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1.3.8 PÓS-M ODERNIDADE SUPERESTRUTURA DO LIBERALISM O ECONÔM ICO?

1.4 OS NOVOS ATORES: OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS

A pós-modemidade recusa-se a reconhecer o que de comum têm os grupos humanos, no final, mais importante do que as diferenças. Isto é fatal para uma organização política, enfraquecida ao impedir ou dificultar a coordenação, exceto se tenciona-se criar um movimento particularista. Neste contexto pareceria difícil organizar-se, quando os elementos gerais, globais têm sido expulsos dos vocabulários políticos.

Porém, a chegada de uma série de novos movimentos sociais teoricamente opostos aos “velhos”, marcaria um antes e um depois, uma mudança que nas ciências sociais, está também relacionada, como foi dito, com a crise econômica dos anos 70, e a crise do modelo Estado previdência keynesiano. O fim do referente ideológico do socialismo soviético foi o derradeiro sinal, por uma parte, para a expansão de gmpos que renegavam dos erros da esquerda ocidental, e por outra, para o ataque neoliberal apoiado desde os anos 80 nas correntes pós-modemas.

Todas as novas tendências levam ao chamamento à identidade dos indivíduos utilizando como elementos catalisadores questões culturais ou psicológicas. Nestes novos movimentos a participação é o mais importante, eis a diferença com respeito dos velhos, cujos problemas como vimos tinham relação como o seu isolamento progressivo da sociedade. Os novos movimentos são teoricamente anti-Estado, não estão interessados no que o Estado faz, nem na política como meio para conseguir fins, aparentemente situam-se contra ele. Não surgem em defesa dos trabalhadores contra os senhores da indústria e não falam de progresso, senão que pretendem organizar a partir de hoje mesmo uma sociedade

diferente dentro da que já existe. Partilham o fato de não serem movimentos de classe, organizando-se em referência a uma posição grupai, nunca coletiva. As novas contestações esquecem as lutas sociais e contentam-se com afirmar-se como comunidade com uns determinados valores não negociáveis (Touraine 1981:211-213; Offe 1996:68).

Daí, que sejam na sua maioria, critérios de especificidade os que baseiem estes movimentos: étnicos; regionalistas ou nacionalistas; de cidadãos ou de bairro; ambientalistas; de mulheres, etc. Não procuram a representatividade para melhorar a sua posição ou mantê-la, senão a autonomia respeito ao Estado e a política.

“O que marca o pensamento e a atividade de tais movimentos não é a utopia progressista de acordos sociais desejáveis por conseguir, senão uma utopia conservadora dos fundamentos não negociáveis que não pode sacrificar-se nem arriscar-se em nome do progresso " (Offe

1996:68).

Por exemplo, para o caso dos movimentos para o apoio das vítimas do SIDA^*. Bastos afirma que são movimentos politizados (1998:18), criando-se para ajudar as vítimas e dar- lhes cobertura legal e econômica. Porém, surgem somente em zonas com grupos de homossexuais que já estavam de alguma maneira organizados (USA, Europa e Austrália). Mais importante ainda, é o fato de que os grupos mais poderosos pertencem à classe média ou média alta que reclamam ser tratados como iguais na sociedade heterossexual, embora, em nenhum caso anseiam mudanças sociais em outros âmbitos. Outras vezes este tipo de organizações (proteção contra as doenças, direitos civis básicos, anti-racistas, mulheres) atuam como costumava fazê-lo a burguesia do século XIX, que criava associações que lutavam contra o cancro e a tuberculose, embora no fundo fossem ações de caridade, aspectos nos que o Estado teria que ser o responsável.

Nos países do terceiro mundo e nos âmbitos de marginalização social, a luta contra o SIDA é só um aspecto dos movimentos que lutam por elementos muito mais essenciais, já seja a própria vida fi-ente a ditaduras e governos autoritários, o simples sustento, o trabalho ou a saúde básica, coisas que os wasp de San Francisco ou Nova York nem pensam^^. Alguns movimentos anti-Sida dos Estados Unidos possuem recursos muito grandes, necessários para custear as pesquisas médicas, os remédios e a propaganda. As suas

Flexível, capacitada, multífacetada, etc.

Preferimos o tenno em português, SIDA (Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida), ao inglês AIDS.

^^"Os países em vias de desenvolvimento passaram por wn outro tipo de experiência, uma vez que os regimes autoritários que em muitos perduraram décadas condicionaram a expressão do ativismo político - menos em torno a direitos individuais e estilos de vida alternativos qué de reivindicações políticas e sociais mais genéricas" (Bastos 1998:28).

relações com parte do mundo empresarial e das mídias são muito boas, o que lhes brinda um apoio impossível de conseguir para um sindicato ou um partido socialista.

