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CAPÍTULO 4 – PARTICIPAR OU NÃO PARTICIPAR, EIS A QUESTÃO

4.2. Os caminhos de mobilização e mediação nas esferas públicas de

CENTRO HISTÓRICO

Tratar dos caminhos encontrados para a participação dos moradores na 7ª Etapa requer atenção para com os desafios encontrados, mas também conhecer as estratégias e a própria construção das esferas de negociação e embates públicos criados. Neste caso o papel do grupo de amigos, a sua influência na transmissão dos conhecimentos técnicos a serviço da AMACH, a construção dos canais de denúncia e as ações políticas e jurídicas constituem-se em elementos analíticos importantes. Sabe-se que a própria implementação da 7ª Etapa como fato irruptivo de um tempo “novo” articula e envolve a ação entre os moradores atingidos, os técnicos do Governo do Estado e o os processos de retorno e “rebate” dos moradores. No estudo em análise, a esfera pública não aparece pronta e formalmente instituída, mas ganha forma, ora pela mediação jurídica, ora pelas denúncias na mídia, ora assume o formato de assembléias públicas até se formalizar num Comitê Gestor da 7ª Etapa, instituindo um espaço de negociação e mediação entre os interesses diversificados.

Recompor estas esferas é perceber o que Hannah Arendt (1983) analisa sobre as diferenças entre os homens, entre suas ações, quando alguma coisa, algo novo, interrompe o processo ordinário da vida cotidiana. Dentro das teses dessa autora, a palavra, seus significados, as verdades, falsidades, ambiguidades, traduções, dissimulações, assumem o ponto de partida para entendimento dos limites e construção dos atores numa esfera pública, a exemplo da aqui estudada. A participação nesta esfera reúne um conhecimento dos termos tratados e, portanto, construir um caminho para o entendimento e diálogo é um desafio que traz perspectivas importantes a serem apresentados. Como Arendt, no caso em análise apesar da importância que os agentes, os grupos de amigos da AMACH, possam ter na construção da participação de terceiros, dos moradores nas esferas mediadoras criadas para as negociações da 7ª Etapa, “não precisa necessariamente ser especialista ou profissional qualquer para se tornar um pensador e ter a capacidade para fazer julgamentos políticos autênticos”, e assim, parte das lideranças populares aqui observadas foram formadas (VALLADARES, 2006: 19).

É neste que a política se constitui como processo construtivo e não como um sistema dado e formal, conforme analisa Demo (1988). A política que se forma e se constitui pela interação dialógica e contraditória entre os diferentes atores e atrizes, entre as pessoas e grupos envolvidos são pressupostos necessários para o embate e diálogo em prol dos

processos participativos e democráticos (ARENDT, 1998, p. 124, apud VALLADARES, 2006: 16). A ênfase na prática comunicativa, seus limites e avanços no embate referente à revitalização da 7ª Etapa influenciou as ações dentro de um campo político, possibilitando a socialização dos interesses envolvidos. Dantas Neto (1999), analisando o “lugar da ação em Hannah Arendt”, destaca o poder da ação do homem num campo do discurso, onde as diferenças são fundamentais para construção do que ele encontrou na obra de Arendt como “espaço público propício”:

Retornando a Hannah Arendt, o que impele a ação é também o fato do homem viver entre outros, valendo, mais que as identidades, as diferenças que se evidenciam pela condição humana da pluralidade. Esta condição pode criar o espaço público propício para a transitividade que efetiva a ação e o discurso. (DANTAS NETO, 1999: 74).

Dentro do objeto de pesquisa, quando trazemos o termo e a busca dos caminhos para a participação popular, encontramos o surgimento de um espaço que evidencia, aparenta, mostra, apresenta, publiciza as ações e interesses. Foram assim encontradas nas matérias de jornal analisadas no capitulo anterior, que apresentavam para toda sociedade os termos e lógicas presentes na realidade da intervenção. Como foi assim também que as arenas jurídicas serviram para aprofundar o conhecimento dos pontos de vistas e singularidades dos envolvidos. Através desta participação, foi possível ouvir a voz das pessoas em “denuncias vivas”, em depoimentos das suas vidas, em documentos públicos, dossiês, mídia impressa, ações judiciais. O uso da expressão pública vem aqui como meio de ir contra uma determinada política de não democratizar as informações e de apresentar todas as alternativas possíveis aos envolvidos. Esta postura, comumente direcionada aos governos autoritários, ao Poder Público e ao Governo do Estado da Bahia quanto as informações da implementação desta intervenção, pôde também ser encontrada em momentos na AMACH, que, diante de um manancial de informações acaba por não conseguir transmitir para o coletivo, seja em função de limites, acima expostos, seja em função de um determinado afastamento para com as pessoas menos participativas.

A nossa percepção da realidade depende totalmente da aparência e, portanto da existência de uma esfera pública na qual as coisas possam emergir das trevas da existência resguardada, até mesmo a meia luz que ilumina a nossa vida privada e intima deriva, em ultima análise, da luz intensa da esfera pública (ARENDT, 2000: 61, apud VALLADARES, 2006: 21)

Neste caminho, a presença dos “amigos” (parceiros solidários com a luta) contribuiu na para a formação de um grupo, seja na organização das reuniões semanais da AMACH, no desenvolver dos contra argumentos que o governo impunha, na socialização dos direitos constituídos, na busca de outras experiências semelhantes na cidade de Salvador, nos contatos com a mídia, na formulação de cartas denuncias para toda sociedade. Mas, ao mesmo tempo nos leva a indagar sobre o caráter dessa representação, que não cabe aqui desenvolver.