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7. ANÁLISE DA PERFORMANCE

7.1. ANÁLISE DA PERFORMANCE NO CIDADE ALERTA

7.1.3. Pai acusado de matar a filha está em liberdade

Exibida no dia 09 de dezembro, a reportagem “Pai acusado de matar a filha está em liberdade” teve 27min32s, sendo que mais de onze minutos, ou seja, mais de um terço da matéria compreendem falas de Marcelo Rezende. O apresentador faz uma longa introdução da

reportagem (7min36s) e ao final, reforça seu comentário, com a participação de Percival, tendo a interação entre eles 3min46s. O modelo de apresentação adotado por Marcelo Rezende mescla estúdio e off, com exibição de vídeos caseiros de Sofia, que aparecem intercalados. O primeiro (figura 4) mostra a menina de pé, em frente à tevê, com um bichinho de pelúcia nas mãos. Sofia dança e pula assistindo ao desenho exibido. O segundo vídeo (figura 5) mostra a menina sentada em uma mesa, conversando e vendo um livro com a mãe.

A introdução de Rezende começa no estúdio. O apresentador, que estava inicialmente

em plano médio, vira de costas para o público e segue em direção à televisão, na qual é exibida a fotografia da menina. O enquadre da câmera permanece fixo, acompanha os passos do apresentador que, de cabeça baixa, se distancia até ficar em plano geral. Por mais que o apresentador perca o contato visual com o telespectador – importante estratégia de proximidade do telejornalismo – seu ato não é sinal de displicência, pois nestes segundos que caminha – cinco passos em direção à televisão – ele fala diretamente ao público, o insere na conversa: “E nós. Eu vou dizer uma coisa”.

O virar de costas de Rezende, o que também observamos em outras emissões, reforça seu posicionamento de controle do telejornal. Em sua performance como apresentador ele quebra formalidades e rompe com padrões de apresentação, o que contribui para que Rezende sustente a impressão de autonomia e também autenticidade na condução do Cidade Alerta. Como o próprio Rezende ressalta em entrevistas64, uma das condições impostas por ele para voltar ao Cidade Alerta era a permissão para fazer o telejornal do seu jeito, aos seus moldes, sendo então seu “novo” modo de apresentação reflexo do seu jeito de ser, brincar, de sua forma de encarar a vida. O próprio vestuário do apresentador evidencia esse posicionamento. Ao invés do tradicional terno e gravata – símbolo de seriedade e credibilidade no jornalismo televisivo -, ele traja costumeiramente calça, camisa social e blazer. Nesta emissão

64 O que observamos nos programas de entretenimento analisados.

especificamente, chama a atenção um pequeno detalhe, a adoção do sapato mocassim sem meia65 - item comum no seu vestuário cotidiano e em suas aparições informais na tevê que o apresentador traz para o ambiente profissional como uma pequena quebra de formalidade. Este tipo de sapato que ficaria nos bastidores, em caso de formatos jornalísticos mais tradicionais, e que sinalizaria até mesmo uma falha, se exibido, se enquadra no contexto do Cidade Alerta eacentua a autonomia e personalidade de Rezende na condução do telejornal.

Dando continuidade à introdução, já em plano geral, Marcelo Rezende se volta para as câmeras, ficando ao lado da tevê, e relembra o assassinato de Sofia66.

Rezende: Primeiro eu vou mostrar a imagem [fotografia de Sofia em tela cheia]. Você, não sei se você lembra da menina Sofia, aqui em São Paulo. Pode mostrar o videozinho dela. [vídeo 1 e off de Rezende] Lembra da menina Sofia, que o pai foi buscar na escola e logo depois a menina acabou morta, pois bem. Você, você há de lembrar que o pai disse que a menininha Sofia tinha acabado se asfixiando num saco plástico, o que não havia condição pelo tipo de saco, segundo a perícia. Mas a perícia disse mais. A perícia disse, a perícia disse [vídeo 2 e permanência do off de Rezende] que a criança, a criança foi morta, porque tinha marcas de pancada e pela mecânica do que aconteceu, ela foi asfixiada dentro, dentro daquela casa. Dentro da casa, dentro da casa só estavam [volta para o estúdio] dois. Ela e o pai, [Rezende, ao lado da tevê, aponta para as fotografias de Ricardo e Sofia contrapostas na tela] Ricardo. Ele foi preso ainda no velório. (CIDADE ALERTA, 09 de dezembro de 2016).

