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Os Espaços das Hortas Urbanas como Espaços Verdes Urbanos

Os espaços verdes²⁸ são definidos por Fadigas (1993) como um conjunto de áreas livres, ordenadas ou não, revestidas de vegetação, que desempenham funções urbanas de protecção ambiental, de integração paisagística, arquitectónica ou de recreio. Caracterizam- se pela predominância dos valores naturais e pelo grau de impermeabilização do solo ser reduzido. O autor refere-se ainda aos espaços urbanos como o papel essencial que estes desempenham no processo de reurbanização do território, através da fusão do ambiente urbano e do ambiente rural.

No entanto, até a final da primeira metade do século XX, as únicas formas de espaços verdes que representavam a presença da natureza na urbe constituíam os parques e os jardins. A presença de áreas agrícolas e florestais no interior das cidades, tais como as hortas e as quintas não obedeciam, na época a organização formal e, por isso não apresentavam o estatuto de estrutura urbana.

Actualmente, os espaços verdes urbanos constituem um elemento marcante da paisagem urbana, independentemente da tipologia que lhes é atribuída. Esta é determinada através dos seguintes aspectos: dimensão (expressa a relação entre o espaço verde e a sua envolvente), estrutura (referente ao modo como as suas componentes se articulam entre si e ao modo como se insere no território), localização (relaciona o posicionamento do espaço verde em relação às outras componentes urbanas e às malhas urbanas e periurbanas) e, por último os usos e funções (representam o modo como dele se apropriam os seus utilizadores e o entendimento que dele fazem em termos de ocupação e disponibilidade) (Fadigas, 1993)²⁹.

Os espaços verdes urbanos são responsáveis, de acordo com Pinto e Ramos (2008) pela estabilidade e estruturação biofísica do território, pelo conforto ambiental, pelo enriquecimento estético e diversificação da paisagem urbana, bem como pela promoção das funções sociais.

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²⁸ Já em 1933, na Carta de Atenas, os espaços verdes eram definidos como o somatório de espaços com formas, usos e funções variadas. Incluíam parques e jardins urbanos, públicos e privados, áreas de integração paisagística e de protecção ambiental, os taludes e encostas revestidas de vegetação, sebes e cortinas de protecção, as zonas verdes cemiteriais e as zonas verdes agrícolas e florestais.

²⁹ O autor refere ainda outro critério de classificação das tipologias de espaços verdes urbanos, baseado na proposta do Plano Geral de Ordenação Urbana de Madrid – espaços abertos exteriores ou periféricos (estabelecem a ligação com a envolvente periurbana e a rural), espaços intersticiais abertos (organizam e estruturam o tecido urbano consolidado) e espaços intersticiais de malha fina (representação pontual da componente verde no interior do tecido verde).

102 Hoje é claro que os sistemas naturais devem penetrar nos sistemas urbanos, constituindo uma condição essencial para a recuperação de equilíbrios perdidos ou para a qualificação ambiental do território que alberga os habitats humanos (Fadigas, 1993). Já Pessoa (2011) afirma que deve ser o próprio tecido urbano a proporcionar as condições necessárias para que a Natureza se cruze com o Homem. Estas podem ser estabelecidas através da utilização de vegetação adequada para os espaços verdes. O contacto dos citadinos com a Natureza e o ambiente rural torna-se assim, cada vez mais, indispensável para a sua saúde física e mental. Esta necessidade surge, de acordo com Pinto e Ramos (2008) da pressão social e cultural que faz com que os espaços verdes urbanos sejam indispensáveis no espaço urbano e representem um movimento cultural de fusão do ambiente rural com o ambiente urbano.

Fadigas (1993) menciona ainda que a manutenção dos espaços verdes no tecido urbano permite o estabelecimento das áreas com funções de controlo das condições ambientais degradadas, recreio e de estruturação urbana, bem como a regularização dos ciclos hídricos. Simultaneamente, asseguram uma maior infiltração das águas das chuvas, bem como um melhor controlo da drenagem superficial das bacias hidrográficas. Além disso, tornam possível a criação de situações de controlo climático, através da constituição de barreiras de protecção contra o vento, alteração da humidade e até mesmo filtragem das poeiras.

