• Nenhum resultado encontrado

Total de matérias

4.3. Os assuntos mais recorrentes

Como nas outras categorias em que um mesmo texto pode trazer mais de uma das variáveis, os totais para assuntos mais recorrentes têm somas que não coincidem com o total de narrativas detectadas. Ao fazermos um levantamento dos assuntos que mais aparecem nos textos temos como objetivo uma percepção mais focalizada das vias privilegiadas de entrada da temática homossexualidades e homofobia nos jornais sob análise.

55

MONTEIRO, Carla. Fé entre iguais. Rio de Janeiro: O Globo, 2008, páginas 10-11, Revista O Globo. 06/04/2008.

182 Assuntos

De imediato chama atenção na análise quantitativa a prevalência de comportamento sexual como assunto mais recorrente na nossa amostra, com 134 referências na Folha e 87 n’O Globo. Quando comparados a comportamento afetivo, 25 na Folha e 21 n’O Globo, se evidencia ainda mais que as pessoas LGBTT frequentam as páginas dos jornais pesquisados predominantemente em função de uma “identidade sexual” e menos na de “identidade de gênero”, pressupondo como diferença essencial a tendência pejorativa na primeira identidade, de que é mostra a ideia de promiscuidade que acompanha a cobertura d’O Globo da incidência do HIV em HSH. A exploração do caso Ronaldo X travestis é também importante na identificação de motivos para a elevada associação das identidades LGBTT às práticas sexuais, embora os dois acontecimentos não tenham sido sozinhos responsáveis pelas referências. É claro que, se por si só, os dados sobre associação das homossexualidades não autorizam inferir posturas moralistas na cobertura, e elas apareceram, como destacaremos, eles, por outro lado, reafirmam certo imaginário segundo o qual lésbicas, homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais teriam como característica comportamental marcante uma sexualidade mais evidenciada do que o restante dos grupos sociais.

39 11 11 134 25 70 32 15 50 7 75 61 7 1 13 24 12 16 87 21 76 12 15 39 15 83 59 8 3 14 Folha de S. Paulo O Globo

183 Quanto ao comportamento afetivo, é possível notá-lo nas matérias que abordam relacionamentos homoafetivos em telenovelas (embora estes mesmos também contribuam para os números de comportamento sexual) e em notas sobre romances reais entre pessoas de mesmo gênero. Mas não escapa a contribuição do caso dos sargentos gays para os dados totais dessa categoria. Em nenhum momento Laci Marinho e Fernando Alcântara apareceram nos textos como um casal sexualizado, imagem reforçada na matéria da Folha que entrevista os vizinhos, que destacam os dois como sujeitos caseiros, avessos às baladas. Fica a pergunta se o tratamento dispensado a eles não teria sido outro na hipótese de, ao invés de deserção, estivessem sofrendo um dos processos por pederastia no Exército noticiados também pela Folha.

União civil (39 na Folha, 24, n’O Globo), família (11 na Folha, 12, n’O Globo) e leis (11 na Folha, 16, n’O Globo) tenderam a aparecer associados aos agentes Executivo, Judiciário e Legislativo, ao contrário dos comportamentos sexual e afetivo, mais dispersos por todos os agentes. Projetos de lei como o que criminaliza a homofobia e o que prevê a parceria civil entre pessoas de mesmo gênero foram os temas que mais contribuíram para o aparecimento de leis, com a contribuição do último também para o assunto união civil. A adoção por casais homoafetivos e os arranjos homoparentais, por sua vez, explicam a aparição de família como assunto. Não há razões evidentes para as diferenças dos números nos dois jornais.

É possível trabalhar analiticamente violência simbólica (32 na Folha, 12, n’O Globo), violência física (15 na Folha, 15, n’O Globo), homofobia (50 na Folha, 39, n’O Globo) e direitos humanos (7 na Folha, 15, n’O Globo) como assuntos que tenderam a aparições em coberturas de um mesmo acontecimento. Paradigmático, nesse sentido, foi o caso sargentos gays, que trouxe, ao longo da sua cobertura, todos estes assuntos ao centro das atenções, conforme nossa análise em tópico posterior evidencia. As violências simbólicas e físicas aparecem muitas vezes sem associação direta, nos textos, a manifestações de homofobia, enquanto a temática dos direitos humanos pode estar também desassociada de relação imediata com a homofobia (por exemplo, nas matérias em que o jogador Ronaldo apareceu como embaixador de órgãos das Nações Unidas que trabalham em prol de questões relativas aos direitos de crianças). Movimentos sociais/ONG’s, com 7 aparições na Folha e 8 n’O Globo, é assunto imediatamente associado aos movimentos sociais, assim como pesquisas científicas (1 na Folha, 32,

184 n’O Globo) e Aids/HIV/DSt’s (132 na Folha, 14, n’O Globo) mantiveram estreita relação, em suas aparições, com os agentes universidade e centros de pesquisa.

Agenda/produtos culturais (75 na Folha, 83, n’O Globo) e personalidades (61 na Folha, 59, n’O Globo), como assuntos, tiveram forte associação com personalidades, mídia e produtores culturais como agentes, principalmente por aparecerem muito em textos sobre filmes, livros e peças de teatro. Mas é importante ressaltar que personalidades também aparecem como assuntos em acontecimentos como o show em que Caetano Veloso defende o jogador Ronaldo e nos eventos de Mariela Castro em defesa dos homossexuais cubanos. Sociabilidade (70 na Folha, 76, n’O Globo) é assunto disperso por todos os agentes e pode incluir a transformista Jane di Castro em viagem para a Parada LGBTT de São Paulo, por exemplo.

Assuntos como homofobia, direitos humanos, violência física e violência simbólica foram abordados em diversas edições dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, de que o melhor exemplo foram as repercussões do caso sargentos gays. O mesmo ocorreu com a ampliação temporal do destaque dado, a partir da campanha anti-Aids do Ministério da Saúde voltada para homens que fazem sexo com homens, ao assunto HIV/Aids. Em situações assim, assuntos mais complexos, ou mais polêmicos, contribuem para expandir a cobertura da homofobia e temas a ela correlatos, abrindo a possibilidade de atores intervirem ao longo do processo para tentarem redefinir o acontecimento, como, ainda no caso dos sargentos gays, ocorreu com a entrada em cena de atores como a Ordem dos Advogados do Brasil e do Senado.

De leitura não tão simples quanto os assuntos são as identidades, trabalhadas a seguir, pois elas dizem, em primeiro lugar, de hierarquias de visibilidade detectáveis entre pessoas LGBTT, projetando, por isso mesmo, modos distintos de alcance da homofobia entre elas.