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8.2 Tecnologias para o controle da poluição

8.2.6 Utilização

Os dejetos podem ser utilizados na fertilização das lavouras, como alimentação para peixes ou na alimentação de ruminantes. Podem ser ainda desidratados e transformados em compostos minerais para uso como fertilizante agrícola, bem como utilizados para a produção do gás metano com finalidade energética.

a) A utilização dos dejetos como fertilizante agrícola

Os dejetos contêm nutrientes essenciais que podem satisfazer as exigências das culturas se aplicados no solo da maneira adequada. O uso de nutrientes provenientes dos dejetos pode reduzir a dependência de fertilizantes derivados das limitadas fontes de suprimento de recursos minerais. Além disso, os dejetos possuem um papel importante como condicionadores de solo e como meio para aumentar os níveis de matéria orgânica (os quais tendem declinar com o cultivo sucessivos). Todavia, para que isso aconteça sem danos ao meio ambiente, deve-se obedecer a um criterioso plano técnico de manejo e adubação, considerando a composição química dos dejetos, a área a ser utilizada, a fertilidade e tipo de solo, as exigências da cultura a ser implantada e a forma de aplicação. Caso contrário, corre-

se o risco de que o solo, as águas superficiais e subterrâneas e o ar sejam contaminados pelos dejetos (SCHERER, 1996; SEGANFREDO, 2000)

No entanto, considerando-se a área em estudo, dois fatores se destacam como mais problemáticos: a escassez de área para aplicação dos dejetos como fertilizante e as dificuldades em assegurar que os dejetos sejam manejados de forma ambientalmente segura.

b) A escassez de área

A intensificação da produção de suínos tem provocado um crescimento desproporcional entre o número de animais mantidos em confinamento e a área total das propriedades. O diagnóstico ambiental (v. item 4) mostrou que a área média das propriedades suinícolas da região é de 26 hectares, dos quais apenas um terço possui condições para a realização de culturas anuais, em virtude das limitações topográficas da região. Por isso aproximadamente 60% das propriedades não possuem área suficiente para distribuir dejetos, de acordo com a recomendação estabelecida pela legislação, que é de 50 metros cúbicos hectare ano. Assim, o total de dejetos que precisam ser exportados para área de terceiros é de aproximadamente 1.582.666 metros cúbicos ano, ou seja, 46% do total que é produzido precisaria ser transportado para outras propriedades, o que significa uma necessidade de 31.653 hectares adicionais, número esse que representa cerca de 37% da área total de milho plantada na microrregião de Concórdia na safra 2002 (EMBRAPA, 2003).

Esses números demonstram de forma bastante clara que o problema não poderá ser solucionado considerando-se as propriedades de forma individualizadas, mas obrigatoriamente deverá ser tratado em âmbito regional. Por isso, as regulações e padrões que foram fixados considerando a propriedade isoladamente deverão ser revistos, levando-se em consideração os contornos da bacia hidrográfica como um todo. Nesse contexto, ganha importância a proposta de zoneamento ambiental da atividade, a qual poderá contribuir para um melhor ordenamento das atividades agropecuárias no âmbito das diferentes microbacias e sub-bacias (VOTTO, 1999).

Dessa forma, torna-se fundamental desenvolver no âmbito regional um modelo espacial de balanço de nutrientes que avalie o total da sua importação e exportação. Na avaliação dos nutrientes importados devem-se incluir fertilizantes, ração para os animais (ração) e entrada de animais. Por sua vez, em relação aos nutrientes exportados, devem-se considerar perdas para a água de superfície e subterrânea, para a atmosfera e para outras regiões (via exportação de grãos ou animais). Esse modelo poderá ser usado para definir

microbacias em situações críticas, nas quais a expansão da atividade deverá ser evitada, bem como para definir áreas onde a expansão da atividade possa ser estimulada, além de permitir um acompanhamento da evolução das medidas de controle ambiental que possam vir a ser implementadas (BERTO, 2004).

