidsoniana da interpretação. Neste sentido, argumenta: “Just as any finite sequence of numbers is compatible with any of an array of distinct functions, so any exposed speech is compatible with any of an array of distinct theories of meaning.” (Williams, 2000, p. 303).

De sua parte, Davidson recorre a outro elemento: “a intenção comunicativa”, e escreve:

o que importa, [...] é a comunicação, dar a conhecer a alguém o que você tem em mente por meio de palavras que interprete (entenda) como você quer ele faça (Davidson, 1994, p. 06). [...] um intérprete interpreta (corretamente) uma proferência de um falante apenas se ele sabe que o falante intenta que o intérprete defina certas condições de verdade para sua proferência (Davidson, 2001, p. 111-112).

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Deste modo, apelar a certa transparência na intenção do falante daria o que necessitamos para distinguir o que é correto do que simplesmente parece correto.

Frente a esta saída, Williams, por sua vez, assinala que existem três razões para pensar que a intenção do falante na realidade não nos ajuda com este problema. A primeira pela circularidade da explicação e a segunda pela instabilidade da linguagem. Vejamo-las:

I – A atribuição da intenção é parte de uma atribuição holística que inclui crenças, desejos e usos da linguagem. Observa Williams:

As atitudes proposicionais só podem ser atribuídas a usuários da linguagem, então, em que sentido podem certas intenções serem a base da distinção entre interpretações corretas e incorretas do significado? [...]. Portanto, não se trata de um fundamento, porque para ter essa intenção é necessário já ser um falante (Williams, 2000, p. 305).

Ou seja, Davidson pretende explicar a interpretação correta a partir da intenção do falante, mas segundo Williams as intenções são individuadas apenas em relação à interpretação do significado. Pontua a autora:

Suponhamos que o falante pudesse especificar uma teoria particular do significado para fixar o conteúdo de sua intenção. O que torna correta dita teoria do significado? Devemos dar por suposto um padrão de correção ao aceitar uma teoria do significado sobre outra? (Williams, 2000, p. 305).

II – Segundo a concepção das “teorias de passagem” desenvolvidas em A Nice Derangement, a teoria do significado dá conta da competência lingüística do falante, mudando em cada proferência. Em virtude da interdependência holística entre significado e crença; qualquer diferença em crença ou uso de uma expressão gera uma linguagem diferente. Agora, pergunta Williams: “com tal instabilidade nas linguagens faladas, mesmo se tratando de um indivíduo, como se podem formar

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intenções para antecipar o futuro? (Williams, 2000, p. 306). Deste modo, as intenções do falante não podem ser o critério para uma distinção entre continuações corretas e incorretas. “Nenhum sentido pode ser dado para seguir da mesma forma com tal concepção da rápida sucessão de diferentes linguagens” (Williams, 2000, p. 306).

III – Em terceiro lugar, Williams assinala que para Davidson a interpretação ainda que não exija uma linguagem comum, requer uma comunhão de crenças; todavia, observa que tal distinção é discutível para quem defende a interdependência de crenças e ideias. Para construir a teoria de passagem, o intérprete deve maximizar as crenças verdadeiras do falante. Porém, repara Williams, crenças compartilhadas requerem um fundo de práticas e técnicas compartilhadas. Desconhecer estes aspectos de fundo é assumir uma atitude pré wittgensteiniana e buscar isolar a parte lingüística do jogo de linguagem.

A seguinte passagem, segundo a autora, sintetiza bem esta posição a respeito:

Understanding requires background agreement among participants; it does not require the construction of a theory of meaning constrained heuristically by charity. Echoing Wittgenstein, interpretation is an idle wheel on which nothing turns (Wittgenstein, 1988, §271).

Para Wittgenstein a individuação de objetos e o critério de correção não se adquirem em uma situação de mera interpretação, mas requerem uma situação de aprendizagem onde um mestre é portador das crenças, práticas e normas compartilhadas por uma comunidade. Esta normatividade é transmitida através do que Wittgenstein chamou “bedrock judgements” (juízos de base) sobre traços do entorno compartilhados pelos que também compartilham demais práticas e técnicas. A referência do que é proferido é fixada pelas relações de inferência que tem com outros enunciados e ações.