Isto pode mostrar como além do elemento que conforma o grupo, seja a igualdade de direitos para os homossexuais, mulheres, emigrantes, negros, ou a pertença a uma entidade política, no caso dos nacionalistas, esses grupos não têm nada mais em comum. N ào são movimentos de classe, pelo que não remetem a pautas de trabalho nem renda econômica. Portanto, os seus interesses comuns acabam donde termina o ponto de união: a defesa dos direitos da mulher por todas as mulheres não cria uma classe “mulher” com interesses sociais semelhantes; a defesa dos direitos políticos de uma ""minoria étn icd \ não diminui os interesses conflitantes dos trabalhadores e os patrões dessa etnia. Fora do vínculo, os atores dos novos movimentos sociais, não partilharão as suas idéias respeito ao modelo de sociedade, ao papel do Estado, aos salários que quiserem receber ou pagar, e às condições do mercado de trabalho, à saúde, educação, etc.

Decorrehtemente com o processo de individualização, dar-se-ia uma mudança na política, o que Beck, categoriza como sub-política. O político desloca-se das instituições macro da modemidade para âmbitos não institucionais, onde renasceria. Para os autores da linha de Beck, na atualidade, mesmo com as dificuldades, existiriam possibilidades para uma efetuar crítica radical, embora, o objeto dessa crítica seja a cor dos envelopes da cerveja, ou o uso de certa planta ou animal em um alimento (geralmente vinculação da influência ao consumo): ""Na teoria da Modernização Reflexiva, a base da critica é

concebida, de certo modo, como autônoma. Não há objeto claramente definiver (1997:24).

Beck aposta claramente pela mudança social de baixo para cima, confiando portanto nos novos movimentos sociais e na idéia da sociedade civil autônoma e apolítica no sentido pós-modemo. Outros autores como Eagleton, julgam muito dificil que as mulheres, os grupos étnicos, os doentes de SIDA, ou os ecologistas possam assumir o papel dos trabalhadores no desafio contra o poder do capital (1999:65).

Os Novos Movimentos Sociais são altemativas? Para Giddens^“ movimentos como os de auto-ajuda poderão vir a desempenhar um papel importante na democratização a nível de base e proporcionarão necessária autonomia (1997:105), ao tempo que as mudanças na intimidade permitirão uma sexualidade mais livre e um desenvolvimento dos indivíduos

(Giddens 1996). Ele acha que o fiituro será de redes, com um âmbito político em sentido transnacional:

” (...) os partidos políticos devem se tornar atores transnacionais, estabelecendo e trocando

diretamente com outros partidos estratégias políticas além desse espaço nacional, como um contrapeso a esses atores econômicos livres no mercado global. (..) Ou seja, épreciso criar nesses espaços regionais condições de negociações que colbam a especulação desenfreada e aumentem a arrecadação de impostos dè seus Estados, garantindo um sistema de seguridade comum diante da universalização do risco, e até muitas vezes uma política protecionista para defender seus interesses e fortalecer sua identidade”(1999:6).

Talvez por isso, o seu pupilo político lute pela eliminação de tudo aquilo que se opõe à liberdade do mercado^*.

Que pode-se dizer em contra destas alternativas? Como bem lembra Dejours

denúncia nem sempre é de grande utilidade, na medida em que, não propondo alternativa viável, permanece pouco convincente e pouco mobilizadord’’ (1999:15). Portanto, será

importante para ultrapassar análises vazias, atingir os problemas mais difíceis da nossa sociedade, já que somente na medida em que dermos conta deles poderemos propor alternativas. É preciso analisar o sofrimento das pessoas, e analisar aqueles sofrimentos teoricamente contrapostos. Na atualidade esta questão, têm duas faces: a dos que trabalham e a dos que não têm trabalho. Contudo, se faz acreditar que o sofrimento no trabalho foi reduzido ou apagado (fábricas limpas, brancas), pela robotização e mecanização. Malgrado a situação continua a ser penosa e perigosa, com riscos para a saúde física e psíquica, pelo stress, pelo ritmo vertiginoso (Dejours 1999:27-28), e pela manutenção ou a volta de condições do século dezanove em muitos trabalhos.

