• Nenhum resultado encontrado

3. CIDADE ALERTA: O POPULAR NO TELEJORNAL POLICIAL BRASILEIRO

3.3. CIDADE ALERTA, UM TELEJORNAL POPULAR

3.3.3. Recursos narrativos

A construção de uma narrativa emocional é o grande investimento do telejornal popular. Para isso, importam não só as temáticas e os personagens convocados, como também o modo como essas narrativas são delineadas. Mais do que relatos objetivos dos fatos, temos assim, no telejornalismo popular, uma articulação das falas do apresentador, repórteres e também entrevistados, de modo a garantir uma narrativa na qual informação e emoção estejam entrelaçadas. Para despertar a atenção do público, envolvê-lo na narrativa, o telejornalismo popular opta então pela narração dos acontecimentos como histórias, contadas a partir de diferentes recursos audiovisuais. Rocha, Alves e Oliveira (2013) ressaltam que o modo como a televisão “conjuga elementos técnicos tais como iluminação, cenário, trilha sonora, movimentação de câmera e uso de planos redunda em estilos característicos que contribuem na identificação do gênero e do tipo de narrativa que ele tende a privilegiar.” (ROCHA; ALVES; OLIVEIRA, 2013, p. 206). No caso dos telejornais populares essa soma de recursos audiovisuais não só contribui para a identificação destes telejornais como uma produção jornalística como também os insere no universo popular a partir da construção de uma narrativa melodramática. Como destaca Huppes,

O gênero melodramático mobiliza elevada soma de recursos com o fito de produzir o envolvimento do espectador, situem-se tais elementos ao nível do arranjo cênico, da linguagem e da história. Tempera a elevação do discurso com personagens grotesca e cômicas, multiplica as peripécias, os acasos providenciais, as surpresas, a exuberância sentimental. Faz da plateia um confidente, confere-lhe a prerrogativa de informação especial, mobilizando estratégias capazes de conquistar sua cumplicidade. Cria um todo compósito ao qual acrescenta um cuidado novo. Ele deve ser oferecido ao público envolto em excepcional aparato cênico. [...] O resultado é um produto multifacetado, onde sobressaem os elementos formais – notadamente, os visuais e sonoros – sobre aqueles de natureza conteudística. (HUPPES, 2000, p. 102-103).

Há no telejornal popular um grande investimento no discurso emocional, sendo o texto jornalístico construído de modo que as falas do apresentador, repórteres e também entrevistados se complementem e se entrelacem de modo a garantir uma narrativa, na qual a emoção assuma papel fundamental. Como destaca Plantin (2010), para emocionar o público é preciso primeiro que o orador se mostre emocionado. Ele “deve se colocar no estado

emocional que deseja transmitir. Deve produzir em si mesmo os phantasiai que sustentarão sua emoção. [...] Ou seja, o orador deve se colocar em estado de empatia com seu público; deve sentir/simular para estimular”. (PLANTIN, 2010, p.65). Percebemos este traço na performance de Marcelo Rezende, que ao expressar suas emoções (compaixão, alegria, tristeza, indignação, etc) convida o telespectador a também sentir, a compartilhar de um sentimento comum, por meio dos quadros de sentido acionados. Há no Cidade Alerta um discurso que convoca o público, na medida em apela para valores morais e que sustenta o imaginário popular do medo e da violência das ruas. O programa tenta a todo o momento construir um “mundo comum” para os telespectadores, no qual cada crime significa na medida em que revela um retrato do crime no país, na cidade em que o espectador habita. Há uma generalização de modo que todos se sintam afetados pelos fatos acontecidos. O programa busca despertar não só a compaixão pela vítima, como a indignação e até mesmo o ódio pelo agressor. A vítima do crime não era um familiar do telespectador, mas assim como ele, era um pai de família, uma mãe de família. O tráfico fez mais uma vítima, que poderia ser um familiar, um vizinho, um amigo do telespectador.

