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2.1. Contornos históricos da homofobia

2.1.3. Pedagogias da sexualidade

A disseminação dos preceitos da sexualidade segundo os dogmas religiosos começa em ações educativas iniciadas desde a infância, ainda que indiretas, uma vez que a ideia de uma educação sexual não ortodoxa é assustadora aos olhos de diversas instituições religiosas. Assim, entra em cena uma nova pedagogia e, diferentemente das antiguidades clássicas, em que o pedagogo era o iniciador sexual dos meninos (FOUQÉ, 1953; SPENCER, 1996; NAPHY, 2004; FOUCAULT, 2005; 2006; 2007; ALLEN, 2006; DOVER, 2007, dentre outros), como forma de inseri-los no jogo social, ele passa a estar a serviço de uma ação educativa na qual alguns pontos são centrais. Um exemplo são alertas sobre as ameaças das práticas onanistas, potenciais ameaçadoras, no futuro, das capacidades reprodutivas da criança ora recebendo os ensinamentos sobre como controlar seu corpo sexualizado. Da produção ritualística dos corpos e mentes dos meninos, prevalecente nas culturas clássicas (FOUCAULT, 2005; 2006; 2007; ALLEN, 2006; DOVER, 2007, dentre outros), passamos à produção de corpos e mentes que não deverão ser imaculados por atos e pensamentos sexuais.

O que se observa, portanto, é uma visão diferente de produtividade, em sua dimensão cultural e simbólica, que as ações pedagógicas sobre as crianças e adolescentes devem cumprir. A partir de então, o tipo de educação que as antiguidades clássicas reservavam aos ingressantes na vida adulta, essencialmente produtiva, tanto material quanto simbolicamente, no sentido de que os preparavam para os novos papéis sociais, ao mesmo tempo em que os qualificavam cultural e moralmente, passa a ser moral e legalmente condenado. Importante, ainda, é ressaltar que a iniciação sexual do jovem por um educador mais velho estava envolta em uma série de códigos de conduta, fazendo com que devessem ser respeitados princípios, a exemplo do papel de ativo na

38 relação sexual, que cabia exclusivamente ao tutor (SPENCER, 1996; FOUCAULT, 2005; 2006; 2007; ALLEN, 2006, DOVER, 2007). Essas e outras regras, no entanto, eram permanentemente rompidas, indicando que, para além das funções sociais, as relações sexuais entre pessoas de mesmo gênero, bem como as heterossexuais, desde a antiguidade clássica, têm sido cambiantes e, a despeito de todas as regras e coações morais e físicas, ricas em suas formas de expressão. (SPENCER, 1996; NAPHY, 2004; FOUCAULT, 2005; 2006; 2007; ALLEN, 2006; dentre outros).

Ainda como parte de espécies de ações pedagógicas nas antiguidades clássicas, encontramos um tipo particular de educação para a guerra que prevaleceu em alguns momentos das culturas gregas e romanas, também elas envoltas na necessidade de produtividade simultaneamente material (preparar os corpos para enfrentar a guerra) e simbólica (preparar mentalmente para o enfrentamento do inimigo). Naquele momento, o Estado incentivava as relações de afeto e sexuais entre soldados, como formas de torná-los mais unidos e, portanto, melhor dispostos na defesa mútua, com a consequente transformação deles em bravos guerreiros prontos para derrotar o inimigo, posto que envolvia a defesa dos seus amantes (SPENCER, 1996; TORRÃO FILHO, 2000; ALLEN, 2006; DOVER, 2007, dentre outros). Interessantes, ainda, são as formas de iniciação para a vida adulta em diversas tribos, espalhadas em vários continentes, nas quais os meninos são isolados das mulheres e recebem, a partir de ritos fundamentados em várias modalidades de práticas sexuais, os ensinamentos necessários para a vida adulta, incluindo o casamento com finalidades reprodutivas (SPENCER, 1996). Em comum, pode-se observar nas duas modalidades pedagógicas um forte sentido de produtividade cultural e simbólica, garantindo formas específicas de relações sociais, laços de solidariedade e coesão.

As modificações na ação pedagógica, reveladoras dos modos como se constroem formas de homofobia, se inicialmente foram promovidas e/ou incentivadas pelas religiões, não têm apenas as formas religiosas como suas promotoras, fazendo com que, mais modernamente, uma série de outros atores, como especialistas de determinadas correntes educacionais, também as incluam no rol de preocupações e atitudes educativas. Atitudes que, como apontam os estudos de Foucault sobre as sexualidades, levaram, a partir do século XVII, a uma progressiva disciplinarização dos corpos, manifesta, dentre outras estratégias, nos cuidados com o vestir-se, alimentar-se e

39 comportar-se. Mas é Foucault quem chama atenção para o fato de as normatizações produzirem também resistências ao longo da história. Contra práticas disciplinadoras e normatizadoras dos corpos, assim sendo, têm-se se insurgido ao longo dos tempos diversas correntes pedagógicas. Contemporaneamente, as correntes pedagógicas de inspiração queer, essencialmente anti-homofóbicas, destacam-se na busca de novas configurações educativas, para as quais não é suficiente o mero reconhecimento das pluralidades culturais.

Uma pedagogia e um currículo queer se distinguiriam de programas multiculturais bem-intencionados, em que as diferenças (de gênero, sexuais ou étnicas) são toleradas ou são apreciadas como curiosidades exóticas. Uma pedagogia e um currículo queer estariam voltados para o processo de produção das diferenças e trabalhariam, centralmente, com a instabilidade e a precariedade de todas as identidades. Ao colocarem em discussão as formas como o “outro” é construído, levariam a questionar as estreitas relações do eu com o outro. A diferença deixaria de estar lá fora, do outro lado, alheia ao sujeito, e seria compreendida como indispensável para a existência do próprio sujeito: ela estaria dentro, integrando e constituindo o eu. A diferença deixaria de estar ausente para estar presente: fazendo sentido, assombrando e desestabilizando o sujeito. Ao se dirigir para os processos que produzem as diferenças, o currículo passaria a exigir que se prestasse atenção ao jogo político aí implicado: em vez de meramente contemplar uma sociedade plural, seria imprescindível dar-se conta das disputas, das negociações e dos conflitos constitutivos das posições de sujeitos. (LOURO, 2004, pp. 48,49, com destaque da autora)

Perspectivas pedagógicas de inspiração queer desafiam os diversos discursos sobre as sexualidades, de natureza cientificista ou marcados por crenças religiosas. Ao buscarem instaurar novos princípios de respeito às diversidades, no campo das sexualidades ou quaisquer outros, formas inovadoras de educação preparam melhor para que as lutas por reconhecimento politizem o problema da homofobia como concernente ao conjunto da sociedade. Problema que, conforme indicam estudos realizados em escolas brasileiras, atinge alunos (as) e professores (as), tanto como vítimas, quanto propagadores (as) de ações e comportamentos homofóbicos (JUNQUEIRA, 2009).