• Nenhum resultado encontrado

O POPULAR URBANO NA AMÉRICA LATINA: O CONCEITO DE HEGEMONIA E A CULTURA MIDIÁTICA

2. A CULTURA QUE NASCE DO COTIDIANO POPULAR

2.4. O POPULAR URBANO NA AMÉRICA LATINA: O CONCEITO DE HEGEMONIA E A CULTURA MIDIÁTICA

Um dos pensadores mais influentes para os estudos culturais latino-americanos é Antonio Gramsci. Seu conceito de hegemonia, que, em suma, significa a capacidade de um setor ou grupo de setores de uma classe social de gerar consenso favorável a seus interesses e fazê-los equivalerem como interesse geral, permite pensar o processo de dominação social não mais como uma imposição exterior e sem sujeitos, mas como um processo no qual uma classe hegemoniza, na medida em que representa interesses que as classes subalternas também reconhecem de alguma maneira como sendo seus.

Segundo Escosteguy (2001), a incorporação do conceito de hegemonia aos estudos culturais permitiu vislumbrar um movimento mais dinâmico e complexo na sociedade, que admitia tanto a reprodução do sistema de dominação quanto a resistência a este mesmo sistema. Tal concepção foi adotada não só pelos latino-americanos como também esteve presente na vertente britânica dos estudos culturais, influenciando Raymond Willians e também Stuart Hall.

Em relação à perspectiva latino-americana estudada, o aporte gramsciano parece circunscrever-se a análises propriamente culturais, embora estas tenham uma forte conotação política, na medida em que vão dar vazão a demandas populares antes desconsideradas. É, principalmente, o conceito de hegemonia e as possibilidades abertas por ele para a compreensão do âmbito popular que repercutem nessa vertente de análise cultural da comunicação e, especialmente, nas formulações de Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini. (ESCOSTEGUY, 2001, p. 92).

A adoção do aporte gramsciano nos estudos culturais latino-americanos permite uma mudança de enfoque. A comunicação antes vista como processo de dominação dá lugar a ideia da “dominação como processo de comunicação”, ou seja, a dominação passa a ser vista como uma atividade que inclui o outro, e não como pura passividade por parte do dominado. Segundo Martín-Barbero, o conceito de hegemonia permite pensar a dominação como um processo entre sujeitos, um jogo que tem que ser refeito continuamente tanto pelo lado do dominador quanto pelo lado do dominado.

La hegemonía no se da de modo pasivo como forma de dominación, ni se constituye de una vez para siempre. Debe ser continuamente renovada, recreada, defendida y modificada. Porque es continuamente resistida, limitada, alterada, desafiada por presiones que no le son propias. [...] La hegemonía es dominante pero jamás lo es de un modo total o exclusivo. Formas alternativas u opuestas siempre existen en el seno de las prácticas culturales. Poder y resistencia. Relaciones de poder y zonas de resistencia. La función hegemónica es controlar, neutralizar, transformar e, incluso, incorporar las formas de oposición. La hegemonía es vista así como un proceso activo, no como una dominación inmodificable. (BLANCO; DOMINE, GÓMEZ; IMPERATORE; MONTES; SORIENTE; ZUBIETA, 2000, p. 39).

Além do conceito de hegemonia, outra importante contribuição de Gramsci para o estudo da cultura popular é pensar o povo, as classes subalternas como múltiplas e heterogêneas, rompendo assim com a concepção romântica de cultura popular, que a enxergava como unívoca, como expressão da personalidade de um povo. Como explica Martín-Barbero, Gramsci liga cultura popular e subalternidade, mas não de modo simples, pois ao mesmo tempo em que diz que esta cultura é inorgânica, fragmentada e degradada, também reconhece nela “uma particular tenacidade, uma espontânea capacidade de aderir às

condições materiais de vida e suas mudanças, tendo às vezes um valor político progressista, de transformação.” (MARTÍN-BARBERO, 2013, p. 227)

Segundo Blanco et al, o conceito de hegemonia permite que a concepção de cultura popular seja revista e então redefinida como um sistema de relações entre classes sociais que constitui tanto um lugar para a produção de consenso como também de resistência a este consenso. A partir deste conceito, a cultura popular passa a ser pensada como uma cultura de conflito para as classes dominantes, sendo que há sempre um elemento da cultura popular que escapa ou se opõe às forças hegemônicas. No entanto, como ressalta Canclini e também Martín-Barbero, é preciso ter cuidado com interpretações que, ao atribuírem independência as classes populares, acabam pensando as classes subalternas e a dominante como se fossem exteriores entre si, como se cada uma tivesse uma tarefa pré-estabelecida, sendo a da cultura hegemônica a de dominar e a da cultura subalterna a de resistir.

