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Operações Urbanas no projeto de Plano Diretor 1985

2. OPERAÇÕES URBANAS E OPERAÇÕES INTERLIGADAS

2.1. Operações Urbanas no projeto de Plano Diretor 1985

No projeto de Plano Diretor4 elaborado na gestão de Mario Covas5, as Operações Urbanas foram introduzidas como instrumento que permite a aplicação de recursos do setor privado para o financiamento de obras públicas e particularmente para a produção de habitações. Todo um capítulo do documento que fundamenta o plano é dedicado às contas do Município6.

Diante das dificuldades representadas pelo aumento dos encargos da dívida pública, pelo crescimento da necessidade de recursos para a operação da máquina administrativa e pela diminuição relativa das receitas, desenha-se um quadro de escassez de recursos. Tal escassez minaria a possibilidade de implementação de políticas públicas para o atendimento de necessidades crescentes em termos de obras de infra-estrutura e equipamentos, mas também de serviços públicos tais como educação e saúde. A capacidade de investimento do Município mostrava-se extremamente limitada, e o comprometimento das receitas com o pagamento dos serviços da dívida pública era crescente. Dentro desse quadro, as Operações Urbanas são ali propostas como “uma forma

inovadora de ação direta do poder público” (SEMPLA, 1985b, p. 196) que permitiria,

através de "uma articulação especial de agentes públicos e privados":

"a. viabilizar a produção de imóveis (notadamente habitação popular), infra-estrutura, equipamentos coletivos e espaços públicos, de difícil consecução nas condições correntes do processo imobiliário e da ação pública;

b. acelerar as transformações urbanísticas (físicas e funcionais) em determinadas áreas urbanas [...] (id ibid. ênfase adicionada).

Com estes objetivos, propôs-se no plano um conjunto de trinta e cinco Operações Urbanas que poderiam ser de natureza distinta e apresentar graus de complexidade diferentes. Essas operações foram caracterizadas como

[...]"conjuntos integrados de intervenções desenvolvidas em áreas determinadas da Cidade, sob a coordenação do poder público, visando a obtenção de resultados relevantes para os objetivos do Plano Diretor” (id. Ibid.).”7

4

Plano Diretor do Município de São Paulo: 1985/2000 (SEMPLA, 1985b).

5

Mário Covas foi indicado para o cargo pelo então Governador do Estado, Franco Montoro, pois pela legislação vigente no regime militar, o prefeito de algumas cidades, entre elas as capitais de Estados, não eram eleitos pelo voto direto; exerceu o cargo de maio de 1983 a dezembro de 1985.

6

Trata-se do capítulo 6, As finanças municipais, que descreve a situação das contas públicas. (Id. Ibid., p.57-77)

7 Na ordem em que aparecem no Quadro 15 do Plano (p.197-200), Operações Urbanas são propostas para as seguintes áreas: 1. São Miguel [3] ; 2. São Mateus [3]; 3. Vila Matilde [1]; 4. Vila Maria [1]; 5. Marte-Coroa [1]; 6. Centro [8]; 7. Santo Amaro [10]; 8. Pinheiros [3]; 9. Vila Nova Cachoeirinha [2]; 10. Barra Funda [1]; 11. Paraisópolis [1]; 12. Campo Limpo [1]. Entre colchetes, o número de operações em cada área.

Figura 2-1 . Operações Urbanas no Projeto de Plano Diretor de 1985.

Fonte: Plano Diretor do Município de São Paulo: 1985/2000. Caderno de Mapas. Mapa P11, Operações Urbanas 1985/2000, (SEMPLA, 1985b).

Tais intervenções seriam referidas a "projeto urbano previamente elaborado" que definiria os resultados a alcançar, os meios e ações econômicas, administrativas e operacionais, e também "a distribuição dos benefícios, custos e encargos envolvidos” (id. ibid.).