Quão diferentes são estes riscos dos falados por Beck e Giddens; que dificuldades terão as pessoas que os sofrem, em chegar a sentir sobre os sus corpos a ameaça do buraco do ozônio, quando trabalham intermináveis horas na construção civil e vêem morrer colegas esmagados no chão; que dificuldade terão para sentir como a floresta arde, aqueles camponeses que não têm nem terra para trabalhar, nem pão para comer, mas fome têm; quanta dificuldade em sentir carinho pelas baleias, os ursos e os pássaros, quando os filhos adoecem pela falta de remédios de um mundo onde o PIB cresce pela produção destrutiva.

Se a classe trabalhadora heterogeneizou-se e complexificou-se, o desafio reside em chegar até aqueles setores afastados do trabalho industrial tradicional, Se o que acontece

Todos os contrapoderes, quer sindicais, políticos têm sido enfraquecidos na Grã Bretanlia, continuando com a tradição tocherista, ao tempo que as injustiças da sociedade de mercado têm recaído sobre o indivíduo, e os seus Dróprios erros.

hoje não é a extinção da classe operária, mas sim a queda da capacidade de união da consciência de classe (Hobsbawm 1991b: 182), as respostas estão em mostrar que os novos discursos não são certos, e que escondem mais do que desvendam, para assim criar outros novos que dêem conta do presente e ajudem a criar um flituro para todos. Enquanto Beck diz: '‘O fa to é que precisamos, por um lado, romper a gaiola conceituai da sociedade de

pleno emprego, ou seja, de que a identidade apenas se constitui da seguridade social e p o r meio do trabalho regulamentar, e, por outro, refundar a democracia no cotidiano'"

(1999:4), devemos mostrar que o novo mundo do trabalho cada vez mais lembra à escravidão. Assim, a precariedade do emprego provoca problemas pessoais (violência familiar, divórcio, drogas, prostituição), segregação e discriminação para os trabalhadores temporários e desempregados, o que por sua vez retroalimenta a ideologia racista e desdenhosa da elite, com respeito aos pauperizados que ela mesma cria (Dejours 1999:92- 95).

Assim, as novas camadas de trabalhadores, ao substituírem as velhas, ficam sem conhecimento da memória do passado e passam a contribuir no trabalho sujo. Para eles tudo é banal, cometer injustiça com os terceirizados, ameaçar demitir ou demitir, garantir uma gestão baseada no medo, etc. Depois tudo é fácil basta dizer, “Eu não sabia”, “tudo é relativo”, eis os novos pós-modemos. A perda do conhecimento do passado leva ao próprio passado. Dejours propõe perceber a banalização do mal, para assim reagir contra dela (1999:22), e Hobsbawm tão esclarecido diz: crise das velhas idéias e a necessidade de pensar coisas novas foram impostas aos socialistas pela própria realidade e pelos efeitos

na praxis política. O mundo mudou e nós precisamos nos modificar com e/e“ (1991:181).

Talvez, na mistura de todos eles, possamos encontrar uma alternativa, não que apenas se explique na Academia, mas que se tome o suficiente forte como para quebrar o medo e a tolerância a um mal que a pós-modemidade nem sequer está sentindo. Que ditos elementos ocultem, atrás de si, relações econômicas e interesses de classe, pode ser óbvio, mas às vezes, acreditamos lutar e morrer por deuses ou por bandeiras, e não é suficiente falar de alienação. Quando Marx e Engels apontaram a preeminência do âmbito infra-estrutural, marcavam um caminho para dermbar as teorias patrióticas e religiosas, não para esquecê- las sem explicá-las (Pedrueza 1999).

1.5 CONCLUSÃO

Uma teoria que visa a sociedade como um acúmulo de poderes imbricados em complexas redes , e riscos globais que apagam as classes, parece aos nossos olhos “limitada”, quando menos, interessada, muitas vezes. Estas percepções, que seriam criadas^^, constituiriam o componente psico-cultural para legitimar o novo sistema de organização do capitalismo, desviando a atenção social da economia (Jameson 1997:17-18) fariam que problemas sociais, como o desemprego, não fossem percebidos como injustiças

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políticas, impedindo assim movimentos de solidariedade ou protesto .