Rezende não só recupera detalhes do crime como posiciona o telespectador em relação ao caso. Interpelando o público de modo individualizado pelo pronome você, a performance do apresentador não deixa dúvidas – mesmo que ainda não tenha ocorrido o julgamento - de que o pai é o assassino da filha. Marca de seu modo de narrar improvisado, Rezende fala pausadamente, repete palavras e frases, mas todo o tempo demonstra tranquilidade e total segurança daquilo que diz. Ganha destaque nessa introdução o uso que o telejornal faz da imagem de Sofia. O caso por si só gera comoção por se tratar de uma criança, e as fotografias e vídeos da garotinha, sempre alegre e sorridente, contribuem ainda mais para criar laços de identificação e proximidade com o telespectador, que se ressente pela perda. É a figura de Sofia e seu testemunho de uma vida interrompida que conferem o teor trágico da matéria. Rezende não precisa aparecer, sua escolha de palavras somada as imagens e sons da menina são os elementos usados para envolver o público e sanar qualquer tipo de dúvida em relação ao crime e ao criminoso: Sofia foi assassinada pelo próprio pai.

65 Na emissão do dia 05, observamos que o apresentador calçava sapato social. Os próprios enquadramentos de câmera costumeiramente adotados pelo telejornal - plano médio ou americano - dificulta a percepção desse detalhe. Mesmo quando o plano está aberto, o enquadramento costuma cortar os pés do apresentador.

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O crime aconteceu um ano antes em 02 de dezembro de 2015. No entanto o telejornal não fornece está informação, de modo a manter a ideia de atualidade do fato.

Retomado o crime, Rezende, em plano americano, continua sua argumentação de modo a comprovar a legalidade de que Ricardo permaneça na cadeia. O fato de o pai, que estava preso desde o velório da filha, agora poder responder o processo em liberdade é o gancho para a retomada do caso e motivo de indignação do apresentador, que performa de modo a também posicionar o público contra a decisão.

Rezende: Ele tentou ser solto, para responder em liberdade, no Tribunal de Justiça aqui de São Paulo na segunda instância. Os desembargadores disseram não. Foi para o Superior Tribunal de Justiça, os ministros disseram não. [dá passos para frente até ficar em plano médio] Foi agora para o Supremo Tribunal Federal e o que ocorre? Ocorre o seguinte, que caiu a decisão nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello, o mesmo que mandou que Renan Calheiros deixasse a presidência do Senado, quando o que tinha que se argumentar é se ele ia ficar ou não na linha de sucessão da Presidência da República. Com isso, criou-se uma crise institucional no país e depois o Supremo Tribunal Federal decidiu que Renan Calheiros não pode ocupar a presidência se porventura chegar, né, numa viagem do Temer com o Rodrigo Maia, ele não pode. Pois bem, [enumera nos dedos da mão] um juiz mandou prender, um desembargador ou desembargadores de São Paulo disseram que ele não podia ser solto. O Superior Tribunal de Justiça também disse que não. Pois o ministro Marco Aurélio Mello, este que está tão em cartaz no momento, do Supremo Tribunal Federal, decidiu que o assassino da filha pode responder o processo em liberdade. (CIDADE ALERTA, 09 de dezembro de 2016).

Para posicionar o público contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e reforçar a necessidade de que Ricardo permaneça preso, o apresentador usa duas estratégias complementares: demonstrar que a manutenção de Ricardo na cadeia é legal e merecida, afinal matou a própria a filha, e caracterizar Marco Aurélio Mello como um ministro de decisões erradas. Em sua performance, Marcelo mantem o mesmo tom de voz calmo e a fala pausada, mas sua escolha de palavras e postura demonstram seu desejo de persuasão. O apresentador permanece praticamente parado, mantendo as mãos mais próximas ao corpo. Seu rosto e voz expressam seriedade, sinalizam a importância do assunto tratado. Ao oferecer o primeiro argumento, ele se fundamenta nas decisões anteriores. O fato de o Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça de São Paulo negarem que Ricardo responda em liberdade é motivo suficiente para que também o Supremo Tribunal Federal negasse tal regalia. Já para descredenciar a decisão do ministro Marco Aurélio Mello, Rezende questiona a atuação do ministro, expõe as falhas no desempenho de sua função, retomando o caso de Renan Calheiros e as consequências que sua decisão, nos dizeres do apresentador errônea, provocou no país: uma crise institucional. Visando destacar ainda mais o suposto erro do ministro e descredenciar sua notoriedade, o apresentador usa a seguinte frase de efeito: “Pois o ministro Marco Aurélio Mello, este que está tão em cartaz no momento, do Supremo

Tribunal Federal, decidiu que o assassino da filha pode responder o processo em liberdade”. O enquadramento oferecido por Rezende, e que sustenta toda a reportagem, é que o STF, ignorando todas as outras instâncias, libertou injustamente o pai assassino. Ricardo não é réu confesso, mas para Rezende não há dúvidas de que ele matou a filha, sendo então a cadeia o desfecho justo e merecido.