Para garantir o envolvimento do público, o telejornal popular se apropria da retórica do excesso e constrói uma narrativa do esbanjamento, seja ele de adjetivos e palavras para caracterizar a violência de determinado fato ou o sofrimento de determinada vítima, seja pela trilha sonora de suspense, de tragédia ou pelo tom de voz empregado pelo repórter e apresentador que expressa suspense, indignação, medo, ou ainda pelo enquadramento das vítimas, mostradas predominantemente em close up de modo que o telespectador acompanhe de perto suas lágrimas, seu sofrimento, indignação. A todo o momento a narrativa convoca o público, provoca sensações, para que este se envolva na narrativa, se identifique com as vítimas e repudie os bandidos.

Apesar dos recursos sonoros (background) serem comuns ao telejornal, o som ambiente costuma ser o principal elemento empregado na narrativa jornalística, pois confere, segundo Guilherme Rezende (2000), mais realismo e autenticidade a notícia. Vemos então, em uma matéria internacional, o background da língua original do entrevistado, na cobertura de trânsito o som das buzinas e dos carros, no futebol, o canto das torcidas. Tudo pensado e controlado de modo a não prejudicar a compreensão da fala do repórter e/ou entrevistado. Enquanto o som ambiente confere realismo à notícia, a trilha sonora seria, segundo Rezende, um elemento de dispersão e por isso recomendável apenas às matérias classificada leves.

Com a adoção desse recurso, é possível obter um efeito irônico, hilariante ou lírico para uma matéria, aproximando-a em alguns casos, do gênero da

crônica. Por esse motivo, desaconselha-se sua utilização em matérias estritamente jornalísticas, em que obrigatoriamente a notícia tem que transmitir uma mensagem precisa e objetiva de imediata compreensão do público. (REZENDE, 2000, p. 151).

Vemos, no entanto, nos telejornais populares, uma inversão destes elementos, com privilégio da trilha sonora sob o som ambiente. A música é usada tanto para acentuar o clima de suspense ou o teor dramático de determinada situação, como para preencher silêncios, nos quais os entrevistados se entregam a emoção. Mais do que um elemento decorativo, percebemos que a trilha sonora enquadra, posiciona o telespectador, na medida em que confere o tom da reportagem, desperta sensações e ressalta determinada fala, comportamento. Em relação ao som ambiente, percebemos que ele só ganha destaque quando carregado de forte apelo emocional, revelando o choro, os gritos, a dor daqueles que sofrem. Muitos telejornais populares também se apropriam de efeitos sonoros pré-gravados, como buzinas, risadas, gritos, tiros, que são usados tanto para chamar a atenção para a narrativa como para conferir certo caráter cômico ao telejornal.

Além dos efeitos sonoros, a escolha das imagens também é um importante elemento para suscitar a emoção. Mostrar objetos emocionantes, como a arma do crime, o ferimento da vítima, as marcas do tiro ou mesmo a emoção estampada no rosto daquele que sofre ou se alegra, contribuem, segundo Platin, para despertar a emoção do telespectador. Tal argumento explica algumas escolhas estilísticas do telejornal popular. Nos planos de câmera, vemos que os telejornais populares investem principalmente no close up e no plano detalhe para acentuar as emoções dos entrevistados. Como explica Guilherme Rezende (2000), a mudança de plano simboliza uma mudança de tratamento ao telespectador, sendo que quanto mais fechado o plano, maior será a sensação de intimidade do espectador com aquele que está sendo retratado. Vemos no Cidade Alerta a busca pela captura dos menores gestos e expressões. No caso das vítimas, os telejornais buscam as lágrimas, o olhar de tristeza, a boca que narra, as mãos que gesticulam. Já no caso dos acusados, vemos a busca pela captura do arrependimento ou da crueldade, expressos no rosto dos entrevistados. Ciente da importância do enquadramento de câmera, o próprio Marcelo Rezende criou o bordão “corta pra mim” para que a câmera capture suas expressões faciais e gestos à medida que discursa no telejornal.

