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CAPÍTULO IV – A DESENCRIPTAÇÃO DE SMARTPHONES PARA

OBTENÇÃO DE PROVA E A SUA ARTICULAÇÃO COM O PRINCÍPIO DA

4. Critérios para a determinação de violação do princípio nemo tenetur se ipsum

4.3. Critério da ponderação de bens

4.3.3. Os limites aos limites dos direitos fundamentais

4.3.3.3. Princípio da proporcionalidade em sentido amplo

Decorre do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, que as restrições aos direitos, liberdades e garantias têm de ser necessárias para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e têm de limitar-se ao necessário para esse fim412. Assim, para além de ter de constar em lei autorizada, com carácter geral e abstracto, a ordem restritiva (nomeadamente, a ordem de desencriptação de smartphones) tem, ainda, que ser adequada, ou seja, apropriada aos fins que se propõe atingir, necessária, na medida em que só é admissível quando for impossível utilizar outro meio menos oneroso, e proporcional em relação aos resultados obtidos413.

409 Gomes Canotilho/Moreira, 2014: 392. 410 Reis Novais, 2010: 602-603.

411 Reis Novais, 2010: 604. 412 Alexandrino, 2015: 134.

413 Correia, 1999a: 59. Em sentido semelhante, “as restrições estão sujeitas ao princípio da proporcionalidade – só podem ser estabelecidas quando os fins, os interesses e os valores constitucionais só através deles possam ser protegidos, devem, em cada caso, realizar esses fins e não outros e devem corresponder à medida, à justa medida, também em cada caso concreto”. Cf. Miranda, 2006: 97. “O valor constitucional dos preceitos relativos aos direitos fundamentais só é efectivamente garantido se se exigir que a eventual restrição seja adequada e justificada pela necessidade de proteger ou promover um bem constitucionalmente valioso e só na proporção dessa necessidade”. Cf. Vieira de Andrade, 2016: 287. “[…]

Apesar de a Constituição, no seu artigo 18.º, não fazer menção expressa à proporcionalidade como parâmetro de controlo, a doutrina portuguesa fez formalmente do princípio da proporcionalidade o núcleo central dos requisitos materiais exigidos às restrições de direitos fundamentais414.

O texto constitucional faz, ainda que implicitamente, referência ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo, que estabelece um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador415. O princípio da proporcionalidade em sentido amplo constitui um verdadeiro super conceito (Oberbegriff), super conceito esse que tem sido tradicionalmente decomposto em três subprincípios (corolários, máximas ou dimensões): a) o da adequação (ou idoneidade); b) o da necessidade (indispensabilidade ou do meio menos restritivo); c) o da proporcionalidade em sentido estrito (ou da justa medida)416.

O primeiro subprincípio, da adequação ou idoneidade, significa que as medidas restritivas devem ser aptas ou idóneas para realizar o fim prosseguido pela restrição. Ou seja, este subprincípio exige que a medida restritiva em causa seja considerada, através de um juízo de prognose417, apta a realizar o fim visado com a restrição ou contribua para o alcançar418. Para que se apure a existência de inconstitucionalidade será necessário que o

responsável pela restrição pudesse ter previsto tal inaptidão no momento em que a decidiu ou a actuou. O controlo da adequação acaba por ser, segundo Jorge Reis Novais, um controlo ex ante, incidindo sobre a prognose realizada pelos poderes públicos responsáveis pela criação ou concretização da restrição a direitos fundamentais419. Desta forma, viola-se este corolário sempre que, tendo em conta os conhecimentos empíricos e científicos disponíveis no momento da aprovação da medida, esta se revele inapta para atingir o fim visado: será naturalmente inapta se os efeitos dessa medida se revelarem

as restrições de direitos fundamentais carecem também de justificação, não podendo legitimar-se senão pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e não podendo ultrapassar a medida necessária para o efeito (n.º 2 do artigo 18.º). É a consagração expressa do chamado princípio da proporcionalidade, que proíbe, nomeadamente, as restrições desnecessárias, inaptas ou excessivas de direitos fundamentais. Os direitos fundamentais só podem ser restringidos quando tal se torne indispensável, e no mínimo necessário, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Cf. Gomes Canotilho/Moreira, 1991: 133-134.

414 Reis Novais, 2010: 729-730.

415 “A Constituição, ao autorizar a lei a restringir direitos, liberdades e garantias, de forma a permitir ao legislador a realização de uma tarefa de concordância prática justificada pela defesa de outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos, impõe uma clara vinculação ao exercício dos poderes discricionários do legislador”. Cf. Gomes Canotilho, 2016: 457.

416 Alexandrino, 2015: 135. 417 Rodrigues, 2009b: 216. 418 Reis Novais, 2010: 731. 419 Reis Novais, 2010: 739.

indiferentes ou contrários à realização do fim em vista420. É ainda de referir que a aptidão deve ser aferida não no sentido de uma exigência que só se considera cumprida quando o meio realiza integral ou plenamente o fim visado, mas bastando-se, antes, com uma aproximação sensível, ainda que parcelar, do fim pretendido421. Relativamente aos fins,

pressupõe-se que os mesmos sejam legítimos e, além disso, que sejam jurídica e materialmente possíveis.

