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Os Valores pessoais relacionados com o Vestuário e a Moda

No documento A sustentabilidade no design de vestuário (páginas 44-48)

CAPÍTULO II ESTADO DE ARTE

2.3 O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR

2.3.1 OS VALORES PESSOAIS

2.3.1.1 Os Valores pessoais relacionados com o Vestuário e a Moda

Embora a palavra “Vestuário” induza à definição genérica de “roupa” sob uma forma despojada de “fantasias”, hoje é difícil falar dela sem falar em Moda porque tudo aquilo que vestimos na cultura ocidental é “Moda” (Karl Poper, 1996)54

; “a moda é filha das sociedades abertas e modernas … e o traje tradicional é fruto das sociedades fechadas e antigas” (Pëtr Bogatyrev, 1937)55

. As sociedades tradicionais são regularizadas por

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Solomon, M. (2009). Os segredos da mente dos consumidores (C. M. e. P. Cotrim, Trans. 1ª ed.): Centro Atlântico, Lda.

52 Miranda, H. S. C. (2008) – cit 50, p.8

53 Segundo Rokeach num sistema de valores, cada valor é ordenado através de uma estrutura hierárquica. 54

Baldini (2006) – cit. 13, p.33

55«Em 1937, Pëtr Bogatyrev (1893-1974) publicou um ensaio «As Funções do Vestuário Popular na Eslováquia Morávia, em que afirma: «o traje popular é, sob muitos pontos de vista, exatamente o oposto da

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valores culturais diferentes que variam muito geograficamente. Nessas culturas ainda imperam fatores como a classe, a casta, o local onde se nasce, etc., que limitam o consumo e consequentemente o envolvimento com determinados produtos. Nas sociedades ocidentais modernas e pós-modernas, as pessoas são livres de escolher o conjunto de produtos, serviços e atividades que definem a sua identidade social porque a Moda teve e sempre terá duas funções: a “Expressão de Identidade” e a “Inclusão num grupo social” (Simmel, 1904)56.

A moda é o reflexo de nós próprios, expressando os nossos desejos, sentimentos, convicções, crenças, ideais, etc., (Lurie, 1997)57. A época em que nos encontramos representa o momento do "Street Wear" onde o processo trickle-down58 dá lugar ao

bottom-up (González, 2004, p.41; Salomon e Rabolt, 2004, 20)59 e onde as pessoas deixaram de ser indivíduos oprimidos para se tornarem verdadeiros talentos criativos na arte do vestir (Polhemus, 2008)60.

Segundo Ted Polhemus (1994), os valores que levam as pessoas a adotar determinados estilos de roupa podem ser constantes ou mutáveis transformando o próprio processo de motivação comportamental da aquisição de vestuário. As pessoas podem optar pelo “parecer” em vez do “ser”, dois modos de vestir que o antropólogo materializa em dois grandes grupos os Gathering of the Tribes e os Supermarket of Style. Enquanto os indivíduos de Gathering of the Tribes assumem-se como membros efetivos de um grupo, com valores constantes imutáveis, os que pertencem ao Supermarket of Style não querem ter compromissos sérios com nenhuma subcultura particular, podendo escolher aleatoriamente os streetstyles que pretendem e quando os desejarem (Polhemus, 1994, p.134). O primeiro grupo teve origem nos agrupamentos principais da sociedade contemporânea, a que o autor chama de “tribos do estilo” (originais), visível nos

roupa que segue a moda»…pois uma das principais características é a de mudar rapidamente, a fim de não se parecer com a anterior. «A tendência do traje popular (em termos genéricos) é a de permanecer imutável» «…o traje popular é submetido à censura da comunidade, que prescreve o que nele se pode ou não modificar; o vestuário da moda, embora também haja censura, depende das opções dos costureiros que o criam». Em Baldini (2006) – cit. 13, p.104