Apoiados em trabalhos como os de Dejours (1999) ou Jameson (1997), Hobsbawm (1995, 1998), e Eagleton (1997, 1998) propomos que não houve tal mudança de modernidade, de era. No obstante, isto não nega que a sociedade tenha-se transformado no plano cultural e psicológico, econômico e político. Harvey acha na tese da sua “Condição Pós-modema” que as mudanças acontecidas nas sociedades ocidentais desde as anos 70,

''mostram-se mais como transformações da aparência superficial (do capitalismo) que como sinais de alguma sociedade pós-capitalista ou mesmo pós industrial inteiramente

nova”(1993:7). A tolerância da injustiça seria a causa da desmobilização e não ao invés, e as novas correntes des-ideologizadoras a sua legitimação. Isto teria facilitado a adoção de novos sistemas de gerenciamento e organização no trabalho, o que se traduz em um progressivo questionamento dos direitos trabalhistas e das conquistas sociais (Dejours 1999:25). Nesse processo, a queda das ideologias que diferenciavam entre justiça e injustiça social e a ascensão de outras muito mais relativistas, teria sido a contraparte no processo que culminou no sucesso do neoliberalismo.

. As ilusões otimistas de Gorz ter-se-iam tomado inversas. O trabalho não foi reduzido e humanizado pela automatização, pelo robotismo; ao invés, o trabalho não é nem mais raro, nem mais curto, nem mais leve, aliás, são comuns as terceirizações, a marginalidade.

“A meu ver, a atribuição da adversidade do desemprego e da exclusão, à causalidade do destino ou à causalidade sistêmica não advém de uma inferência psico-cognitiva individual. A tese da causalidade do destino não é resultado de uma invenção pessoal, de uma especulação intelectual ou uma investigação científica individuais. Ela é dada ao sujeito, exteriormente“ (Dejours 1999:20).

“O sofrimento somente suscita um movimento de solidariedade quando se estabelece uma associação entre a percepção do sojrimento alheio e a convicção de que esse sofrimento resulta de uma injustiça’' (Dejours

ilegalidade, etc. O trabalho não é totalmente cientifico, a qualidade total é um mito, os acidentes e os incidentes a realidade.

O trabalho parece continuar a formar parte central na sociedade contemporânea e ainda é vital para viabilizar uma emancipação humana. Isto não exclui nem suprime outras formas de rebeldia, mas como a sociedade baseia-se na produção e troca de mercadorias, o trabalho mantém uma posição de centralidade. A classe trabalhadora (trabalhadores produtivos, terceirizados, parciais, sub-empregados e desempregados) é o segmento social dotado de maior capacidade anti-capitalista por cima dos novos movimentos sociais, gênero, étnicos, etc. (Antunes 1998:86-92). Touraine reclama uma mudança na sociologia do trabalho, que teria que atingir não uma civilização do trabalho, mas uma sociedade organizada em torno do trabalho, onde emprego ou desemprego ainda são os principais caracteres de identidade social (1998:21). Mesmo assim, o trabalho é indispensável para extrair o lucro no âmbito produtivo, é imprescindível enquanto criador de valores de uso, e da mesma maneira, a separação entre o objeto produzido e o produtor não foi eliminada. Assim, a criação de terceiros mundos no primeiro, mostra a atualidade do capitalismo excludente e criador de lucros pela sub-proletarização e pela pauperização das populações.

Em resumo, podemos dizer que o modelo social-democrata keynesiano, que partilhava democracia e capitalismo está em crise. Baseado no Estado previdência e na participação política dos partidos de massas esquerdistas, possibilitou nalgumas regiões de mundo um desenvolvimento aceitável. A quebra do crescimento econômico e a ruptura dos vínculos entre os partidos políticos e as massas que os apoiavam, têm provocado, entre outras coisas, que os grandes interesses econômicos modificassem a sua política respeito a esse pacto democracia-capital i smo.

Dissemos que as novas organizações parecem situar-se em oposição ao Estado, porém, os dados dizem que elas estão bem relacionadas com ele, de fato às vezes substituem-no. O ponto central do trabalho que estamos a propor é a relação da sociedade civil com o Estado. Sociedade civil por ser um conceito amplamente desenvolvido tanto por neoliberais quanto por toda essa sorte de pós-modemos. Estado por ser um elemento chave em qualquer tentativa de mudança social, pelo menos agora.

Se a aparição ou reconstrução da Sociedade civil, nas últimas décadas, como afirmam uns e outros é realmente uma outra possibilidade de democratização e de desenvolvimento socialmente positivo, pensamos que isto teria que se observar nas decisões políticas e

programáticas dos blocos regionais a se constituir, onde a influência desses grupos seria cada vez maior. O nosso trabalho de campo tentará avaliar dita influência nos processos de construção dos blocos regionais; Mercosul e União Européia, más para isso partiremos de um conceito amplo de sociedade civil. Disto tratará o segundo capítulo.

CAPITULO TT