No entanto, mesmo quando as doses com os dejetos animais são ajustadas ao nível dos nutrientes removidos pelas culturas, técnicas de aplicações inadequadas podem causar perdas ou emissões para o ambiente (SCHERER, 1999; BERTO,2004).

c) Aspectos ambientais do uso dos dejetos como fertilizante

A orientação técnica estabelece diversos de critérios que devem ser seguidos para que os dejetos sejam aplicados de forma agronomicamente adequada e ambientalmente segura. Por exemplo, o seu emprego deve ser planejado em função das características do solo, das exigências das culturas, da declividade, da taxa e época de aplicação, das formas e equipamentos de aplicação. Além disso, no momento da aplicação o produtor deverá assegurar-se que os dejetos sejam distribuídos na dose recomendada, respeitar as distâncias mínimas das fontes d’água e de residências, evitar períodos chuvosos e outros aspectos que possam afetar essa prática (COMISSÃO DE FERTILIDADE DOS SOLOS RS/SC, 1995;PERDOMO, 1999; SEGANFREDO, 2001).

Como vimos no capítulo anterior, os principais países produtores do mundo exigem que as granjas com grande número de animais realizem um plano de gestão dos nutrientes, que consiste basicamente num balanço comprovado do total de nutrientes que entra na propriedade e a saída total desses nutrientes; caso os limites mínimos não sejam atingidos, o produtor deverá pagar multas ou reduzir o tamanho do seu plantel. Os registros que comprovam esse balanço devem ficar guardados por um período que varia de 3 a 5 anos, de acordo com a determinação de cada país.

No Estado de Santa Catarina, essa etapa pode ser considerada uma das mais importantes da gestão dos dejetos, e está acontecendo sem um controle mais efetivo do órgão ambiental, pois os produtores não precisam comprovar a quantidade de dejetos transportada, o local de aplicação e a quantidade aplicada por unidade de área. Esse conjunto mínimo de informações poderia ser um passo simples, mas fundamental, para o controle da poluição difusa e para que se pudesse obter uma avaliação mais aproximada dos custos ambientais da atividade.

A pequena atenção que tem sido prestada a essa importante etapa do processo de manejo dos dejetos é inexplicável, pois é nessa fase que existem os maiores riscos de poluição ambiental, pelo uso de doses excessivas, desconhecimento do teor dos nutrientes dos dejetos, má regulagem dos equipamentos ou aplicação em áreas inadequadas. Todavia, essa etapa tem sido conduzida sob a inteira responsabilidade dos operadores de máquinas e sem que eles recebam nenhuma capacitação especial sobre as especificidades de seu trabalho.

Em entrevista realizada com os representantes das associações de máquinas do município de Concórdia, constatou-se a inexistência de critérios técnicos mais adequados em relação a essa etapa, constituindo-se a declaração de um dos operadores, quando indagado sobre os cuidados empregados na distribuição dos dejetos, numa síntese desse processo: "Eu espalho os dejetos até deixar toda a área preta”.

Por outro lado, uma maior exigência visando assegurar uma distribuição/aplicação mais criteriosa dos dejetos no solo poderá provocar aumento nos custos de transporte, uma vez que muitos suinocultores terão que recorrer a áreas cada vez mais distantes de suas propriedades, provocar a transferência da propriedade para outros locais ou a redução do plantel no âmbito regional.