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Alguns autores como Giddens (1990, 1991) consideram o pós-modernismo uma forma radical de modernismo, outros consideram-no como outro tipo de modernismo, diferente do inicial (Dolfsma, 2004) e ainda outros vêem-no como uma evolução para a hiper-modernidade (Aubert, 2004, Lipovestsky, 2004). Em Cantista, I., Vitorino, F., Rodrigues, P., & Ferreira, S. (2008). – cit.20

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Schulte, N. K., & Lopez, L. D. (2007) – cit 7, p.3

58 Teoria iniciada por Mandeville, médico do século XVII que escreveu na sua obra A fábula das Abelhas: “Todos olhamos para quem está acima de nós e, assim que podemos, esforçamo-nos por imitar os que de algum modo nos são superiores”. Mais tarde foi desenvolvida por Veblen.

Em Baldini (2006) – cit. 13 59 Cantista et al (2008) – cit.20, p.8 60 Polhemus, T. (1994) – cit.26

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“Rockers”, nos “Mods”, nos “Punks”, etc., cuja autenticidade se foi perdendo quando os valores que lhe estavam associados se transformaram em “tendências de moda”. No “supermercado dos estilos”, a veracidade assume uma inconstância pessoal e o vestuário torna-se a sua máscara.

“Values and Fashion Consumption of Working Women in Europe”61, de Isabel Cantista, Francisco Vitorino, Paula Rodrigues e Sónia Ferreira (Cantista et al, 2008, pp.1- 27) é exemplo de um dos estudos que têm surgido como base de segmentação na área do vestuário. Nesta análise, os investigadores pretenderam examinar a ligação entre certos valores pessoais e o consumo de determinados estilos de moda (trendy, clássico, romântico e casual) para diferentes funcionalidades (vestuário e acessórios), acrescentando ainda, dois outros valores que consideraram importantes para a caracterização do comportamento do consumidor na atual sociedade onde vivemos, os “valores modernistas” e os “valores pós-modernistas”. Os “valores modernistas” compreendem o esforço da sociedade em prol do desenvolvimento racional através do conhecimento. Abraçam a ideia do progresso, aliada ao poder da razão e valorizam a liberdade em detrimento da opressão. Sob estes valores, a moda é vista como o reflexo da prosperidade de classes sociais altas (aristocracia e burguesia), inicialmente visível em formas complexas e ostensivas como forma de expor a riqueza (Alvira, 2004, 18, Breward & Evans, 2005, Wilson, 2007)62 e posteriormente patente em formas mais simples, afetadas pelo papel da mulher na vida profissional, especialmente após as duas grandes guerras, que simplificou o seu vestuário (Cocciolo & Sala, 2001)63. Os “valores pós-modernistas” provêm do desenvolvimento social, económico e tecnológico da sociedade moderna. Cresceram sob a forma de revolta contra a exploração económica, opressão política, bombas nucleares e poluição ambiental dali resultante. A moda, no pós-modernismo representa novidade, "moda não está mais na moda", "Anything goes" (Alvira, 2004, p.20)64, tudo é aceite e a boa escolha tanto pode ser novidade como “vintage” por isso os consumidores pós-modernistas são mais relativistas e agem como “camaleões” à procura de diferentes experiências.

Parece lógica a sucessão dos valores do modernismo ao pós-modernismo mas para estes investigadores todos os indivíduos agem com a finalidade de manter a coerência de

61 Tradução livre da autora: “Valores e Consumo de Moda de mulheres activas na Europa”. Em Cantista et al (2008) – cit.20

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Idem - cit.20, p.6-7 63 Idem - cit.20, p.6-7 64 Idem - cit.20, p.8

