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A palavra entre famílias tupi guarani: o que ensinam as divindades não se ridica aos

CAPÍTULO 2 AQUELES QUE VIVEM JUNTOS: RELAÇÕES ENTRE PARENTES

2.5. Relações entre parentes enquanto lócus de conflito

2.5.1. A palavra entre famílias tupi guarani: o que ensinam as divindades não se ridica aos

O termo palavra, utilizado no português pelas famílias tupi guarani, assume diversos sentidos, nos contextos mais variados e, por isso, para tornar mais compreensível as reflexões que seguem a respeito da palavra e seus usos, deve-se ter em mente que utilizam o termo para se referir, de maneira geral, a pelo menos quatro coisas distintas:

(1) A primeira, diz respeito à linguagem ou a capacidade de comunicação enviada por Nhanderu, e que denominam nhe’eng, quando no Tupi. Sem, no entanto, assumir a conotação de alma (nhe’e) que, como veremos adiante, aparece em algumas etnografias 101.

(2) A segunda, refere-se às palavras cotidianas, às conversas banais entre parentes e, principalmente, as que assumem a forma de aconselhamento. E são essas as palavras que não devem ser ridicadas, visto que são formas de se fazer disponível e passar adiante os bons saberes. E segundo explicam, os aconselhamentos e os modos de passá-lo adiante são um desdobramento da linguagem (nhe’eng) enviada por Nhanderu, uma parcela dela.

(3) No terceiro caso, o termo palavra é usado em referência às primeiras palavras, que dizem respeito aos termos que utilizam para se referir aos parentes durante o processo de aparentamento das crianças, procedimentos necessários para sua permanência nesta Terra. Os termos que utilizam no trato com os parentes, segundo suas formulações, são as primeiras palavras a tomar forma nas crianças, as primeiras palavras que elas começam a proferir e que, conforme explicam, demonstra que a capacidade de linguagem (nhe’eng), a qual fora enviada por Nhanderu, fixou-se na criança e encontra-se em processo de ativação102. E, por

isso, depois que fala pai e mãe desembesta a pedir um monte de coisas. Dessa forma, as primeiras palavras se constituem também como um desdobramento de nhe’eng, e é assim que, desde cedo, aprendem os modos como os parentes devem ser tratados, a dinâmica dos

101 Dentre as etnografias cito os trabalhos de Clastres (1990), Pissolato (2007), Macedo (2009), Testa (2014),

entre outras que retomo adiante.

102 Sobre a criação e circulação de saberes, objetos, substância, capacidades, e suas ativações, Testa (2012: 185)

afirma que “[...] qualquer substância para ter eficácia tem que ser ‘ativada’”. Nas palavras da autora: “[...] É como se ela contivesse uma potência ou potencialidade, mas sua eficácia dependesse de um conjunto de fatores: a intenção de uso, quem prepara, os modos e contexto de preparo e uso, os cuidados para resguardar os efeitos após o uso. Por isso, essa noção corrente de transmissão é completamente inadequada, pois a substância transmitida não teria valor ou possibilidade de uso e circulação se o problema central fosse sua mera transferência, inadulterada pelas configurações de contexto e manipulação” (TESTA 2012: 185). O que pode lançar luz a essa discussão e os desdobramentos que envolvem o nhe’eng enviado pelas divindades, os quais

passam pela sua ativação, não se tratando de algo meramente transmitido pelas divindades, mas que precisa ser ativado nesta Terra e colocado em circulação. Nesse caso, as primeiras palavras, ou os termos que utilizam para se referir aos parentes, suponho, seriam o pontapé inicial dessa ativação.

aconselhamentos, o uso das “belas palavras” na comunicação com as divindades, e com aqueles que vivem juntos; tudo isso em um ciclo contínuo. Ressalto, porém, como apresento posteriormente, que os termos que utilizam para se referir os parentes, as primeiras palavras, não precedem as relações, mas são formas de fazer visíveis aquelas constituídas a partir do nascimento de uma criança. 103

(4) E no quarto e último caso, a palavra é compreendida, de acordo com meus interlocutores, enquanto substância que dá corpo as pessoas, seja as palavras (nhe’eng) que Nhanderu envia e que os coloca de pé, seja aquelas dirigidas pelos parentes e que molda seus corpos, como apresento no próximo capítulo. Assim, palavra enquanto substância é parte tanto do que lhes conta Nhanderu quanto do que lhes dizem os parentes. Dito isso, seguimos com as reflexões.

A palavra, aquela enviada pelas divindades, ocupa um lugar de destaque entre os Guarani, e referências a ela são constantes nas etnografias sobre esses povos, principalmente, através dos termos nhe’e e ayvu. Ambos utilizados para falar da alma, da vida ou da palavra em si. Como Montardo (2009) nos apresenta: “[...] nhe’e e ayvu são linguagem e vida, no sentido de que vida implica comunicação (verbal, corporal e musical)” (MONTARDO 2009: 141). Entre as famílias tupi guarani de Ywy Pyhaú, não verifiquei o uso de tais termos, ao questionar alguns interlocutores sobre o nhe’e, por exemplo, disseram-me que não conheciam essas traduções como: alma/espírito, alma-palavra; e que possivelmente essa expressão pertencia ao idioma Guarani-Mbya. O que conheciam, grosso modo, sobre o nhe’e estava mais relacionado com a linguagem, a fala (nhe’eng), algo que todo mundo têm, nasce com a pessoa, e que melhora e cresce quando praticada.104 Apesar de não utilizarem tal termo, sendo

frequente o uso de palavra, no português; os discursos sobre o lugar ocupado por ela são análogos, em certa medida, ao que tem sido discutido sobre o nhe’e (enquanto palavra/linguagem) entre outros povos Guarani, o que me permite, aqui, traçar alguns