Dando prosseguimento à sua fala, o apresentador então apela para a figura de Sofia. Como afirmam Ribeiro e Sacramento (2017), “O testemunho das vítimas no jornalismo permite o exercício de seu papel de vigilância dos problemas sociais, nomeia uma posição de sujeito para a audiência além do voyeurismo e implica que certos acontecimentos exigem que sejam testemunhados porque requerem algum tipo de resposta pública”. (RIBEIRO, SACRAMENTO, 2017, p. 77).

Rezende: O ministro Marco Aurélio Mello, mostra a imagem da menina, por favor [vídeo 2– off Rezende]. Talvez fosse o caso de perguntar, e eu adoraria fazer essa entrevista com o ministro Marco Aurélio Mello, pra perguntar a ele e eu respeito a decisão da Justiça, apesar de não concordar com ela. Perguntar ao ministro do Supremo Tribunal Federal o que ele acha dessa menina em vida, linda, brincando. [vídeo 1] E se porventura ele quer olhar as fotos do cadáver da menina. Eu gostaria muito de perguntar ao ministro Marco Aurélio Mello, qual é a diferença entre o que é legal e o que é legítimo. Porque pode até, por uma dessas palavras da Lei dizer que ela, né, dizer que ele pode responder em liberdade. Mas a questão é que a palavra da lei não pode ser acima da morte da criança, a palavra da Lei [vídeo 2] não pode ser acima do legítimo. (CIDADE ALERTA, 09 de dezembro de 2016, grifos nossos)

A fala de Rezende caminha de argumentos a apelos e se torna mais agressiva. O apresentador se posiciona como porta voz do povo e defensor da justiça - não necessariamente a prevista nas leis, mas uma justiça moral - e pede então que o ministro considere a vítima. Ele elabora uma entrevista imaginada, com perguntas inquisidoras, que expressam seu desejo de expor a fachada do ministro, seu erro moral. Sua performance, mais do que convencer ao próprio ministro, quer mobilizar o público. Jornalista com vários anos de carreira e conhecedor do funcionamento do Judiciário, Rezende sabe que sua fala dificilmente afetaria a decisão judicial, no entanto, afeta a opinião pública. Aproveitando-se da visibilidade exaustiva das decisões do STF, principalmente em relação ao cenário político nacional, o apresentador traz isso para o telejornal (em alguns casos até fora do contexto, como observamos na reportagem “Fim de namoro acaba em morte: jovem assassino está em liberdade”) e fortalece as críticas ao papel do STF, também contribuindo, nessa reportagem específica, para o desgaste da imagem pública de Marco Aurélio Mello.