Segundo Huppes, enquanto a tragédia apela ao coração e a comédia à mente, no melodrama o apelo é aos olhos, tendo a composição do espaço cênico um papel fundamental para a construção da narrativa melodramática. No telejornal, o espaço cênico extrapola o estúdio e se modifica a cada reportagem. No entanto, por mais que o “estar no local dos fatos”

seja uma característica e promessa comum ao jornalismo, para o telejornal popular, mais do que estar no local dos fatos é preciso mostrá-lo em detalhes, vivenciá-lo a partir dos indícios deixados pelo crime: a poça de sangue, o sapato deixado para trás, a marca dos tiros, a arma do crime, o local exato da violência sofrida. Vemos um esforço narrativo para transportar o telespectador para os diferentes cenários que vão sendo apresentados, sendo o repórter a peça central para que isso aconteça. Em muitas matérias, vemos que o repórter também adentra a casa dos entrevistados, espaço maior da intimidade daquelas famílias, de onde constroem uma narrativa emocional e revelam para o telespectador detalhes do que aconteceu. A entrevista na casa dos entrevistados não só confere um caráter de maior proximidade entre entrevistado e repórter/público, como também opera como identificador social dos personagens, na medida em que revela as precariedades daquele espaço de vida.

Outro importante recurso narrativo dos telejornais populares é a figura do narrador, que é encarnado principalmente pelo apresentador do programa. No Cidade Alerta, percebemos que, a exemplo da narrativa melodramática, Rezende administra as informações e prepara o telespectador para as emoções que virão. O apresentador é o grande narrador do telejornal, um narrador onisciente que conduz o público para desvendar detalhes de cada caso retratado e da vida dos personagens. Para isso investe em longas cabeças para apresentar as personagens, polarizadas entre bandidos e vítimas, e também estabelece os primeiros laços de identificação do telespectador com a história. Outro elemento que contribui para situar o público na narrativa são as legendas, que ficam fixas na tela durante toda a reportagem. Tais legendas tanto oferecem quadros de sentido para a narrativa como criam suspense ou curiosidade sobre determinada reportagem, usando, para isso, de jogos de palavras e expressões populares, além de em alguns momentos, serem responsáveis por antecipar o desfecho do caso reportado.

Por fim, podemos destacar a construção da linguagem verbal como importante elemento narrativo nos telejornais populares. Os diferentes manuais de jornalismo defendem o uso de uma linguagem clara, simples e precisa e que não inclua termos cujo significado não seja de domínio público, como estrangeirismos, gírias, jargões técnicos, termos eruditos ou já em desuso. Segundo Rezende, quanto mais coloquial o tom que o jornalista imprime a mensagem que elabora, maior o grau de comunicação afetiva com o telespectador.

Pelo coloquial atinge-se, portanto, o propósito máximo da comunicação de massa: uma mensagem acessível ao maior número de pessoas. Uma mensagem acessível do ponto de vista intelectual – pela clareza das informações divulgadas – e emocional- pela simulação de um contato

interpessoal, próprio da função fática da linguagem, tocando afetivamente o telespectador. (REZENDE, 2000, p. 97).

No caso dos telejornais populares, vemos a busca por essa comunicação afetiva. Por mais que os manuais de jornalismo defendam o uso de uma linguagem clara, simples e precisa, e que não inclua termos cujo significado não seja de domínio público, como estrangeirismos, gírias, jargões técnicos, termos eruditos ou já em desuso, os telejornais populares, na busca pela aproximação com o público, investem no linguajar popular, carregado de expressões populares, jargões policiais, gírias, adjetivos. Como destaca Sunkel (2002), a linguagem popular é que permite construir “una sensación de cercanía y familiaridade com el lector a través de significados compartidos” (SUNKEL, 2002, p. 109), sendo a escolha de palavras pensada não só para informar sobre o que aconteceu, mas principalmente para fazer sentir, tentando transpor em palavras as emoções vivenciadas.