Se algo nos ensinou é a prestar atenção à trama: que nem toda assimilação do hegemônico pelo subalterno é signo de submissão, assim como a mera recusa não o é de resistência, e que nem tudo que vem “de cima” são valores da classe dominante, pois há coisa, que vindo de lá, respondem a outras lógicas que não são as da dominação. (MARTÍN-BARBERO, 2013, p. 114) Na obra “As culturas populares no capitalismo”, publicada em 1982, Canclini se distancia não só da visão romântica de cultura popular, que restringe o popular ao que é artesanal, exótico, folclórico, primitivo, a uma criação espontânea do povo, como também se opõe a pensar os produtos populares exclusivamente como uma estratégia de mercado. Segundo o autor,

O enfoque mais fecundo é aquele que entende a cultura como um instrumento voltado para a compreensão, reprodução e transformação do sistema social, através do qual é elaborada e construída a hegemonia de cada classe. De acordo com esta perspectiva, trataremos de ver as culturas das classes populares como resultado de uma apropriação desigual do capital cultural, a elaboração específica de suas condições de vida e a interação conflituosa com os setores hegemônicos. (CANCLINI, 1983, p. 12).

Entendendo a cultura como representação, produção, reprodução e reelaboração simbólica, Canclini defende a ideia de que a especificidade das culturas populares é que todas as formas específicas de representação, produção, reprodução e reelaboração simbólica das relações sociais são produzidas pelo povo através de seu trabalho e da própria vida, sendo as culturas populares construídas a partir de dois espaços distintos. O primeiro inclui as práticas profissionais, familiares, comunicacionais e de todo tipo através das quais o sistema capitalista organiza a vida de seus membros. No outro espaço se encontram as práticas e

formas de pensamento que os setores populares criam para si próprios, por meio dos quais entendem e expressam sua realidade, o seu lugar na produção, na circulação e no consumo.

Canclini nos lembra que tanto o espaço da cultura hegemônica quanto o da cultura popular são interpenetrados, e exemplifica isto através da linguagem. Segundo o autor, a linguagem dos operários e camponeses é, ao mesmo tempo, uma construção própria dessas pessoas e em parte uma ressemantização da linguagem midiática e também do poder político. Do mesmo modo, também a linguagem hegemônica dos meios de comunicação e dos políticos leva em consideração as formas de expressão populares, de modo a alcançar os setores populares.

A partir de uma pesquisa sobre as mudanças no artesanato e nas festas populares mexicanas no final dos anos 70, o autor busca mostrar como o desenvolvimento econômico e cultural influenciou a cultura local e a vida das classes populares em dois povoados do estado de Michoacán. O estudo mostra que o capitalismo não atua para eliminar as culturas populares - ao contrário, ele se apropria delas, as reestrutura, reorganizando o significado e a função dos seus objetos, crenças e práticas. Canclini também busca identificar as respostas que as comunidades tradicionais e os povos mestiços oferecem diante das situações de dominação, ou seja, “as suas maneiras de se adaptarem, resistirem ou encontrarem um lugar para sobreviver” (CANCLINI, 1983, p. 13). Um dos exemplos trazidos pelo autor é dos artesãos dos povoados rurais que, estando na cidade para venderem seus produtos, mantêm costumes da vida no campo, como o modo de preparo dos alimentos. Outro exemplo são dos trabalhadores sazonais que, durante as festas locais, registram as músicas regionais em seus gravadores, levando a cultura local para os locais de trabalho, muitas vezes a muitos quilômetros de casa. Canclini também acentua como os produtos artesanais vão tendo seus usos readaptados pelo mercado. Objetos que, para as classes populares, servem para cozinhar ou são artefatos religiosos, ganham no mercado outro valor. São reapropriados como objetos de decoração, como lembranças típicas e mesmo exóticas dos locais visitados e vendidos para turistas.

