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Os professores numa sociedade pós-moderna

1.1.1 – A Pós-Modernidade na escola

1.1.2. Os professores numa sociedade pós-moderna

Após termos revisitado os contextos que têm vindo a enquadrar a profissão docente, percebemos que a mudança foi um aspecto que a educação sempre conheceu. Reconhecendo que a escola é uma organização complexa e que a mudança não se impõe por si própria pois “é inevitavelmente mediatizada pelas representações, pelas análises, pelas decisões dos actores no quadro do seu funcionamento ordinário no interior da organização” (Perrenoud, 1994:143) estamos a admitir, também, que os professores estão no centro deste processo. Mais ou menos céleres e exigentes, impostas ou assumidas, as mudanças estiveram sempre no centro do processo de profissionalização do pessoal docente.

Postos perante esta nova realidade, os professores – últimos mediadores entre a escola e a sociedade - têm um papel relevante e insubstituível na consecução, com sucesso, das reformas educativas. Como realça Hargreaves (1998:12) “o envolvimento dos docentes no processo de mudança educativa é vital para o seu sucesso, especialmente se a mudança é complexa e se espera que afecte muitos locais, durante longos períodos de tempo”.

Segundo o mesmo autor (1998:4), à medida que a pressão da pós-modernidade se vai fazendo sentir nas nossas escolas constatamos que o papel do professor se expande e assume novos requisitos, embora o papel tradicional não seja abandonado no sentido de dar lugar às mudanças.

A multiplicação das inovações cria sentimentos de sobrecarga entre os professores e os directores das escolas que são responsáveis pela sua implementação, visto que se começa a exigir às escolas mudanças dentro de prazos-limite muito curtos. Com o colapso das certezas morais, as antigas missões e desígnios interpretados pelos professores começam a desagregar-se, existindo poucos substitutos para ocupar o seu lugar. Por outro lado, à medida que as certezas perdem a sua credibilidade, os métodos e as estratégias utilizados pelos professores, assim como a base do conhecimento que os justificam, estão constantemente a ser questionados e/ou criticados, retirando qualquer fundamento ao trabalho até então por eles desenvolvido. O próprio professor “é confrontado com a dificuldade (…) de encontrar (…) o sentido da sua acção” (Garcia, 1996:213).

A mesma opinião tem Esteve (1992,1995) que também refere haver um aumento das exigências que se fazem ao professor, pedindo-se-lhe que assuma cada vez mais responsabilidades. Espera-se que o professor de hoje não seja apenas um transmissor de

conhecimentos e reduza a sua tarefa ao domínio do cognitivo. Como escreve o autor (1995:100), “para além de saber a matéria que lecciona, pede-se ao professor que seja facilitador da aprendizagem, pedagogo eficaz, organizador do trabalho, e que, para além do ensino, cuide do equilíbrio psicológico e afectivo dos alunos, da integração social, da educação sexual, etc.; a tudo isto pode somar-se a atenção aos alunos especiais integrados na turma”. Por vezes o professor é também confrontado com a necessidade de protagonizar “papéis contraditórios que o obrigam a manter o equilíbrio instável em vários campos”, exigindo a sociedade que este desempenhe “o papel de amigo, de companheiro e de apoio ao desenvolvimento do aluno, o que é incompatível com as funções selectivas e avaliadoras que também lhe pertencem” (Esteve, 1995:103).

Nesta escola de hoje, o papel dos professores é, assim, fundamental. A este propósito, Teodoro (1994:57) refere que se até há pouco tempo o trabalho dos professores se limitava ao espaço da sala de aula, depois do 25 de Abril pediu-se-lhes que “reinventassem a escola e dela fizessem um espaço de encontro de alunos, de interesses sociais e culturais”. Especificando, afirma que os professores acrescentaram (em muitos casos substituíram) à sua função de transmissão de conhecimentos, a de animadores culturais, de assistentes sociais e de responsáveis administrativos, passando, assim, a articular as atribuições tradicionais da escola com as necessidades globais de democratização e de desenvolvimento da comunidade, de participarem de maneira activa na correcção de assimetrias e no desenvolvimento local, de associarem o saber ao saber- fazer potenciador de uma atitude de educação permanente, de formarem cidadãos atentos e intervenientes nas transformações da sociedade e na preservação do meio e do património.

Tudo isto justifica que se defenda que a mudança do sentido da escola ou dos objectivos da educação escolar deva, necessariamente, ser acompanhada pela mudança no perfil do professor, que não pode ser mero transmissor de conhecimentos de forma expositiva, mas antes facilitador da aprendizagem dos alunos, ajudando estes a aprender por si mesmos (Jesus, 2000).

De forma progressiva observa-se, assim, a emergência da consciência de que o professor é a chave última da mudança educativa e do aperfeiçoamento da escola. Reconhece-se que a reestruturação desta, da composição dos currículos, o desenvolvimento

de avaliações aferidas ou outro tipo de medidas, só têm sentido se o professor for tido em conta (Hargreaves, 1998).

O caminho para a consolidação e fortalecimento de uma nova identidade profissional dos professores passa pela sua formação (Nóvoa, 1992). Uma formação, segundo o autor, orientada para o desenvolvimento de competências que tenham em conta os saberes, saberes-fazer e os valores próprios da função docente.