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acordo com as suas auto-imagens (Niedenthal et al., 1985)65 e autoestimas (Grubb e Grathwohl, 1967, Rosenberg, 1979)66 daí considerarem a existência simultânea de grupos de consumidores mais modernistas e grupos de consumidores mais pós-modernistas na sociedade atual. Após o estudo efectuado, chegaram à conclusão que a maioria de pessoas inquiridas preferia o estilo de vestuário clássico, considerando-o mais prático para trabalhar e sendo, também, uma forma de enfatizar os valores sociais com as outras pessoas (“warm relationships”). Os valores “pós-modernistas” que os investigadores quiseram avaliar não tiveram valores significativos em termos estatísticos mas estavam presentes entre as mulheres que preferiam o estilo de vestuário trendy e que exprimiam valores relacionados com a “emoção” (“emotion”), o “divertimento” e a “apreciação pela vida” (“fun and enjoyment”) e o “entusiasmo” (“excitement”).No campo dos Acessórios, o Casual look sobressaiu, mesmo na presença constante do estilo de vestuário clássico; aqui, um ligeiro toque individual era expresso pela “emoção”, a característica fundamental para a seleção de acessórios mais desportivos (Cantista et al, 2008, pp.18-19)67.

Utilizar um tipo de vestuário clássico, codificado como “aceitável”, com acessórios “casual ou sport” pode significar valores diferentes em simultâneo. O vestuário clássico codificado pode manifestar a necessidade das pessoas se sentirem “seguras” nas suas atividades profissionais (refletindo valores modernistas de prosperidade e ascenção) e a utilização de “acessórios” mais desportivos pode manifestar a necessidade dos indivíduos se afirmarem, evidenciando a sua personalidade através de pequenos elementos decorativos, (sem no entanto descodificar a mensagem social e refletindo, também, valores pós-modernistas, como o elitismo, a diferenciação, a hiper-realidade, a autenticidade, a mistura, etc.)68.

2.3.2 O ENVOLVIMENTO

Os valores pessoais dos indivíduos caracterizam-se como fatores estáveis do seu comportamento, pertencendo às características permanentes dos indivíduos. Porém, esses valores podem ser influenciados por outro tipo de fatores e alterar o seu comportamento de consumo. Na análise do estudo de Cantista et al (2008) verificou-se que grande parte das mulheres ativas preferem vestir vestuário formal, o que revela a importância dos valores (externos) sociais na sua motivação na compra de vestuário.

65 Cantista et al (2008) – cit 20, p.9 66

Idem 67 Idem - cit 20

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O conceito do “envolvimento” é, para alguns investigadores, o elemento que ativa a motivação do consumidor para a compra de determinados produtos ou marcas (O’Cass, 2000)69 assumindo, por isso, uma importância significativa no mercado. Existe quem o defina por “estado individual variável” (de interesse ou entusiasmo pelo objeto) ou por “elemento de ligação cognitiva” entre o indivíduo (as suas características permanentes) e um objeto. Todavia, independentemente do primor da sua definição, o envolvimento está relacionado com a importância pessoal de um objeto para o indivíduo, podendo ele ocorrer numa situação duradoura ou curta (Houston & Rothschild, 1977)70. O “envolvimento situacional” refere-se a uma compra ocasional com um nível de envolvimento diminuto, logo após a aquisição do objeto, e o “envolvimento duradouro” reflete um nível de envolvimento maior onde o produto se relaciona com os valores e as necessidades centrais do indivíduo (Bloch, 1982; Laurent e Kapferer, 1985; Karsaklian, 2000)71. “Um consumidor mais envolvido estará mais susceptível a qualquer informação sobre o mesmo” (…) e demorará mais tempo no processo de escolha que os consumidores menos envolvidos (Miranda, 2008, p.27)72. Não obstante, existem estudiosos que preferem distinguir outros tipos de envolvimento, nomeadamente: o “Envolvimento emocional e afetivo” (Vaughn in Laurent e Kapferer)73 e o “Envolvimento racional” (Chombart de Lauwe in Laurent e Kapferer)74.

No documento A sustentabilidade no design de vestuário (páginas 44-48)