Ao final da pesquisa, o autor aponta a dificuldade de definir o popular a partir de propriedades que lhe seriam intrínsecas: o artesanato, as festas tradicionais, sua ligação com o campo, com o indígena, enfim, com o tradicional, o folclórico, e propõe pensar o popular não mais como um conjunto de objetos, mas como uma posição e uma prática.

Ele não pode ser fixado num tipo particular de produtos ou mensagens, porque o sentido de ambos é constantemente alterado pelos conflitos sociais. Nenhum objeto tem seu caráter popular garantido para sempre porque foi produzido pelo povo ou porque este o consome com avidez; o sentido e o

valor populares vão sendo conquistados nas relações sociais. É o uso e não a origem, a posição e a capacidade de suscitar práticas ou representações populares, que confere essa identidade. (CANCLINI, 1983, p. 135, grifos nossos).

Segundo tal perspectiva, para que uma obra ou objeto sejam populares não importa tanto seu lugar de criação (uma aldeia indígena, uma zona rural ou uma emissora de televisão), nem a presença ou ausência de signos folclóricos, mas sim a utilização que os setores populares fazem deles. Mais do que olhar para as realizações do povo, avaliando sua beleza, criatividade e autenticidade, interessa ao autor “os modos e as formas através dos quais certas classes sociais têm vivenciado o processo cultural em relação a suas condições de existência reais enquanto classes subalternas”. (CANCLINI, 1983, p. 137).

Quem também se dedica ao estudo do popular na América Latina é Beatriz Sarlo. Em sua obra "Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e vídeo-cultura na Argentina”, publicada em 1997, a pesquisadora lança olhar sobre o contexto urbano argentino do final do século XX, marcado pela expansão dos meios de comunicação de massa e pelo sistema econômico capitalista. Diante do processo de modernização dos setores populares, Sarlo aponta a escola como um fator essencial para esta modernização. Nas primeiras décadas do século XX, momento em que esta instituição se apresentava como um lugar simbolicamente rico e socialmente prestigioso, lugar da cultura letrada, ela também foi responsável pela distribuição de saberes e habilidades que os mais pobres só ali poderiam adquirir. Como explica Sarlo, a alfabetização permitiu maior acesso aos meios de comunicação impressos e a expansão da indústria editorial de massa, possibilitando o acesso a outros setores empregatícios e maior independência trabalhista das mulheres. Longe de repudiar a cultura letrada, as culturas populares urbanas tiraram dela elementos cruciais para seu processo de modernização. Por meio da escola, os setores populares tiveram acesso a outros valores, mitos, histórias e tradições, além de se apropriarem de outros elementos culturais, sendo errôneo o pensamento que restringe a escola a apenas um instrumento de dominação.

A escola, sem dúvida, não ensinava a combater a dominação simbólica, mas proporcionava as ferramentas necessárias à afirmação da cultura popular sobre bases distintas, mais variadas e mais modernas que as da experiência cotidiana e os saberes tradicionais. A partir dessa distribuição de bens e habilidades culturais, os setores populares realizaram processos de adaptação e reconversão muitas vezes bem sucedidos. (SARLO, 1997, p. 118).

Além do acesso à educação, destacado por Sarlo, a expansão das classes populares no ambiente urbano também significa a busca por melhores condições de vida e, consequentemente, a sobrecarga dos centros urbanos. Segundo Martín-Barbero, os anos de

1930 foram decisivos para a América Latina não só pelo processo de industrialização e modernização das estruturas econômicas, como também pela irrupção da massa nas cidades. “A migração e as novas fontes e modos de trabalho trazem consigo a hibridação das classes populares, uma nova forma de se fazerem presentes na cidade” (MARTÍN-BARBERO, 2013, p. 225). A presença dessa massa de pessoas afeta todo o conjunto da sociedade urbana, suas formas de vida e pensamento e a própria fisionomia da cidade. Durante certo tempo a massa foi marginal; era o heterogêneo e o mestiço frente à sociedade normalizada. A quantidade de pessoas gera também um déficit de transporte e moradia e novas formas de ocupação do espaço urbano, que começa a perder seu centro, sendo as periferias invadidas pelos pobres, que também almejavam os benefícios que a cidade oferecia. Surgem as vilas, as favelas e com elas novos modos de morar na cidade, andar pelas ruas e comportar-se.