Para Wittgenstein é na situação de aprendizagem que se produz a interação entre os traços causais e os normativos dos jogos de linguagem. Nesta situação as afirmações do adulto são mais que proposições causalmente provocadas porque expressam a capacidade para incorporar essa proposição em

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uma relação de conexões inferenciais com outras afirmações e ações. Diz Williams: a criança profere afirmações, mas é o adulto que provê “a base cognitiva sobre a qual a proposição é juízo e não mera vocalização” (Williams, 2000, p. 315). A acusação de fundo de Williams é que Davidson desconhece os aspectos não lingüísticos da situação originária de comunicação e logo dá um peso excessivo a caridade interpretativa, deixando assim exposto o paradoxo da interpretação assinalado por Wittgenstein. Para ela, somente o reconhecimento dos elementos não lingüísticos que criam um fundo de acordo, atuando em uma situação não simétrica de aprendizagem, permite explicar a normatividade sem cair no mencionado paradoxo.

Considerações finais

Meredith Williams parece estar marcando três condições muito factíveis para definir as fontes da normatividade sem cair no paradoxo da interpretação. A saber:

1 – As teorias de passagem implicam uma interpretação quando se supunha que para evitar o paradoxo da interpretação necessitávamos algo que já não fosse uma interpretação; o mesmo ocorre com a atribuição das intenções. A linguagem busca evitar o paradoxo da interpretação apenas se tem certa estabilidade e externalidade quanto aos sujeitos.

2 – Evitar o paradoxo requer uma concepção da comunicação que não se limite aos aspectos lingüísticos, mas que conforme a concepção wittgensteiniana reivindicada por Williams contemple não apenas os elementos do entorno, mas também nossas práticas e técnicas.

3 – Nosso horizonte de trabalho aponta que para superar esta situação tenha-se que apelar também a uma externalidade que, no entanto, em virtude do entorno comum, dos objetivos compartilhados e de aspectos biológicos comuns, tem uma unicidade que não deixa margem para uma interpretação indefinida.

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Introdução

Contrafactuais retroativos (backtracking) admitem raciocínio contrafactual de que se as coisas tivessem sido diferentes num momento t1, então elas teriam sido diferente

em algum momento anterior t0 (retroação). Considere a seguinte situação (Jackson,

1977): você vê seu amigo Smith na sacada de um edifício de 20 andares. Você teme que ele vá pular, mas (felizmente) Smith desce da sacada e vai embora em segurança. Você nota que não havia nada entre ele e a dura calçada e conclui: “se Smith tivesse pulado, ele teria morrido”. Esse contrafactual é não-retroativo. Beth não concorda com você. Ela argumenta que Smith é racional e que, se ele tivesse pulado, haveria uma rede para aparar sua queda. Ela conclui: “se Smith tivesse pulado, ele não teria morrido”. Esse é um contrafactual retroativo. Quando é adequado retroagir é uma questão tanto para a semântica quanto para a epistemologia dos contrafatuais.

Hiddleston (2005) propõe uma teoria causal dos contrafactuais que lida bem com retroação. Além disso, a teoria causal provê um tratamento unificado de contrafactuais retroativos e não-retroativos. Nesse artigo, apresento um contrafactual retroativo que é problemático para a teoria de Hiddleston. Então, proponho uma teoria informacional dos contrafactuais que lida bem com esse caso mantendo as características positivas da teoria causal. Na seção 1, apresento a teoria causal dos contrafactuais e o caso problemático para a teoria de Hiddleston. Na seção 2, proponho a teoria informacional e mostro que ela lida bem com esse caso problemático mantendo as características positivas da teoria causal. Além disso, proponho uma teoria da retroação, que provê pistas para a semântica e

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epistemologia dos contrafactuais. A ideia é que retroação é adequada quando o estado de coisas (possivelmente não-atual) expresso no antecedente do contrafactual transmite menos informação sobre um evento no passado que o estado de coisas atual.

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