Entre as diversas tipologias de espaços verdes urbanos, as Hortas Urbanas são as que apresentam os maiores valores de riqueza biológica, devido às suas características de humidade e de maior profundidade do solo, aliadas às frequentes mobilizações e incorporação de matéria orgânica, aumentando o nível de vida microbiana e contribuindo de forma exponencial para a manutenção das cadeias tróficas (Pinto e Ramos: 2008). Além disso, são menos dispendiosas e mais sustentáveis pois estão menos dependentes de sistemas produtivos distanciados dos centros urbanos (Sousa et al., s.d). Actuam favoravelmente no meio físico das cidades e sobre a saúde física e mental dos seus habitantes, sendo tão indispensáveis quanto mais urbanizadas forem as áreas onde se inserem (Pinto e Ramos, s.d.). Fadigas (1993) acrescenta que a existência de espaços agro- florestais nas periferias e no interior do centro urbano constitui um acréscimo de qualidade ambiental. Sendo assim, a produção agrícola em ambientes urbanos pode promover a existência de um ecossistema, que possui a capacidade de simular processos naturais, apesar da sua origem artificial. Ramos (2011) refere que a integração das Hortas Urbanas como espaços verdes urbanos pode consistir numa peça fundamental no funcionamento e consequente progressão da urbe como um sistema que evolui no tempo e no espaço de

103 forma sustentável. Esta consiste, assim numa das formas de aplicar o conceito de desenvolvimento urbano sustentável, uma vez que promove a auto-suficiência, o sentido de comunidade e economia local, enquanto reduz as práticas prejudiciais associadas à agricultura moderna e minimiza os custos de transporte.

Sousa et al. (s.d.) elegem as hortas urbanas não só como locais onde se produzem alimentos, mas também como locais de encontro social, troca de experiências, aprendizagem e contacto com a natureza. Além disso, de acordo com os autores, contribuem para o equilíbrio ecológico da paisagem urbana como espaços de regeneração.

Ramos (2011) refere ainda o contra-senso em consumir produtos que têm de fazer, por vezes, viagens de milhares de quilómetros, quando podem ser substituídos por outros produtos produzidos localmente.

Deste modo, verifica-se que as hortas urbanas podem contribuir para a redução dos custos associados ao transporte dos produtos importados, o que pode reduzir consideravelmente o orçamento, a nível nacional, das empresas responsáveis pelo transporte dos produtos agrícolas. Além disso, Ramos (2011) acrescenta que a implementação de hortas urbanas pode fomentar o crescimento das economias locais, criando mais postos de trabalho. Por outro lado, estimulam o rendimento dos agregados familiares, através da produção de alimentos frescos necessários à alimentação da respectiva família.

Assim, Pessoa (2011) destaca que as zonas agrícolas integradas no tecido urbano constituirão a nova estrutura verde, não desempenhando apenas as funções de recreação e lazer, mas abastecendo directamente a urbe de frescos. Já Fadigas (1993: 102) corrobora a mesma teoria, referindo que a “agricultura com fins ambientais e paisagísticos, (…), assumindo as funções de zona tampão diversificada, e comportamento de espaço verde da cidade que sobre ela cresce, é simultaneamente uma fonte de rendimento de quem a pratica e da sociedade que dela recebe os benefícios directos e indirectos.”

É importante realçar que a motivação que integra as Hortas Urbanas como espaços verdes urbanos não é a mesma nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento. Assim, Fadigas (1993: 102) menciona os “países em vias de desenvolvimento da África, Ásia e América do Sul a agricultura a agricultura suburbana é responsável pelo abastecimento alimentar de grande parte da população. (…) Em anos recentes, em vários países, foram mesmo desenvolvidos programas de manutenção e promoção de formas de agricultura periurbana da África, Ásia e América Latina, com objectivo principal de combater a fome, reduzir a dependência do abastecimento alimentar do exterior e para criar ocupação às populações sujeitas a níveis elevados de marginalidade

104 e delinquência. No entanto, não é esse o caminho nem a razão fundamental para a persistência da agricultura periurbana nas cidades urbanisticamente ordenadas e nas sociedades economicamente mais ricas e socialmente mais solidárias.”

Em contrapartida, nos países desenvolvidos onde se insere Portugal, apesar das questões relativas à inclusão e suplemento alimentar e económico das classes mais carenciadas serem relevantes, as questões associadas ao lazer e actividades recreativas, à aprendizagem, às vantagens terapêuticas, aos benefícios ambientais, às questões sociais que promovem a cidadania e a criação de comunidades e promoção da ligação à natureza e aos seus ciclos são mais pertinentes.