As massas queriam trabalho, saúde, educação e diversão. Mas não podiam reivindicar seus direitos a esses bens sem massificar tudo. Revolução das expectativas, a massificação revelava seu paradoxo: era na integração que residia a subversão. A massificação era de uma só vez, com a mesma força, a integração das classes populares à “sociedade” e a aceitação por parte desta do direito das massas, ou seja, de todos aos bens e serviços que até então tinham sido privilégio de poucos. E isto a sociedade não podia aceitar sem ao mesmo tempo transformar-se profundamente. (MARTÍN-BARBERO, 2013, p. 226).

Em “Ofício de Cartógrafo”, Martín-Barbero (2004) reflete sobre o modo como a modernização e, mais recentemente, a globalização modificam as formas de vida e ocupação da cidade. No contexto latino-americano, as cidades se caracterizam ao mesmo tempo como espaço dos grandes conglomerados urbanos, marcados por modernos projetos arquitetônicos, e também pela pobreza das periferias e seus modos de vida ainda precários.

Se de um lado a modernização significa acesso a serviços (água potável, energia, saúde, educação), decomposição das relações patriarcais e certa visibilidade e legitimação das culturas populares, de outro significa também desenraizamento e crescimento da marginalização, radical separação entre trabalho e vida, perda constante da memória urbana. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 282).

Na cidade, os integrantes das classes populares se mantêm anônimos, um entre tantos outros, no entanto, no bairro, as classes populares ainda podem estabelecer laços duradouros, consolidar identidades, sustentar seu lugar social. Como explica Martín-Barbero (2013), o bairro é lugar de reconhecimento e “proporciona às pessoas algumas referências básicas para a construção de um a gente, ou seja, de uma sociabilidade mais ampla do que aquela que se baseia nos laços familiares, e ao mesmo tempo mais densa e estável do que as relações formais e individualizadas impostas pela sociedade” (MARTÍN-BARBERO, 2013, p. 277).

Olhando para a realidade dos subúrbios colombianos, o autor (2004) reconhece esses locais como espaços de confluência entre o moderno e o tradicional, locais estratégicos da reciclagem cultural.

Entre a cumplicidade que permite tirar partido dos vícios dos ricos e a resistência que guarda resíduos de solidariedades e generosidade a toda prova, vemos formar-se uma trama de intercâmbios e exclusões que, ainda no esquematismo desses relatos, fala da mestiçagem entre a violência que se sofre e aquela outra com a qual se resiste, e das transações morais sem as quais resulta impossível de sobreviver na cidade. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 286).

A violência é, segundo Sarlo, um elemento fundamental que afeta o cotidiano dos bairros populares latino-americanos e, consequentemente, as relações de vizinhança, destacadas por Martín-Barbero como fundamentais. Como ressalta a autora, marcados pela insegurança e violência, os bairros populares e subúrbios convidam cada vez mais seus moradores ao recolhimento das casas, o que enfraquece seu papel “como espaço de associação, construção da experiência comum e o estabelecimento de relações face a face”. (SARLO, 1997, p.106). No centro desse mundo privado, os meios de comunicação passam a ocupar lugar privilegiado. “O bairro deixa de ser o território de uso e pertencimento, porque seus habitantes seguiram o contraditório processo duplo de transpor todas as fronteiras, tornando-se público audiovisual, e ao mesmo tempo ficar cada vez mais encerrados dentro de suas casas”. (SARLO, 1997, p.106). Como destaca Martín-Barbero (2004), existe uma estreita simetria entre a expansão da cidade e o crescimento e densificação dos meios de comunicação. “Se os novos modos de vida na cidade exigem a reinvenção dos laços sociais e culturais” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 293), são as redes audiovisuais que efetuam essa nova distribuição dos espaços e intercâmbios urbanos, sendo também a partir dos meios de comunicação que as pessoas experienciam a vida na cidade. “O rádio e a televisão acabam sendo o dispositivo de comunicação capaz de oferecer formas de resistir ao isolamento das populações marginalizadas, estabelecendo vínculos comuns a maioria da população.” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 294-295). Por meio deles, nos conectamos com a cidade em que vivemos, a partir do acesso a informações sobre o trânsito, festividades religiosas e locais, acontecimentos políticos e econômicos e também o cotidiano de violência, que assola as grandes cidades.

