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O Problema da Aprendizagem

No documento Linguagem e Cognição. (páginas 100-103)

C ÉSAR S CHIRMER DOS S ANTOS

3. Os dois problemas da aquisição da linguagem: aprendizagem e produtividade

3.1 O Problema da Aprendizagem

O problema da aprendizagem é resumido em uma das alegações mais marcantes de Fodor: “não se pode aprender uma linguagem a menos que se tenha uma linguagem”10. Como uma criança pode entender as palavras ou frases que estamos

tentando ensiná-la, se ela não tem uma linguagem já à sua disposição? Na opinião de Chomsky, a criança não poderia dar sentido à linguagem que está sendo ensinada se não tivesse um dispositivo de aquisição de linguagem inata (DAL) com o qual reconhece, interpreta e analisa essa linguagem. O conhecimento da

10 (1975, 64). A ideia é que "... você não pode aprender uma linguagem cujos termos

expressam propriedades semânticas não expressas pelos termos de alguma linguagem que você já é capaz de usar (1975, 61).

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linguagem é fundamentado em um conjunto básico de princípios incorporados em todas as linguagens11 e armazenado em algum lugar na mente/cérebro de cada ser

humano (C&N 2007, 12). A gramática universal consiste neste “sistema fixo de princípios” que se aplica a todas as linguagens externas ou naturais (como inglês, grego, hebraico, etc.) e de uma matriz de parâmetros cujas configurações variam entre as linguagens (Chomsky 1992, 5)12. Os requisitos de Chomsky para o

aprendizado de uma linguagem humana são: ser humano e ter a exposição mínima à “evidência de linguagem” necessária para acionar os vários parâmetros da Gramática Universal (C&N 2007, 186). Esta gramática universal inata permite à criança abstrair ou inferir a estrutura ou regras corretas de sua língua nativa de suas manifestações limitadas e falhas. Então, para Chomsky, aquisição de linguagem consiste na revelação gradual desencadeada pela experiência da gramática inata; é um processo de parametrização que resulta na aquisição da criança da estrutura correta de seu idioma nativo. Uma objeção imediata é que isso pode, na melhor das hipóteses, oferecer uma explicação de como a criança vem para aprender o que é a estrutura (ou sintaxe) correta de sua língua regional nativa, mas e o significado? A dificuldade foi bem ilustrada pelo “Argumento do Quarto Chinês” de Searle, segundo o qual a competência com a sintaxe não implica compreensão. Em um esforço para importar significado a este cenário deficiente, Chomsky apela para “estruturas

11 O fato de um princípio não ocorrer em todas as línguas não impede que esse princípio

seja universal: “Em que sentido um universal que não ocorre em todas as línguas ainda é universal? ... Desde que o universal seja encontrado em alguma linguagem humana, ele não precisa estar presente em todos os idiomas. ... A Teoria da GU, no entanto, não permite que os princípios sejam quebrados. '; '... não é necessário que um princípio universal ocorra em dezenas de idiomas. [...] "Não hesitei em propor um princípio geral de estrutura linguística com base em observações de uma única língua" (Chomsky). (C & N 2007, 21; 23).

12 Esta é a teoria de Princípios e Parâmetros (P & P). Um exemplo de um parâmetro é "o

parâmetro do núcleo" (“the head parameter”), em que um idioma específico possui consistentemente os núcleos do início da frase, ou no fim da frase. Então, por exemplo, o núcleo no inglês está no início da frase: na casa: preposição primeiro antes do complemento; matou o homem: verbo primeiro antes do complemento. No japonês o núcleo está no fim da frase.

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profundas”. Mas, vamos passar para a análise da perspectiva de Fodor.

Tomando o exemplo de Chomsky, Fodor afirma que a aquisição da linguagem exige que já possuamos uma “linguagem do pensamento” (LDP) - ou seja, uma linguagem interna que contém todos os conceitos ou representações de qualquer coisa que possamos aprender, pensar ou expressar. É através das palavras (ou conceitos) correspondidas com sucesso que a criança encontra na experiência com os conceitos (ou significados físicos), já presentes na linguagem do pensamento, a aquisição da linguagem. Ou seja, a Linguagem do Pensamento, fornece significado por si mesma. De fato, em uma reformulação de sua posição, Lot 2: The Language of Thought Revisited, Fodor é claro: "… a aprendizagem dos conceitos é um oxímoro" (2008, 153). O pressuposto principal é que você não pode aprender um conceito a menos que já tenha esse conceito: “há algo radicalmente incoerente na tese de que conceitos podem ser aprendidos” (2008, p. 130) porque digamos, se aprender o conceito VERDE é vir a acreditar que VERDE se aplica a (tudo e somente) coisas verdes, como poderia alguém que não tivesse o conceito VERDE acreditar nisso; como eles poderiam pensar em acreditar nisso? E assim, sob pena de circularidade, passa a acreditar que este não pode ser o processo pelo qual VERDE é adquirido (2008, 131)13. O Fodor de Lot 2, no entanto, veio a

reconhecer, que existe uma ligação convincente entre os nossos conceitos e o mundo: “… como é que muitos dos nossos conceitos se encaixam no mundo? … por que muitos dos nossos conceitos têm instâncias? O nativista com qualquer tipo de consciência deve confrontar essa questão” (2008, 148-9), e assim ele admite que a incapacidade de aprendizado de conceitos não implica um inatismo– não, se “inato” significa algo como “não adquirido por consequência da experiência” (2008,

13 “... nem todos os conceitos podem ser aprendidos; alguns devem estar lá no começo para

mediar a aquisição dos outros. ... Lousas em branco não aprendem nada ... ‘Do nada, nada vem’ é um truísmo.” (2008, 131). Mas, em resposta a Fodor, o que também é um truísmo é que o que deve estar lá não precisa ser da mesma natureza do que está por vir; perceba uma semente e uma flor; um ovo e uma pessoa; uma ideia e uma corporação. Não é necessário ter (em uma dada capacidade) o conceito VERDE para adquiri-lo (em outra capacidade). O que alguém já deve ter, como veremos, são meios de outra natureza.

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144)14. Mas, se adquirido por consequência da experiência e não através de

aprendizagem, como os conceitos são adquiridos? Resposta do Fodor: por aquisição. Ele distingue aquisição de conceitos de aprendizagem de conceitos (sendo este último apenas uma espécie do primeiro)15: é através da nossa

aprendizagem de estereótipos que o cérebro adquire um conceito, sendo assim, a aquisição de conceitos é um processo neurológico, e é a partir do nosso cérebro que adquirimos conceitos. E, assim, “embora o mundo possa contribuir (por exemplo, causalmente) para [nossa] aquisição [de conceitos], não os aprendemos do mundo” (2008, p. 149), mas do nosso cérebro. Meu cérebro adquire conceitos do mundo, e eu os adquiro do meu cérebro. Fodor admite que essa teoria não é mais do que um esboço da geografia relevante (2008, 145-6). Eu diria que é um exagero.

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