Outro aspecto polêmico a ser considerado na distribuição dos dejetos refere-se aos critérios utilizados na definição da dose a ser aplicada por unidade de área. O critério estabelecido pela FATMA, 50 metros cúbicos hectare/ano, é motivo de controvérsias. Segundo Seganfredo (2000), existe uma grande diferença em termos de dose de dejetos por hectare quando se prioriza o critério econômico ou o ambiental: quando se considera o primeiro critério, a dose recomendada de nitrogênio para uma produtividade de 150 sacos de milho por hectare é de 240 metros cúbicos por hectare, porém, quando se considera o critério ambiental, essa dose deve ser reduzida para 24 metros cúbicos por hectare. Essa variação deve-se ao fato de que na primeira situação a recomendação é feita visando atender a toda a necessidade de nitrogênio em apenas uma aplicação, enquanto que na segunda o critério consiste em não exceder a quantidade de nutriente, que primeiro será satisfeito, evitando assim o excesso de outros nutrientes que podem se transformar em potenciais poluentes. Dessa forma, caso se priorize o critério ambiental, o potencial de aplicação de dejetos na região ficaria ainda mais reduzido.

Além disso, deve-se considerar que a composição dos dejetos em termos de nutrientes varia de acordo com a fase produtiva do suíno e com a eficiência de manejo da água em nível

de granjas. Assim, quando a legislação define a taxa de aplicação de dejetos em função do volume, está utilizando um critério inadequado, pois esse limite deveria ser feito em função da caracterização dos nutrientes efetivamente presente nos dejetos, do tipo de solo e da necessidade das plantas (LUDKE; LUDKE, 2002).

Por tudo isso, é urgente que se revisem os procedimentos adotados em relação à distribuição dos dejetos no solo, de forma que os critérios ambientais possam ser minimamente assegurados.

d) Utilização dos dejetos na alimentação animal

Além das alternativas discutidas anteriormente, existem outras opções que estão sendo empregadas com o objetivo de agregar valor aos dejetos e contribuir para a redução do problema de poluição. Entre elas se destaca a utilização de dejetos suínos na alimentação de animais. Como os alimentos são aproveitados apenas parcialmente pelos suínos, o material excretado mantém condições de ser aproveitado por outras espécies, como é o caso dos ruminantes, e mesmo de peixes, mas a quantidade aproveitável, considerando-se o montante total, é pouco expressiva. Além disso, existem sérias controvérsias técnicas quando aos efeitos ambientais e sanitários decorrentes dessa forma de utilização.

e)Alimentação de bovinos

Com relação aos ruminantes, foram verificados bons desempenhos de bovinos de corte alimentados com dejetos de suínos. Esses resultados são decorrência da capacidade de digestão microbiana dos ruminantes, o que os capacita a aproveitar alimentos considerados de baixa qualidade nutricional para os monogástricos. Contudo, não foram realizados estudos sobre a qualidade da carne e das vísceras desses animais do ponto de vista de saúde pública, nem da qualidade nutricional e palatabilidade, o que desautoriza o emprego de dejetos na alimentação animal nos dias de hoje. Mesmo que a questão da qualidade da carne seja contornada, haverá também, indubitavelmente, questionamentos quanto à aceitabilidade de carne desses animais por parte do público consumidor, o que por si só poderá definir o uso ou não uso dessa prática (LIMA, 2000).

Apesar de alguns resultados, do ponto de vista estritamente nutricional, terem possibilitado o uso dos dejetos na alimentação dos bovinos, razões de ordem sanitária, principalmente após o aparecimento do Mal da Vaca Louca, descartaram tal utilização como uma alternativa recomendável.

f)Alimentação de peixes

O uso de dejetos suínos para engorda de peixes é uma forma de minimizar a poluição ambiental pelo dejeto, dando-lhe um destino econômico. O dejeto pode ser canalizado diretamente das instalações de suínos para os tanques de engorda, ou de baias de suíno construídas sobre os tanques de engorda dos peixes.

Segundo Rodrigues (2004), a utilização dos dejetos de suínos na alimentação de peixes permitiu que o custo de produção de peixes da espécie tilápias fosse reduzido em 35%. Em que pese essas vantagens, problemas ambientais que ocorreram na região do Alto Vale do rio Itajaí, decorrentes de um manejo inadequado da água dos açudes, provocaram um rumoroso conflito ambiental que motivou uma profunda revisão nessa prática e a sua proibição em determinadas condições (FERT, 2001).