Tanto o atrativo quanto a incidência da televisão sobre a vida cotidiana tem menos a ver com o que nela passa do que com o que compele as pessoas a resguardar-se em suas casas. Como eu escrevi em outro lugar, em boa medida, “se a televisão atrai é porque a rua expulsa, é dos medos que vivem as mídias”. Medos que provém secretamente da perda de sentido de

pertencer em cidades nas quais a racionalidade formal e comercial foi acabando com a paisagem na qual se apoiava a memória coletiva, nas quais a normalização das condutas, tanto quanto a dos edifícios, levam a erosão das identidades [...]. Medos, enfim, que provêm de uma ordem construída sobre a incerteza e a desconfiança que nos produz o outro, qualquer outro – étnico, social, sexual – que se aproxima de nós na rua e é compulsivamente percebido como ameaça. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 295).

Na medida em que os diferentes meios de comunicação introduzem representações de violência no cotidiano das pessoas, a sensação de insegurança aumenta e também modifica as formas de viver na cidade. Enquanto os ricos se isolam em condomínios fechados, cercados por câmeras de vigilância, os pobres ficam a mercê da insegurança. Como ressalta Michaud (1989), se antes a relação dos indivíduos com os acontecimentos e fatos se dava principalmente por meio de experiências diretas e também por testemunhos e evidências indiretas que recebiam, com os meios de comunicação a lógica é invertida, pois “a enorme massa de informações veiculadas pela mídia multiplica as evidências indiretas e parte importante da experiência do mundo passa pelas imagens que nos mostram as coisas como se estivéssemos lá ou como se estivéssemos estado” (MICHAUD, 1989, p. 49). Assim, não é preciso mais sofrer um ato de violência, nem mesmo conhecer alguém que sofreu para sentir-se afetado por ela, para temê-la. Como destaca Porto (2009),

Os fenômenos da violência, ao serem enfocados pelos meios de comunicação de massa, invadem cotidianamente nossos sentidos com espetáculos que parecem querer sinalizar a barbárie, colocando-nos às vésperas de uma guerra civil. São imagens, discursos e narrativas que acabam por produzir um deslocamento nos conteúdos do imaginário social, por meio do qual o “mito do homem cordial” cede espaço à “lei do mais forte”, compondo um quadro mental de intranquilidade e de caos, percebidos como representativos da contemporaneidade brasileira. (PORTO, 2009, p. 218).

Diferentemente do padrão europeu ou estadunidense, os países latino-americanas vivenciam, segundo Martín-Barbero, uma modernidade periférica, marcada por inovações e resistências, continuidades e rupturas, e pela defasagem “no ritmo das dimensões da mudança e as contradições não só entre diferentes âmbitos – tecnológico, político, social - mas entre diversos planos de um mesmo âmbito”. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 286). Para compreender tal contexto é preciso, no entanto, se distanciar de visões comparativas, nas quais haveria um ideal de modernidade a ser alcançada, o que acaba por reduzir os povos latinos a meros reprodutores e deformadores da verdadeira modernidade, “impedindo-nos, desta maneira, de compreender a especificidade dos processos, a peculiaridade dos ritmos e a

densidade de mestiçagens e destempos em que se produz nossa modernidade”. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 286). No contexto latino-americano,

O marginalizado que habita os grandes centros urbanos da Colômbia, e que em algumas cidades assumiu a figura do assassino, não é só a expressão do atraso, da pobreza ou do desemprego, a ausência da ação do Estado no seu lugar de residência e de uma cultura que deita suas raízes na religião católica e na violência política. Também é o reflexo, talvez da maneira mais saliente, do hedonismo e do consumo, da cultura da imagem, do vício, da droga, em uma palavra, da colonização do mundo da vida pela modernidade. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 286)

Na América Latina, a modernização responde a três dinâmicas diversas, mas, ao mesmo tempo, complementares. A primeira é o desejo e a pressão das maiorias por melhores condições de vida a partir do desenvolvimento de movimentos sociais e organizações não governamentais, que configuram novos modos de ação política e participação cidadã. A segunda é a cultura do consumo que, advinda dos países centrais, revoluciona os modelos de comportamento e estilos de vida, “desde os costumes alimentares às modas do vestir, aos