Neste seguimento, Ramos (2011) demonstra que assim as hortas urbanas podem criar e manter a biodiversidade, nomeadamente vegetal e animal, reduzindo simultaneamente os valores de pegada ecológica. Têm sido referidas, segundo Ramos (2011), como agente activo na regeneração urbana, pois reduz os índices de discriminação e desencoraja actividades criminosas. Destaca-se ainda o seu sentido lúdico que é possibilitado pelas actividades de produção alimentar.

Por último, o autor destaca a dimensão institucional das Hortas Urbanas. Esta “envolve as entidades governativas que gerem o planeamento urbano da cidade, os diversos actores que se envolvem como fontes de divulgação e de investigação e, também, como pontes de diálogo entre os horticultores e as entidades que planeiam a cidade”. Ramos (2011: 21) refere que em Portugal já existem algumas associações que assinalam os espaços de produção alimentar intra-urbana como contributo importante para atingirem os equilíbrios económicos, ecológicos e sociais desejados no interior de uma comunidade.

As hortas urbanas constituem ainda uma oportunidade espontânea de utilizar os espaços expectantes/ intersticiais existentes nas cidades, o que permite o auto- abastecimento, a redução dos consumos energéticos, o incremento da actividade económica ao gerar postos de trabalho, a disponibilidade de produtos frescos e sãos (se se aplicar agricultura biológica), o acesso directo a uma diversidade de alimentos ricos nutritivamente, a provisão alimentar por longos períodos de tempo, a reciclagem de resíduos orgânicos, a integração social, o fortalecimento da rede social, o recreio e o lazer, a manutenção da herança cultural e a manutenção da agrobiodiversidade (Pinto e Ramos, 2008).

Além de constituírem um importante descongestionante ambiental, um complemento da renda familiar e uma relevante fonte de proteínas, os autores realçam que constitui particularmente um processo de aproveitamento mais apropriado dos recursos disponíveis nos espaços intersticiais dos ecossistemas urbanos.

105 Pinto et al. (2011) indicam assim que as hortas urbanas constituem um elemento fundamental a integrar no espaço urbano pois reúnem entre si três aspectos cruciais do desenvolvimento sustentável, nomeadamente, a justiça, o desenvolvimento económico e a protecção ambiental, pelo que podem contribuir significativamente para o desenvolvimento sustentável³º. Este será atingido através da inserção da produção dos bens alimentares no meio urbano. No entanto, as hortas no espaço urbano terão de competir por terrenos com outras funções urbanas, sendo essa conflitualidade sempre influenciada por planos e políticas urbanísticas (Ramos, 2011).

Já Gonçalo Ribeiro Telles (in Silva e Monte, 2014: 7) reconheceu a importância oferecida pela agricultura urbana, defendendo que estas devem fazer parte de um sistema de espaços verdes urbanos: “A presença da natureza na cidade torna-se absolutamente necessária e pensa-se concretizá-la através de corredores verdes, construídos por diferentes ocorrências: jardins públicos, hortas, relvados e prados, árvores, flores, matas e ribeiros”. O autor defende ainda que o espaço urbano tem permanecido ao longo da história ligado ao espaço rural e, deste modo, a integração da ruralidade no tecido urbano deve-se sobretudo a razões históricas e culturais. Os arquitectos paisagistas Francisco Caldeira Cabral e Gonçalo Ribeiro Telles defendem assim que “a ruralidade faz parte da memória da cidade e da cultura das pessoas que nela vivem. A identidade ou, se quisermos, o genius loci de cidades como Lisboa assenta nas suas características rurais. Para Ribeiro Telles, a base da portugalidade encontra-se no mundo rural. E por isso a ruralidade deve continuar presente no espaço urbano” (Xavier, 2007: 170).

________________________________________________________________________ ³º Os autores definem o desenvolvimento sustentável como uma ferramenta de mudança social aliada aos objectivos tradicionais de desenvolvimento e da obtenção da sustentabilidade ecológica. Assim, o desenvolvimento sustentável pretende encontrar uma melhor qualidade de vida para todos, sendo uma visão progressista que associa três aspectos chave para a sua concretização: justiça social, desenvolvimento económico e protecção do ambiente.

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5. A importância da integração das Hortas Urbanas em Políticas de Planeamento