Em relação ao conjunto do Plano Diretor, as Operações Urbanas seriam desenvolvidas, por um lado, como parte de uma "política de desenvolvimento urbano por áreas diferenciadas" (id. ibid. p.143), que articularia a aplicação de conjuntos de instrumentos e ações específicas de acordo com as características das diferentes áreas. Por outro lado, estariam associadas a "diretrizes de política imobiliária", formuladas em outro trecho do documento8. Com base em um parágrafo do preâmbulo da resolução da Conferência de Vancouver de 1976 (id. ibid. p. 203)9, que trata da propriedade imobiliária e do controle do uso da terra, colocando a necessidade de subordiná-los aos interesses do conjunto da sociedade,

"propõe-se que o Poder Municipal passe a

a. ampliar e aperfeiçoar sua atuação como promotor imobiliário com vistas à produção, a curto prazo, de lotes urbanizados, habitações e equipamentos para outros usos urbanos, inclusive com fins lucrativos, com o objetivo não só de viabilizar empreendimentos habitacionais de interesse social, subsidiados pelo poder público, mas também de custear a implantação de equipamentos urbanos ou a aquisição de novas terras [utilizando primeiro terras públicas];

b. intensificar e ampliar sua intervenção no mercado de terra urbana, funcionando, a longo prazo, como agente regulador indireto do seu preço;

c. criar e usar a transferência do direito de construir como forma de reduzir os preços dos imóveis a serem desapropriados pela Prefeitura;

d. usar outros instrumentos legais que venham a existir por lei federal ou estadual, ou, ainda, por alterações constitucionais, com o objetivo de orientar a ocupação e o uso mais adequado do solo." (id. ibid.).

Nesse contexto, as Operações Urbanas são especificamente citadas como instrumento de transformação da realidade urbana:

"Trata-se de uma ação sinérgica, iniciada e orientada pela Prefeitura, com a participação de outros agentes, públicos e privados, tendo por objetivo alterar um espaço urbano determinado: a

8

Trata-se da primeira seção da terceira parte do plano, que tem como título "O processo imobiliário" (id. Ibid. p. 203-204)

9

A Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos realizada em Vancouver, Canadá, em 31 de maio e 11 de junho de 1976, hoje também conhecida como HABITAT I. A conferência deu origem à agência responsável pelo

Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, UN-HABITAT, crida em 1978, que tem como objetivo

contribuir para a resolução das questões postas pela urbanização massiva, particularmente nas cidades do mundo "em desenvolvimento". A Declaração de Vancouver pode ser encontrada em http://www.unhabitat.org/declarations /The_Vancouver_Declaration.pdf (acesso em 12/5/2004).

alteração desejada deve beneficiar a população e insere-se (sic) nas diretrizes do Plano Diretor."10

No quadro que traz o elenco das 35 Operações Urbanas sugeridas, a diretriz "implantação de projeto urbano" na coluna de especificação da operação aparece em 26 delas; "implantação de projeto de reurbanização" aparece em três e "implantação de

projeto de renovação urbana" aparece uma vez, em relação ao bairro do Brás. Na coluna

que indica Ações, a especificação de "empreendimento integrado" aparece 25 vezes, referindo-se a uma ampla gama de objetivos como construção de terminal de transportes, conjuntos habitacionais e "praças de serviço"; outro tipo de ação, "equipamento setorial" aparece 16 vezes, sendo que apenas em três casos não se refere a obras vinculadas aos sistemas viário e de transportes (id. ibid., Quadro 15, p. 197-200). Não há definições mais precisas dessas diretrizes e ações, nem no Plano Diretor, nem no Dossiê que reuniu os documentos do grupo de trabalho da SEMPLA que prepararam e fundamentaram as Operações Urbanas para sua inclusão no projeto do plano (SEMPLA, 1985a)11. Nesses documentos a discussão do instrumento e de sua aplicação foi mais detalhada, embora aspectos ambíguos e não suficientemente desenvolvidos sejam também encontrados.

