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Tecnologia de suínos sobre camas

A concentração excessiva de animais que ocorre em determinadas regiões do país e as dificuldades de manejar adequadamente seus dejetos líquidos motivou que Oliveira (2000, p.1) fizesse a seguinte declaração:

Encontrar um modo de manejo apropriado para os dejetos líquidos é um desafio para a sobrevivência das zonas de produção intensiva de suínos, em razão de uma parte dos riscos de poluição superficial e subterrânea por nitratos e do ar pelas emissões

de amônia (NH3) e de outra parte em função dos custos e dificuldades de armazenamento, de transporte, de tratamento e de utilização na agricultura.

Em outra publicação, referindo-se aos sistemas de tratamento da forma líquida, esse mesmo autor acrescenta:

Dentro das circunstâncias e do nível tecnológico em que operam os suinocultores, as ações para a melhoria da qualidade da água, do ar e a redução do poder poluente dos dejetos suínos a níveis aceitáveis pela legislação vigente, requerem investimentos significativos, normalmente acima da capacidade dos pequenos criadores e, muitas vezes, sem a garantia de atendimento das exigências de Saúde Pública e da preservação do meio ambiente (OLIVEIRA, 2000, p.64).

As afirmações apresentadas por esse pesquisador, mais do que um recurso argumentativo, revelam o descrédito que muitos técnicos possuem em relação à viabilidade das respostas tecnológicas até o momento empregadas para o controle ambiental da poluição provocada pelos dejetos em regiões de alta concentração de animais.

Nesse contexto, o desenvolvimento da tecnologia de criação de suínos sobre cama (deep bedings) surgiu como um verdadeiro ovo de colombo, pois possibilita que os manejos dos dejetos aconteçam na sua forma sólida e não na forma líquida, como tradicionalmente ocorre nas instalações suinícolas da região. Essa tecnologia, amplamente difundida em alguns países europeus, foi introduzida e adaptada no Brasil, no ano de 1993, por pesquisadores da Embrapa Suínos e Aves (OLIVEIRA, 2003).

O sistema de produção de suínos sobre cama consiste na substituição dos pisos das instalações (compactos ou parcialmente ripados) por um leito de material absorvente (maravalha, casca de arroz, palha de gramíneas), que possui a função de reter as dejeções dos animais que permanecem sobre esse material durante determinadas fases do processo produtivo, normalmente na fase de creche e de crescimento-terminação. Esse sistema elimina praticamente toda a água contida nos dejetos por processos térmicos desenvolvidos na compostagem, concentrando assim os nutrientes, reduzindo a quantidade de resíduos produzidos, os volumes de estocagem e os equipamentos necessários para o transporte e distribuição em área agrícola. (OLIVEIRA, 2000).

O desempenho de suínos criados sobre maravalha comparado ao criado em piso ripado (total ou parcial) é semelhante. O primeiro apresenta, todavia, vantagens relacionadas à maior densidade de nutrientes (reduzindo assim o custo de transporte), à minimização dos

problemas de odor, à melhoria no conforto animal e ao menor investimento em instalações (OLIVEIRA, 2002).

As agroindústrias num primeiro momento foram receptivas à tecnologia e aceitaram que seus produtores integrados adotassem esse modelo de instalação para suínos na fase de crescimento e terminação. No entanto, com o passar do tempo, constatou-se que os animais provenientes de sistemas sobre camas apresentavam maior ocorrência de uma doença denominada linfadenite por micobactérias . Essa doença não provoca mortalidade nem atraso no crescimento dos suínos, mas, dependendo da gravidade das lesões nos gânglios, o serviço de inspeção de carnes pode determinar a condenação ou destino condicionado das carcaças afetadas (MORES, 2000).

Assim, como os animais abatidos através do sistema de parceria são de propriedade das agroindústrias, o prejuízo decorrente da condenação das carcaças recai sobre as empresas integradoras. Essa constatação fez com que as agroindústrias impedissem a construção de novas instalações desse tipo e determinou a reconversão para o sistema convencional das já implantadas. Alguns produtores que se recusaram a obedecer tal orientação foram, inclusive, desligados do sistema de integração.

Devido a esse problema, a nova orientação aos produtores interessados foi no sentido de que a tecnologia de camas sobrepostas poderia continuar sendo empregada, mas restringindo sua adoção àquelas granjas que comprovadamente não apresentam o rebanho contaminado por essa doença e determinam que a cama seja adequadamente tratada e acondicionada (MORES, 2000). No entanto, quando se trata de produtores vinculados ao processo de integração, torna-se praticamente impossível atender à primeira recomendação, pois os animais que são alojados, por exemplo, numa unidade de crescimento e terminação são provenientes de várias unidades de produção de leitões. Dessa forma, adoção do sistema de criação de suínos sobre camas está limitada aos produtores de ciclo completo, que podem comprovadamente afirmar que o plantel não apresenta animais com linfadenite.

Por isso, a tecnologia de criação de suínos sobre cama, que surgiu como um verdadeiro ovo de colombo para o manejo dos dejetos, encontra-se em compasso de espera, até que se encontrem respostas mais definitivas que permitam superar esse problema.

Como se pode perceber, para que essa tecnologia pudesse ser viabilizada não bastou a existência de diversos atributos que a posicionam como uma alternativa vantajosa em relação ao sistema convencional, pois as recomendações apresentadas para superar o problema da

linfadenite e viabilizar essa tecnologia esbarra na necessidade de adaptações na logística de alojamento e transferência de animais adotada pelas agroindústrias.

Latour (2000), comentando sobre o processo inovador, afirma que toda inovação deve ser construída a partir daquilo que ele denomina de ação estratégica dos inovadores. Nessa ação estratégica, o inovador precisa ao mesmo tempo controlar o contexto social em que se desenrola a prática inovadora e se adaptar a ele. Caso não tenha autonomia suficiente para estabelecer seus princípios de ação e não possa manipular as variáveis de sua atuação, ele não poderá realizar inovações importantes. A manipulação constante do contexto em que se desenrolam as controvérsias garante a satisfação das várias condições em jogo para a resolução de conflitos e a consolidação das inovações.

Mais adiante esse mesmo autor afirma em suas práticas, “os agentes inovadores ao mesmo tempo constroem e se submetem aos seus respectivos contextos de inovação”. Em uma perspectiva radical, o autor assinala que projeto técnico e o contexto social em que se desenrola tendem a se fundir (LATOUR, 1994). Assim, para a produção de um novo modelo de automóvel é necessário não somente desenvolver o protótipo e adquirir as peças e equipamentos, mas também atender à legislação de transportes, adquirir licenciamento junto aos órgãos competentes, seduzir potenciais consumidores, etc. Caso o inovador não logre forjar esse contexto favorável, estabelecendo uma mediação recorrente entre as coisas e os sujeitos, seu projeto perde em existência.

Extrapolando essa conclusão para o caso da tecnologia a ser desenvolvida no contexto da produção integrada de animais, constata-se que não basta a suposta vantagem intrínseca da tecnologia, pois, antes de qualquer coisa, é necessário que ela mesma esteja adequada a esse contexto social da produção, determinado em grande parte pelos interesses das agroindústrias integradoras.