Observando o modo como o apresentador conduz o caso, vemos então opostas duas concepções de justiça. A primeira, concretizada por Melo, seria a ideia de justiça defendida por Rawls (conforme Sandel, 2017), que entende que para deliberar sobre a justiça é preciso deixar-se conduzir pela neutralidade, abandonando objetivos, apegos e concepções particulares do que seja bom. “É assim que devemos conceber a justiça, vendo através de véu de ignorância, isto é, sem saber, a quem nossas decisões afetam” (SANDEL, 2017, p.295). Como destaca Sandel, neste sentido de justiça, o certo tem primazia sobre o bom. Poderíamos então concluir, baseados neste argumento, que o STF promoveu a justiça, na medida em que cumpriu o que a Lei determinava, independente do mal que Ricardo tenha causado. Rezende, no entanto, defende uma outra concepção de Justiça, desenvolvida por Aristóteles, que entende que “um dos propósitos de uma Constituição justa é formar bons cidadãos e cultivar o bom caráter. Ele não acha que se possa deliberar sobre justiça sem deliberar sobre o significado dos bens – cargos, honrarias, direitos e oportunidades – proporcionados pela sociedade.” (SANDEL, 2017, p.295). Se para Rawls, justiça tem a ver com liberdade e neutralidade, para Aristóteles, a justiça requer merecimento. Suas discussões sobre justiça e direito envolvem a discussão sobre “o propósito, ou télos, de uma instituição social, o que por sua vez, reflete noções conflitantes a respeito das virtudes que a instituição deveria valorizar e recompensar”. (SANDEL, 2017, p.238). Fundamentado por essa concepção, Rezende adota a lógica de que a liberdade é uma recompensa, um privilégio para o cidadão de bem. Ricardo perde esse direito no momento em que mata a filha e fere todas as expectativas sociais por trás de seu papel de pai, não merecendo então retornar ao convívio da sociedade. Se o propósito do STF é promover a justiça, entendida por Aristóteles como “dar as pessoas o que elas merecem”, a instituição não cumpriu seu papel ao deixar Ricardo, o assassino da filha, em liberdade. Mesmo que a decisão do ministro seja correta perante a Lei, o argumento de Rezende é que ela não obedece a moral. Seu discurso defende que, mais do que obedecer a lei, é preciso avaliar o que é bom para a sociedade – o que o STF não fez deixando Ricardo aguardar o julgamento em liberdade.

Em seguida, ainda em off, com exibição do vídeo 2, o apresentador repete seus argumentos. Destaca as decisões judiciais anteriores, que negaram a liberdade a Ricardo e também o “erro” do ministro Marco Aurélio no caso de Calheiros. Rezende se posiciona como autoridade, o guardião da moralidade e repreende o ministro, oferecendo-lhe uma lição moral: a Lei não pode estar acima da vida de uma criança.

Rezende: [...] Eu queria perguntar numa entrevista que requisitos são preenchidos pela menina Sofia. Porque não é possível que homens

experientes do Tribunal de Justiça de São Paulo estejam errados. O juiz de primeira instância esteja errado. O ministro do Superior Tribunal de Justiça esteja errado. E só o ministro Marco Aurélio Mello esteja certo. A imagem da criança [vídeo 2 – off de Rezende] talvez seja o registro definitivo de quanto a gente não consegue entender que justiça é essa que não é justa. Põe no Cidade. (CIDADE ALERTA, 09 de dezembro de 2016).

Apesar de posicionar Ricardo no lugar de bandido (o apresentador fala claramente que ele é o assassino da filha - mesmo sem julgamento) e abordar inicialmente o crime, percebemos que o foco da introdução de Rezende não é o crime nem a tragédia familiar vivenciada. Se em outros crimes violentos vemos o apresentador sugerindo até mesmo a pena de morte, a prisão perpétua ou trabalhos forçados como punição, no caso de Ricardo a cobrança parece mais leve: mantê-lo na cadeia. Uma explicação para isso pode ser o fato de o acusado, por pertencer à classe média, contar com apoio jurídico na defesa de sua imagem. Mas acreditamos que o principal motivo para a pouca exposição de Ricardo é porque o apresentador prioriza a crítica ao STF, fazendo dele seu protagonista. O desejo de posicionamento, por parte do apresentador, em relação ao papel desempenhado pelo STF nesse caso e, mais do que isto, a crítica à sua atuação e interferência no cenário político é o foco principal.

Dando continuidade a matéria, são exibidas duas reportagens consecutivas sobre o caso, que reforçam o enquadramento de que Ricardo é o assassino de Sofia. A primeira, do repórter Aurélio Freitas, conhecido no telejornal como Aurélio “Chuca Chuca”, dura 6min15s e a segunda é uma edição de 9min55s da reportagem que foi produzida e exibida67 pelo programa Domingo Espetacular em meados de 2016.

A reportagem de Aurélio “Chuca Chuca” retoma o caso e oferece detalhes da decisão do STF, sendo o repórter a única voz que aparece durante toda a narrativa. “Chuca Chuca” justifica, em uma das passagens, que tanto o advogado de Ricardo quanto a família materna de Sofia foram procurados, mas optaram por não falar com a imprensa. Também não há busca de especialistas, sendo Rezende e Percival os principais responsáveis por oferecer explicações sobre a decisão judicial, após a reportagem.