Uma das afirmações no Dossiê que reúne tais documentos é que as Operações Urbanas são "essencialmente empreendimentos de natureza imobiliária" (id. ibid. )12 onde o poder público assume a iniciativa e o controle da produção do espaço urbano, em uma área determinada, "articulando a ação dos agentes privados e públicos" para alcançar um amplo conjunto de objetivos – que variam em ênfase e número ao longo do Dossiê, mas que podem ser assim resumidos, em ordem aproximada de atribuição de importância:

i) viabilização da produção de habitação para a população de baixa renda; ii) viabilização da implantação de equipamentos e de infra-estrutura; iii) obtenção de terrenos para as iniciativas acima;

iv) obtenção de recursos adicionais para investimento público em habitação, equipamentos e infra-estrutura, que seriam extraídos tanto da valorização imobiliária induzida por obras públicas [os mecanismos dessa "extração" não foram mais explicitados] quanto do "resultado líquido econômico" da atuação do poder público como empreendedor, através de "venda de imóveis para o mercado";

10

Id.Ibid.

11

Trata-se do caderno Plano Diretor – Dossiê Operações Urbanas, julho 1983 a janeiro 1985. A equipe técnica que participou da elaboração do trabalho foi coordenada por Luiz Carlos Costa. O Dossiê reuniu documentos produzidos em datas distintas e sua organização não obedece a uma seqüência cronológica, e são diversas as paginações dos diferentes documentos. As citações a seguir não trazem o número da página, portanto. Referências para localização do trecho citado serão feitas quando possível.

12

No alto da página, manuscrita, aparece a data de 10/maio/84 com os dizeres "Para consolidação das idéias já escritas anteriormente".

v) indução de dinâmicas de transformação funcional e urbanística em áreas definidas, por meio de ações estratégicas;

vi) inibição das atividades imobiliárias especulativas, principalmente a retenção de terrenos para valorização [os vazios urbanos] e estímulo às atividades imobiliárias produtivas.

A avaliação das Operações Urbanas dar-se-ia pelos resultados em "termos de terrenos passíveis de serem transferidos ao poder público [...] e em termos financeiros" e sua justificação fundamentar-se-ia principalmente pelos resultados que seriam obtidos em relação aos tópicos acima. A "experiência internacional" é apontada como fundamentação e justificativa de criação do instrumento, afirmando-se que

"Os estudos de planejamento urbano desenvolvidos nos últimos dez anos à luz da experiência internacional indicam que para o atendimento desses objetivos13 será de fundamental importância a implementação de uma categoria de empreendimento público designado por 'operação urbana'." (id. ibid.).

A relação dos agentes que participariam das operações também ali se encontrava14, dizendo-se que o poder público poderia acumular o papel de todos eles, mas que deveria desempenhar principalmente as funções de promoção e de coordenação.

O conjunto de Operações Urbanas foi compreendido como "sistema" ou "programa", ou seja, como conjunto de ações articuladas, interligadas e interdependentes, prevendo-se transferência de recursos entre diferentes operações e a criação de um Fundo de Urbanização formado pelos recursos delas provenientes. O Programa de Operações Urbanas – tal como é denominado em outros trechos do Dossiê15 – deveria ser administrado por um órgão ou órgãos que teria como atribuições a concessão de financiamentos; a compra, venda, arrendamento e estocagem de terra; o projeto, a implantação e venda de "loteamentos para qualquer finalidade"; e "projetar, implantar, vender, comprar, alugar e hipotecar edificações de qualquer natureza". Menciona-se que esse órgão poderia ser a Empresa Municipal de Urbanização – EMURB ou a Companhia Metropolitana de Habitação – COHAB, esta última quando se tratasse particularmente de produção de habitações.

13

O trecho citado não especifica quais seriam esses objetivos, mas podemos supor que são pelo menos os listados mais acima.

