• Nenhum resultado encontrado

Apresentamos em capítulos anteriores a elevada concentração de animais que existe na bacia do Jacutinga e que estaria, pelo menos em determinadas sub-bacias, atingindo níveis muito superiores ao da capacidade suporte dos sistemas onde estão localizados. Entre as explicações para tal fato pode-se apontar a ênfase setorial determinada pelas agroindústrias da carne, que ditam o modelo de desenvolvimento regional. Assim, a simples exigência do licenciamento ambiental revela-se insuficiente para impedir a concentração de animais que ocorre em determinadas microbacias da região e demonstra que instrumentos de planejamento mais amplos precisam ser utilizados para que se possa avançar em direção a modelos mais sustentáveis de desenvolvimento.

Além disso, é importante relembrar que o meio rural não é mais apenas o lugar da produção agrícola, mas também um espaço diferenciado, onde se localizam indústrias, residências, estabelecimentos de prestação de serviços e outras atividades não agrícolas. Dessa forma, as políticas e os instrumentos de gestão ambiental devem considerar que as zonas rurais apresentam novas exigências, “típicas de uma sociedade urbana moderna, como, por exemplo, de estabelecer zoneamento para definir áreas industriais e de moradia, áreas de preservação ambiental, além das áreas exclusivamente agrícolas e pecuárias.”. (NEWMAN; LOCK, 2000, p.7)

Na perspectiva ambiental, o zoneamento do meio rural pode, entre outras questões, auxiliar na localização de uma determinada atividade, exploração agropecuária ou mesmo indústria, que pode ter um potencial poluidor muito diferente, dependendo de sua localização (por exemplo, acima de uma barragem de abastecimento); na definição de taxas de poluição conforme a localização da unidade de produção ou da atividade (determinada taxa de poluição pode ter efeitos diferentes, dependendo da localização da unidade poluidora); na disposição da infra-estrutura e na localização de determinados empreendimentos públicos; ou, ainda, na localização das diferentes atividades agrícolas conforme a aptidão do solo (NEWMAN; LOCK, 2000).

Além disso, a criação da Agência Nacional das Águas (ANA) e a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos acrescentam uma nova demanda institucional em torno de estratégias territoriais. Consolida-se assim uma estreita relação entre a política de recursos hídricos, o gerenciamento das águas e o planejamento da ocupação e do uso do território.(MUÑOZ, 2000)

Dessa forma, uma proposta de zoneamento ambiental da produção suinícola poderia contribuir para desconcentrar determinadas áreas, como é o caso da bacia do rio Jacutinga, e estimular a transferência gradual do rebanho para outras regiões do estado, não tão distantes da plantas agroindústrias, mas com menores riscos ambientais. Além disso, uma proposta de ordenamento territorial poderia contribuir para a inclusão social de produtores mais pobres, como é o caso dos produtores das áreas de assentamento da reforma agrária localizadas em municípios da Região Oeste com pequena concentração de unidades de produção intensiva de animais.

Votto (1999) propôs o zoneamento da poluição hídrica causada por dejetos suínos no extremo oeste catarinense, na área correspondente à Região Hidrográfica 1. A proposta de zoneamento classificou os subespaços da área de estudo em zonas relativamente homogêneas quanto ao diagnóstico do problema da degradação ambiental decorrente da suinocultura intensiva e quanto às diretrizes gerais de intervenção corretiva do problema.

As zonas propostas foram denominadas Zonas de Recuperação Prioritária (ZRP), Zonas Críticas de Recuperação (ZCR), Zonas de Baixa Produção (ZBP) e Zonas de Proteção Prioritária (ZPP).

Entretanto, essas propostas, para que possam ser viabilizadas, devem estar em sintonia com os modernos preceitos da sustentabilidade, que consideram as particularidades dos diferentes sistemas de produção praticados pelos agricultores, respeitam as limitações ambientais e as potencialidades econômicas, bem como asseguram uma ampla participação da sociedade nas fases de discussão e implementação da proposta.

Outro aspecto importante a ser observado diz respeito à preocupação com a ênfase tecnicista que muitas propostas de zoneamento acabam recebendo. Diewald (2000 citado por ACSELRAD, 2004) faz o seguinte comentário a esse respeito:

[...] a sociedade é muitas vezes caracterizada por conflitos, muitas vezes sobre o uso da terra e seus recursos. A resolução de conflitos sociais se dá através de processos políticos. O processo técnico de planejamento tem certa tendência de esperar que ele

por si só, possa levar a um consenso, a uma harmonia social sobre o assunto. Certamente pode contribuir para tal. Mas o zoneamento não deve ignorar a existência de conflitos de interesses como um fato social básico, e terá mais chances de sucesso se for conduzido como um processo de negociação, de resolução de conflitos entre os stakeholders . Parece, inclusive, que ele deveria começar logo com o diálogo entre os stakeholder sobre os problemas e opções por eles percebidos, e não com as pesquisas e os mapas (DIEWALD, 2000 citado por ACSELRAD, 2004, p. 30)

Nesse contexto, a reivindicação por um plano de zoneamento para a atividade suinícola tem começado a receber alguma atenção. O exemplo mais ilustrativo dessa tendência é a elaboração, a partir de dados do Levantamento Agropecuário Catarinense, de um estudo pela Epagri/Ciram, denominado Zoneamento da Atividade Suinícola, que objetiva conhecer as áreas de maior concentração de suínos, avaliar os impactos ambientais e definir a capacidade suporte dos dejetos no solo, o potencial de geração do biogás e da reciclagem dos dejetos suínos como fertilizante53.

Essa proposta, caso construída de forma participativa com os diferentes atores da cadeia produtiva e a população em geral, poderá se revelar um importante instrumento de gestão ambiental da atividade suinícola. Por isso, é fundamental que o viés tecnocrático e normativo que tem predominado em trabalhos com tais características seja definitivamente afastado.