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CAPÍTULO II – O ACESSO E A APREENSÃO DE DADOS ARMAZENADOS EM

SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

1. Os smartphones e a prova digital

Vivemos actualmente no seio de uma sociedade informatizada, uma sociedade que se regula diariamente com recurso a sistemas electrónicos. Durante esta última década

assistimos a uma rápida evolução tecnológica, evolução essa que se tem manifestado igualmente na área da criminalidade informática.

O telemóvel é, hoje em dia, um aparelho indispensável na vida dos cidadãos, quer pela sua capacidade comunicacional com o resto do mundo, quer pelo seu constante progresso no que concerne às suas aplicações que vão facilitando o dia-a-dia de cada um. Ainda assim, no seio da investigação de um crime, o telemóvel poderá ser visto como o maior inimigo do homem, neste caso, o maior inimigo dos investigadores criminais. Isto porque, o acesso a um telemóvel, ou mais precisamente, a um smartphone, para obtenção de prova em processo penal, terá de cumprir determinadas regras e obedecer a tantos outros procedimentos.

Em todos os casos de criminalidade, o objectivo do processo penal passa pela descoberta da verdade e pela persecução da justiça. Para tal, é necessário que se proceda à recolha de prova para que se possa condenar os culpados. Na investigação criminal, a obtenção e recolha da prova rege-se por dois artigos previstos no Código de Processo Penal: o artigo 125.º e o artigo 126.º. O primeiro estipula o princípio de que são permitidas todas as provas que não forem proibidas por lei, ao passo que o segundo estabelece que o valor de cada elemento de prova é determinado pelas regras da experiência e pela livre convicção de quem tem que decidir sobre elas107. Daqui resulta que as provas de índole digital são

admitidas, desde que a sua obtenção tenha sido realizada dentro dos estritos critérios da legalidade e objectividade108.

A prova digital é definida, por Benjamin Silva Rodrigues, como qualquer tipo de informação, com valor probatório, armazenada ou transmitida sob forma binária ou digital109. Por seu turno, Armando Dias Ramos, define a prova digital como “toda a informação passível de ser obtida ou extraída de um dispositivo digital (local, virtual ou remoto) ou de uma rede de comunicações”110. O legislador português não definiu o que

seria prova digital, no entanto, acreditamos que, de um ponto de vista geral, a prova digital será toda e qualquer informação/dados que tenham sido recebidos, transmitidos ou que estejam armazenados num dispositivo electrónico111. Por outro lado, de um ponto de vista

107 Este princípio não é absoluto, havendo excepções ao mesmo, designadamente, quanto ao valor da prova pericial.

108 Ramos, 2014: 85. 109 Rodrigues, 2009a: 39. 110 Ramos, 2014: 86.

mais técnico, cumpre esclarecer que a designação de “digital” advém do facto de a informação armazenada electronicamente ser repartida em dígitos, mais precisamente, numa sequência de números binários (isto é, zero ou um), que são reconhecidos e traduzidos pelo aparelho informático, transformando-se em informação112.

Por este motivo, como facilmente se adivinha, a prova digital carece de ser tratada de um forma diferente, mais precisamente de uma forma mais diligente e cautelosa, uma vez que um mero lapso poderá tornar a prova irremediavelmente inutilizada113. Uma vez que se trata de informação em formato digital, existe sempre a preocupação da mesma ser apagada, modificada ou destruída em segundos, sem se deixar rasto114. Daí resulta que a

rapidez na obtenção desta prova, aliada a uma correcta recolha, são dois passos fundamentais para o êxito da investigação e imputação dos factos ao suspeito do crime115.

Toda esta constelação de problemas é também enfatizada por Figueiredo Dias, ao afirmar que entre as novas problemáticas que se têm vindo a colocar tanto à legislação como à ciência do processo penal nos últimos tempos, a primeira tem que ver, precisamente, com a circunstância de os novos horizontes técnico-científicos terem aberto a porta a métodos de investigação até há não muito tempo desconhecidos116. Estando aí incluídos, entre

outros, os métodos de investigação computadorizados ou, de forma mais geral, permitidos pelos avanços informáticos117 (v.g. o smartphone).

Atendendo à quantidade, cada vez maior, de utilizadores de smartphones, e à sua capacidade de armazenamento118, estes dispositivos podem ser úteis ferramentas para os

investigadores criminais na recolha de prova em processos crime. Se durante uma investigação criminal for apreendido um smartphone relativamente recente, com cerca de seis ou sete anos, a amplitude de informação que pode ser obtida pelos investigadores é significante, abrangendo: linguagem e outras definições; agenda de contactos; informação de calendário; mensagens escritas; registo de chamadas feitas e recebidas; e-mail; fotografias; gravações áudio e vídeo; mensagens de multimédia; mensagens instantâneas;

112 Militão, 2012: 261.

113 Ramos, 2014: 87.

114 Mouraz Lopes/Antão Cabreiro, 2006: 72. 115 Ramos, 2014: 87.

116 Figueiredo Dias, 2009: 808-809. 117 Figueiredo Dias, 2009: 809.

118 Os smartphones são constantemente utilizados para as mais variadas funções: chamadas de voz; chamadas de vídeo; mensagens de texto; mensagens de imagem; pesquisas na internet, incluindo toda a panóplia de redes sociais; acesso a correio electrónico; fotografias e vídeos; calculadora; agenda; relógio; leitor de música; mapa; entre outras.

histórico de navegação na internet; documentos electrónicos; dados relacionados com as redes sociais; dados relacionados com aplicações; informação sobre localizações geográficas, entre outras119.

Todas estas informações que podem ser recolhidas apenas de um pequeno smartphone podem fazer toda a diferença no processo penal, auxiliando os investigadores criminais de inúmeras maneiras: recolhendo informação sobre um crime cometido (através de imagens, vídeos, e-mails, documentos, etc); recolhendo informação que comprove a intenção ou a tentativa da prática de um crime (por exemplo, através da análise do histórico do web browser); recolhendo informação que comprove o envolvimento de suspeitos que negam estar implicados num delito; recolhendo informação que revele a prática de diferentes crimes ainda desconhecidos; recolhendo informação de vários dispositivos electrónicos que, combinados, permitem criar um cronograma de eventos. Em vários processos criminais é deixado um rasto de informação electrónica para os investigadores criminais analisarem. E, uma vez que o smartphone poderá ser considerado um óptimo repositório de elementos probatórios, dada a sua vasta capacidade de armazenamento, coloca-se a questão: no caso de necessidade de recolha de prova armazenada num smartphone encriptado, como se procederá a apreensão do dispositivo e o posterior acesso aos conteúdos aí guardados?

Para respondermos a esta questão importa analisar a Lei do Cibercrime, de 15 de Setembro de 2009.