14

São os seguintes: promotor, que define o programa da operação; coordenador que fornece a terra e coordena as ações dos demais agentes; técnico, executa os estudos de viabilidade técnica e econômico-financeira; financeiro, que capta os recursos; fundiário, proprietário de terra na área da operação; imobiliário, a quem caberia a realização dos empreendimentos; e executores, a quem caberia a execução de serviços e obras. O documento é intitulado "Indicações

preliminares relativas aos procedimentos necessários à montagem do programa de operações urbanas (Primeiro esquema para discussão)", sem data.

15

Um dos documentos no Dossiê relativiza o quadro e o mapa16 que seriam apresentados no Plano Diretor, afirmando que algumas das intervenções ali listadas poderiam se transformar em "operações urbanas", mas que grande parte delas provavelmente seria "simplesmente 'intervenções concentradas'", já que não haveria geração de recursos. Afirma-se que

"Fica claro portanto que só são operações urbanas as intervenções concentradas que indicam o esquema básico pelo qual a associação e as relações do poder público vai ampliar (sic) a possibilidade de ação pública (mais recursos e mais ações)." (id ibid., ênfase e parênteses no original).

Como os estudos de viabilidade técnica e econômica para as operações urbanas não haviam sido desenvolvidos, propôs-se que o mapa e a tabela tivessem por título "Intervenções Concentradas" e que onde estivessem previstos estudos de viabilidade fossem indicadas "possíveis operações urbanas"17.

Pelo exame dos documentos acima e em confronto com o que consta no projeto de Plano Diretor, pôde ser constatado que, naquele momento, tratava-se de processo de criação de um instrumento que, se ainda não possuía contornos plenamente definidos18, tendo como principal conteúdo a noção de um conjunto de planos de caráter pontual dentro de um plano de caráter geral, ou seja, de planos específicos para áreas delimitadas que obedeceriam a diretrizes mais gerais estabelecidas pelo Plano Diretor. O objetivo principal desses planos seria a geração de recursos para a provisão de habitação e para a implantação de equipamentos e infra-estruturas de acordo com os objetivos gerais do Plano19. Seu principal pressuposto foi a geração de recursos através de empreendimentos ao mesmo tempo público e privados como promotor do desenvolvimento urbano20. As Operações Urbanas foram desse modo representadas como um dos principais instrumentos – senão o principal – para alcançar os objetivos de "eliminação do déficit de equipamentos sociais e serviços públicos que atingem, de modo especial, a população de baixa renda", e de "transformações urbanas, pela atuação conjunta do setor público e do setor privado"21.

16 O título do documento é "Observações da equipe de operações urbanas com respeito a propostas de operações urbanas (mapas e tabelas)", com data manuscrita de 23/nov./84. Para o quadro, ver referência acima; quanto ao mapa,

parece tratar-se da versão preliminar do mapa reproduzido na Figura 1-1.

17

Id. ibid., ponto n°5 do documento. Tal afirmação parece colocar em questão todo o elenco de Operações Urbanas apresentado no projeto de plano, lançando inclusive, o próprio conceito de Operação Urbana em grande indeterminação.

18

A redação dada ao Art. 19 do Projeto de Lei evidencia esse caráter inespecífico. Cf. Anexo 2 deste trabalho.

19

No quadro de redemocratização do país, com o "sentido de "remir o débito social para com a população trabalhadora de São Paulo [...] os objetivos políticos [do plano] explicitam a descentralização dos serviços públicos, a transparência da ação governamental, o aumento do grau informativo dos cidadãos, a diminuição das desigualdades entre munícipes e entre regiões e o desestímulo à especulação imobiliária" (Exposição de Motivos do Projeto de Lei do Plano Diretor, SEMPLA, 1985b, p.210).

20

Como uma das "diretrizes físico-ambientais" coloca-se "a implantação de operações urbanas em que os setores privado e público, por iniciativa deste, acelerem a realização de melhorias localizadas e significativas" (Id ibid.)

21