Em Portugal, os professores foram sempre “um grupo tutelado” (Silva, 1994). Como refere Nóvoa (citado por Silva, 1994:26) a Segunda Reforma Pombalina, em 1772, “já instituía, nos parágrafos III e VI um sistema de controlo de professores”. No período de vigência do Estado Novo (após o golpe de 28 de Maio de 1926), os governantes instauraram uma série de medidas regulamentares do ensino e da acção docente, que os tornaram um instrumento de endoutrinação ideológica e os submeteram ao controlo e vigilância do Estado. Do ponto de vista cultural, como refere Cunha (1996), o regime privilegiava a uniformidade nacional, os valores da tradição e a protecção contra qualquer inovação brusca. Tudo era regulamentado, não se deixando coisa alguma à consideração do professor, nem mesmo as metodologias ou materiais didácticos. O Estado garantia, assim, que as crianças portuguesas que frequentavam o ensino oficial “aprendiam todas os mesmos conteúdos, da mesma maneira e no mesmo horário” (Silva, 1994:27).

O Estado impunha mesmo aos professores regras para a utilização dos espaços, tempos e relações exteriores à escola, porque “o professor não o é apenas enquanto dá aulas, mas em toda a acção irradiante da sua presença sobre o meio” (Fernandes, citado por Silva, 1994:29), devendo residir, por isso, na sede da escola.

Assim, os professores tinham as suas vidas regulamentadas não só no que se refere às práticas lectivas, mas também em relação à sua vida exterior à escola. Deveriam ser guardiões da moral e dos bons costumes, educando pelo exemplo de uma vida sã, não só os alunos, mas toda a comunidade em que estavam inseridos. Se as suas vidas pudessem constituir escândalo público, ou se assumissem “atitudes contrárias à ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933” (Silva, 1994:30) seriam demitidos das suas funções.

Na análise que faz desta legislação, a autora citada sublinha que subjacente a estes textos existe uma moral, que é a moral que o Estado considera boa e que está eivada de “forte carga ideológica”. Enquanto funcionário público, o professor é entendido como um agente que está mais ao serviço do Governo, do centro de poder e de uma ideologia, do que ao serviço do Estado, da sociedade e do bem comum.

Toda esta ordem foi subvertida após o 25 de Abril, assistindo-se em Portugal à expansão do sistema educativo e ao aparecimento de uma escola de massas “feita de acordo com as necessidade de procura e estimulada em razão de princípios” (Orey da Cunha, 1996:74). Foi uma época de explosão em termos de população escolar, levando à contratação de professores que, por vezes, não tinham formação científica e/ou pedagógica adequada, ou que tinham recebido formação em cursos intensivos de curto prazo, para poderem suprir as necessidades de escolarização de uma massa de alunos que foram sendo “empilhados” em escolas sobrelotadas. A seguir à revolução de Abril, a sociedade portuguesa caracterizava-se pela rejeição dos valores do regime anterior, começando assim, em oposição à uniformidade nacional (característica da educação do Estado Novo), a emergir o apreço pelas identidades locais, sucedendo-se as inovações a ritmo vertiginoso “e muitos valores morais, especialmente os que eram associados ao êthos do regime tornaram-se suspeitos de opressão e rejeitados como incompatíveis com a liberdade” (Orey da Cunha, 1996:75).

Nas nossas escolas instala-se um relativismo moral, por vezes de raiz marxista, que tudo pretende explicar na base das diferenças sociais e condições económicas, desenvolvendo em alguns professores uma grande tolerância por todo o tipo de comportamentos e modos de viver “uma vez que não se aceitam valores normativos que permitam julgar da sua justiça ou rectidão” (Orey da Cunha, 1996:75). Mais do que ao serviço do dever e da virtude, os professores sentem-se ao serviço da sociedade. Todavia, o reconhecimento de que a escola continua a reproduzir as desigualdades sociais, e a perda de prestígio da profissão docente, têm vindo a contribuir para que o professor deixe, por vezes, cair os braços, e se sinta desculpabilizado por não intervir. Segundo Orey da Cunha (1996:77) o professor do paradigma presente aspira à realização pessoal buscada em primeiro lugar num “certo ‘porreirismo’ em relação aos alunos, mostrando que o professor

é um ser humano como os outros, com os mesmos impulsos e necessidades. É buscada, em segundo lugar, por uma certa subordinação das necessidades das escolas às suas necessidades pessoais e familiares (…). Em terceiro lugar, por melhores condições salariais de trabalho (…), mas o sentido último desta realização pessoal escapa, em grande parte, ao professor. Sem valores aceites que o norteie, desconfiando das instituições antigas como a Religião, sem apetência para o debate filosófico, define-se mais pela negativa do que pela positiva, e não encontra razões que lhe mantenham a satisfação profissional enquanto não alcançar as suas justas aspirações”.

Como se pode atestar, a função docente tem ampliado o seu campo de intervenção de acordo com as novas exigências que as transformações sociais e políticas impõem à acção educativa. Em consequência, a prática pedagógica dos professores estendeu-se por novos espaços de acção e de responsabilização profissional que é necessário enquadrar no âmbito da sua formação e desenvolvimento profissional. É esta nova realidade da profissão docente que se irá analisar com mais pormenor mais à frente, no ponto 4.2. .