A partir de imagens de Sofia e trilha sonora dramática, o off do repórter introduz o caso que, segundo ele, chocou o país. Ficam claros também o papel do bandido e da vítima, pai e filha, respectivamente. “A pequena Sofia de quatro anos [...] teve a vida tirada de forma cruel. [...] As investigações apontam para uma pessoa. O responsável pela morte de Sofia seria o pai dela, Ricardo Najjar.” Na narrativa, Ricardo é associado à crueldade - tirou a vida

da filha de forma cruel - e Sofia é a representação da fragilidade - pequena Sofia de apenas 4 anos. Em seguida, temos a passagem do repórter, em uma calçada, próxima a um local arborizado, provavelmente uma praça. Enquadrado em plano médio, ele caminha enquanto dá detalhes sobre a decisão do STF e os motivos que levaram o ministro Marco Aurélio Mello a essa decisão.

Repórter: Depois de vários meses na prisão, a defesa de Ricardo resolveu uma última apelação. Recorreu ao STF e recentemente, há menos de uma semana, o ministro do Supremo, Marco Aurélio, resolveu dar a liberdade pra Ricardo. Na decisão, ele disse que a manutenção da prisão de Ricardo significaria uma antecipação de pena e que não estavam nos critérios apresentados pelo Ministério Público Estadual descritos necessidades de manter essa prisão. Justamente por isso, ele não poderia autorizar a manutenção da permanência de Ricardo na cadeia. A antecipação de pena feriria os critérios da Constituição e também do processo de constituição da Justiça. E justamente, por isso, ele resolveu liberar o Ricardo. Disse que essa antecipação de pena não pode acontecer e que ele, principalmente, não ofereceria nenhum tipo de risco à investigação e também aos outros envolvidos no processo como testemunhas. (CIDADE ALERTA, 09 de dezembro de 2016).

Por mais que a reportagem apresente as razões que motivaram a decisão do STF, ela não explica os desdobramentos ou impactos dessa decisão para o desenrolar do julgamento de Ricardo. Os quadros de sentido acionados visam convencer que esta é uma decisão injusta e, assim como Rezende, o único argumento usado pela matéria é que a decisão do STF foi contrária à de outras instâncias judiciais – Tribunal de Justiça de São Paulo e Superior Tribunal de Justiça -, que optaram por manter Ricardo na cadeia alegando existirem provas suficientes que atestam o crime cometido. Além disso, a reportagem acentua que a família materna da vítima também acredita na culpa de Ricardo, o que é ressaltado por meio do discurso indireto do repórter.

Repórter: [...] Eles [familiares] disseram que estão muito abalados e principalmente indignados com a soltura de Ricardo. Mantém a posição de não comentar o assunto junto à imprensa, mas reafirmaram que estão acompanhando todos os detalhes e que não vão deixar a morte de Sofia passar em branco, que o responsável por ela deve pagar e acreditam que este seja Ricardo. (CIDADE ALERTA, 09 de dezembro de 2016).

A fala dos familiares, além de posicionar Ricardo como culpado pelo crime e reforçar a injustiça promovida pela decisão do STF, acentua o papel do telejornal e do apresentador como defensor da vítima, legitimando a fala anterior de Rezende e sua busca por justiça. O mesmo sentimento de indignação e o desejo da punição expressos pelo repórter, porta voz na reportagem dos familiares de Sofia, foram compartilhados, minutos antes, por Marcelo Rezende, o que reforça seu posicionamento como defensor do cidadão e promotor da justiça.

Ainda que a reportagem exponha a versão apresentada por Ricardo de que tudo não passou de um acidente e que Sofia teria se asfixiado sozinha, essa versão é questionada e desconstruída pela reportagem, que evidencia as contradições do depoimento do pai: “Os laudos periciais foram categóricos. Somente um homem com força poderia ter causado tantos danos ao corpo da garotinha”. Com trilha sonora de suspense, o repórter narra o que teria acontecido, segundo a versão policial, legitimada pelo telejornal e pela família de Sofia.

Repórter: Segundo os investigadores, no inquérito consta que Ricardo estava em casa com a filha enquanto se arrumava pra sair à noite para encontrar a namorada. Ele já estaria atrasado e a criança agiu naturalmente, mas ficou um pouco agitada. Não queria que o pai a deixasse em casa sozinha. E foi exatamente isso que teria irritado Ricardo. Ele já atrasado e a namorada ligando, cobrando a presença dele, teria dado um tapa na criança. A ira dele ainda ficou descontrolada, justamente por isso, ele continuou batendo na menina, teria sufocado e usado uma sacola plástica, um material bem grosso,