O segundo corolário, da necessidade, indispensabilidade ou do meio menos restritivo, que constitui, sem dúvida, o teste mais complexo, exigente e decisivo, significa que se deve recorrer ao meio menos restritivo para atingir o fim em vista422. Isto é, o princípio da

necessidade impõe que se recorra, para atingir esse fim, ao meio necessário, exigível ou indispensável, no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir o fim em vista423. A indispensabilidade afere-se então pela comparação entre os prejuízos provocados por esse meio e os prejuízos que seriam provocados pela utilização de um meio alternativo menos agressivo. Por sua vez, a desnecessidade da agressão afere-se em relação aos prejuízos provocados pela medida restritiva, avaliados em função de critérios materiais, espaciais, temporais ou pessoais e tendo em conta, não apenas o direito fundamental directamente atingido, como qualquer outra afectação desvantajosa da liberdade, dos direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente relevantes do mesmo titular ou de outros afectados424. O teste é

complexo desde logo porque é função de múltiplas variáveis, nomeadamente: do tipo concreto de afectação, da agressividade do meio, da medida da eficácia dos vários meios ou da existência de outros efeitos colaterais425.

Por fim, o terceiro e último subprincípio, o da proporcionalidade em sentido estrito ou da justa medida, visa apurar o equilíbrio na relação entre a importância do fim visado e a gravidade do sacrifício imposto. Na verdade, uma medida pode ser adequada e necessária

420 Gomes Canotilho, 2016: 457.

421 Reis Novais, 2010: 738. Qualquer exigência de plena realização do fim seria impossível de ser atingida pelo legislador aquando da realização da medida, uma vez que não há como saber a priori se a medida irá efectivamente realizar o fim, motivo pelo qual basta que a medida seja adequada para fomentar o fim. 422 Alexandrino, 2015: 136.

423 Neste sentido vai também a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ao afirmar que “ainda que se considere a medida idónea, esta deve ser necessária, ou seja, perante medidas que oferecem idêntica idoneidade, deve escolher-se a que ofereça o menor potencial de prejuízo para o visado, mesmo que exija mais tempo para a sua realização, obrigando a utilizar outros meios de obtenção de prova […]”. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2014, de 21 de Outubro de 2014, disponível em:

https://dre.pt/application/file/58512485 [consultado em 16.02.2017]. 424 Reis Novais, 2010: 741.

e ao mesmo tempo afectar de forma excessiva, intolerável ou desproporcionada o direito em questão426. Este corolário está relacionado com a ideia de pesar, de sopesar, de ponderar as vantagens e desvantagens presentes num determinado cenário de restrição. Segundo Alexy, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde a uma máxima que pode ser designada como “Lei da Ponderação”. Esta máxima defende que quanto maior for o grau de não realização ou de afectação de um princípio, maior deve ser a importância da realização do princípio colidente427. De facto, aqui já não é a ponderação entre bens que está em análise, mas antes a medida restritiva que foi concretamente adoptada no seguimento daquela ponderação e, mais precisamente, o controlo da proporcionalidade dessa medida restritiva. E, neste controlo de proporcionalidade em sentido estrito, aquilo que se avalia, que se compara ou que se põe em relação, são os sacrifícios (custos) impostos ao direito fundamental contrapostos aos benefícios (vantagens) produzidos na obtenção do fim visado com a restrição428. Se a adopção de uma medida restritiva adoptada introduz na ordem jurídica um benefício marginal mínimo para o fim visado, mas produz, simultaneamente, um acréscimo significativo de sacrifício na liberdade, na autonomia ou no bem-estar, então a ponderação dessas grandezas com as que resultam das medidas alternativas actualmente em vigor pode revelar uma relação claramente desproporcionada e, daí, a inconstitucionalidade da nova medida429.

Por fim, quanto à concretização jurisprudencial, pode afirmar-se que o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, ou princípio da proibição do excesso, é talvez o cânone mais utilizado pelos tribunais portugueses. O Tribunal da Relação de Lisboa chega mesmo a afimar, no seu acórdão de 3 de Março de 2016, que o princípio da proporcionalidade em sentido amplo configura-se “como a trave mestra de legitimação do “ius puniendi” estatal e de toda a restrição de direitos fundamentais”430. O douto

tribunal dissocia ainda, de uma forma clara, as três dimensões do princípio: adequação,

426 Alexandrino, 2015: 137. 427 Alexy, 2014: 821. 428 Reis Novais, 2012: 128. 429 Reis Novais, 2012: 131.

430 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Março de 2016, disponível em:

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6? OpenDocument [consultado em 16.02.2017].

necessidade e proporcionalidade (stricto sensu), aplicando cada uma delas ao caso concreto431.