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Os letramentos acadêmicos: entre as tradições francófonas e anglófonas

No documento Avaliação formativa em educação online (páginas 70-73)

Antes de abordarmos os letramentos acadêmicos, convêm retomarmos rapidamente a noção de letramento. Kleiman (2010) atribui a origem da investigação de funções, práticas e o impacto social da escrita a sociólogos, cientistas sociais, antropólogos e historiadores, em uma perspectiva bastante distinta da adotada pela linguística. Na área do ensino de português como primeira língua, Soares (2014, p. 15) atribui a Mary Kato o primeiro uso do termo, em 1986, quando esta dizia “acreditar que a língua falada culta ‘é consequência do letramento”. De lá até os dias atuais, várias mudanças, que fogem ao escopo deste texto, aconteceram para oS letramentoS serem compreendidos como “conjunto muito diversificado de práticas sociais situadas que envolvem sistemas de signos, como a escrita ou outras modalidades de linguagem, para gerar sentidos” (ROJO, 2011, p. 28). Conceituada a noção de letramentos, voltaremos para os letramentos acadêmicos56 na produção de pôsteres.

56 A produção de pôster também envolve letramentos digitais, compreendidos como “a porção do letramento que se constitui das habilidades necessárias e desejáveis desenvolvidas em indivíduos ou grupos em direção à ação e à comunicação eficientes em ambientes digitais” (RIBEIRO, 2008, p. 38). Já para Xavier (2005, p. 2), ser “letrado digital pressupõe assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais verbais e não- verbais, como imagens e desenhos, se compararmos às formas de leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os textos digitais é a tela, também digital”, fenômeno que se dá pelo fato de os computadores serem “metamídias que abrigam todos os tipos de mídias, estas construídas por linguagens das mais diversas naturezas” (SANTAELLA, 2013a, p. 242).

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Para Rinck, Boch e Assis (2015), um dos diferenciais das práticas acadêmicas de leitura e escrita em relação a outras está no fato de os aprendentes não serem, como na escola, “iletrados”, pois, como afirma Lêdo (2013), os jovens têm diversas práticas e eventos de leitura e de escrita antes de entrarem na universidade. Lá, convivem com uma prática única: a de “produzir textos acadêmicos com objetivos muito específicos” (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2013, p. 22).

Segundo Rinck, Boch e Assis (2015) e Oliveira (2013), as práticas de leitura e de escrita na Universidade, em tempos de massificação do nível superior, têm feito do letramento acadêmico uma linha de investigação importante. Duas tradições, nessa área, têm se destacado: a francófona e a anglófona, a serem distinguidas a seguir.

A tradição francófona, conforme Rinck, Boch e Assis (2015), surgiu entre o fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, na França. Historicamente, é denominada de Didática da Escrita no Ensino Superior, com duas características iniciais relacionadas: i) os estudiosos da Didática do Francês foram os primeiros a estudar esse campo, expandindo os seus loci das escolas primárias para o Ensino Superior; e ii) os estudos voltavam-se para as dificuldades na “apropriação dos saberes disciplinares e [...] no desenvolvimento de competências de letramento” (RINCK; BOCH; ASSIS, 2015, p. 13), aspectos esses inseparáveis e não hierárquicos da leitura/escrita acadêmica.

Esses autores destacam algumas tendências de pesquisas nessa área: “identificar os gêneros em uso e caracterizá-los, interrogar-se sobre o desenvolvimento de dispositivos de formação, identificar as dificuldades dos estudantes em sua aprendizagem da escrita acadêmica e da escrita científica em particular” (RINCK; BOCH; ASSIS 2015, p. 19). A perspectiva é enunciativa, discursiva e pragmática.

Contrastando com a tradição francófona, a anglófona situa-se, de acordo com Lea (2014) e Street (2014, 1998), nos chamados Novos Estudos de Letramento (NEL). Desde a sua origem, o NEL vai além das concepções anteriores, nos quais que “letramento com ‘L’ maiúsculo e no singular era uma coisa autônoma que tinha consequências para o desenvolvimento pessoal e social” (STREET, 2014, p. 146). Em contraponto ao modelo anterior, esses autores propõem um modelo ideológico, autônomo dos letramentos como “modelos e pressupostos concorrentes sobre os processos de leitura e de escrita, que estão sempre encaixados em relações de poder” (idem).

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Para Lea (2014), Kleiman (2003) e Fiad (2015), o grande diferencial dessa corrente está no fato de a leitura e a escrita serem vistas como práticas sociais contextualizadas, indo muito além dos debates sobre a escrita “boa” ou “má” (LEA; STREET, 2006).

É clássica a distinção de Lea e Street (2006) e de Street e Lea (1998) entre três modelos de letramentos acadêmicos, caracterizados no quadro 9:

Quadro 9 - Modelos de letramentos acadêmicos

Modelo e influência Características

Estudos das habilidades (study skills): Psicologia behavorista e avaliação de programas.

- Escrita como instrumento e técnica.

- Foco: tentativas de consertar os problemas da superfície (gramática e ortografia).

- Habilidades individuais, cognitivas e atomizadas.

- Alunos transferem os conhecimentos de leitura e de escrita de um contexto para outro, depois da aprendizagem.

Perspectiva da socialização acadêmica (academic socialisation perspective): Psicologia social, antropologia e construtivismo.

- Introdução, pelo tutor/professor, de uma nova cultura aos alunos: a acadêmica.

- Academia vista como uma cultura “homogênea”.

- Normas devem ser aprendidas para os alunos terem acesso à instrução.

Letramentos Acadêmicos: (Academic Literacies): Novos Estudos do Letramentos.

- Letramentos vistos como práticas sociais e como processos mais complexos, dinâmicos, situados.

- Centra-se nos significados que os sujeitos atribuem à escrita. - Letramento envolve questões epistemológicas e sociais, incluindo o poder na relação entre pessoas, instituições e identidades sociais.

Fonte: Lea e Street (2006) e Street e Lea (1998). Os três modelos são interdependentes. Desse modo, caso queira, o professor pode levar em consideração esses três modelos em sua prática reflexiva.

Essas duas abordagens, a francófona e a anglófona, se diferenciam, na medida que a corrente francesa valoriza a formação de um aprendente reflexivo para a escrita universitária, aprendendo a ler, a escrever e, mais do que isso, a pensar e a agir por meio da escrita, formado pelo e, mais do que isso, para os letramentos acadêmicos. A anglófona, por sua vez, considera as questões de poder, sociais e individuais, do sujeito dentro dos letramentos acadêmicos, que são implícitas, para nós, desde a criação do modelo ideológico. Esses paradigmas, a nosso ver, não são dicotômicos, mas conciliáveis, motivo pelo qual adotaremos uma postura integrada entre essas tradições.

Além de letramentos acadêmicos, o produtor de pôsteres precisa de letramentos multissemióticos57. Na sequência, trataremos deles.

57 No início desta pesquisa, pensávamos, similarmente a Mozzaquatro (2014), que a produção do pôster envolvia multiletramentos. No entanto, não há a pluralidade cultural nesse gênero. Não é o caso também de letramentos múltiplos, já que esse termo “não faz senão apontar para a multiplicidade e variedade das práticas letradas” (ROJO; MOURA, 2012, p. 13). Em nossa pesquisa, trata-se, portanto, de letramentos multissemióticos (ROJO, 2011).

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