103 Quando dizem as primeiras palavras, normalmente pai e mãe, diz-se que as palavras, e aqui se referem ao

nhe’eng já fizeram acento e estão em crescimento. E, veremos, a manifestação das primeiras palavras coincidem

com os primeiros passos das crianças. De maneira similar ao que apresenta Gow (1997) ao afirmar que entre os Piro a linguagem básica das crianças consiste nos termos de parentesco, e seu uso demonstra que a criança é dotada de nshinikanchi, “[...] mente, inteligência, memória, respeito e amor”. Segundo o autor, “[...] o uso de termos de parentesco para se obter atenção e cuidado é o aspecto mais saliente e poderoso dessa capacidade”. (GOW 1997: 45) Assunto que retomo no próximo capítulo.

104 Lembro aqui das narrativas de Kopenawa a respeito das palavras dos xapiri, as quais não “[...] param de se

renovar e não podem ser esquecidas. Só fazem aumentar de xamã para xamã”. Em suas palavras: “[...] Elas vêm de uma era muito remota, mas nunca morrem. Ao contrário, crescem e vão se fixando uma atrás da outra dentro de nós, de modo que não temos necessidade de desenhá-la para lembrá-las. Seu papel é o nosso pensamento, que desde tempos muito antigos se tornou extenso como um grande livro que nunca acaba” (KOPENAWA & ALBERT 2015: 508).

paralelos. A palavra ou a linguagem, assim como nhe’e, também é oriunda de Nhanderu (divindades) e seu uso, seja no cotidiano ou nos diálogos que têm com as divindades nas casas de reza, é o que faz com que ela se desenvolva, e seu desenvolvimento, segundo explicam meus interlocutores, está intimamente relacionado com fortalecimento da pessoa. 105

Oriunda das divindades, a palavra é o que permite que estejam próximos a elas, ou como afirma Clastres (1990: 27), é o que faz com que os humanos se constituam como parte do divino, e é na relação que, “através da mediação da palavra”, mantém com os deuses que os homens se definem como tais. O autor nos apresenta além do nhe’e o termo ayvu, que na língua Guarani-Mbya designa expressamente a “linguagem humana”. Segundo Clastres (1990) a palavra (ayvy) é a essência do humano; “a sociedade dos eleitos” (referindo-se aos Guarani), o lugar de seus desdobramentos; e o canto sagrado, ele próprio, presença da palavra (ayvu). Dessa forma, compreende-se que a palavra é o que une os humanos e as divindades, e enquanto tal deve ser dominada pelos povos Guarani, os quais têm a tarefa de apreender a proferi-la de maneira correta, a fim de serem capazes de se dirigirem aos Nhanderu (divindades) e receberem os saberes e poderes que esses lhe enviam. Tal habilidade se desenvolve ao se concentrarem na escuta do que lhes contam essas divindades, seja na casa de rezas ou fora dela 106. Diz-se nhe’e porã, as “belas palavras”, das palavras que utilizam

para se comunicar com Nhanderu. Porém, não são apenas as palavras proferidas na comunicação com as divindades as responsáveis pela constituição das pessoas tupi guarani, mas também as que são proferidas por aqueles que vivem juntos, as quais devem, igualmente, serem conduzidas pela mesma beleza que orienta suas relações com seus “parentes divinos”

107.

O bonito, belo, também está associado às falas dirigidas cotidianamente aos parentes, sobretudo através da fala mansa, capaz de passar sabedoria, aconselhar e trazer alegria (-

105 Sobre a alma, um dos componentes da pessoa, além do termo em português, utilizam com menor frequência o

termo nhanderekuaá, sobre o qual tratarei no próximo capítulo.

106 A “concentração”, segundo Pissolato (2007: 319) é uma atitude apropriada durante a reza ou em outros

momentos de obtenção de capacidades enviadas pelos deuses, como por exemplo, os sonhos. É necessário “concentração”- “estar pensando em Nhanderu”- pois a qualquer hora e lugar pode-se perceber algo que ele nos conta. Para as famílias tupi guarani com as quais trabalhei, da mesma forma que para os Mbya estudados pela autora, concentrar-se diz respeito a “estar pensando em”, e está em oposição à noção de ficar com o pensamento

distante, que como vimos, leva ao afastamento dos parentes, podendo levar ao adoecimento da pessoa que se

encontra nesse estado.

107 A expressão nhe’e porã é frequente entre os Guarani-Mbya como nos apresenta as etnografias de Pissolato

(2007, 2008), Macedo (2009), Pierri (2013a), Testa (2014), dentre outros. Já os Tupi Guarani costumam dizer nesses contextos fala bonita ou emocionante, utilizando-se da língua portuguesa. Para uma discussão mais aprofundada sobre as noções de “estética” ou “fazer bonito” entre os Guarani, conferir, por exemplo, o trabalho de Pissolato (2008), que discutiu o tema entre alguns Guarani-Mbya, e que apresenta reflexões semelhantes aquelas apresentadas por meus interlocutores Tupi Guarani.

vy’a) para aqueles que se encontram angustiados. Ela nunca deve ser excessiva, pois uma conversa mal iniciada pode, além de antipatias, gerar mal entendidos e, consequentemente, conflitos. É a fala moderada que faz com que os parentes permaneçam próximos uns dos outros, ao contrário das falas impregnadas de raiva (pochy) ou rancor, que levam ao afastamento daqueles que vivem juntos. Aquele que proferiu uma fala feia pode ser afastado por seu mau comportamento, já aquele que foi seu receptor pode entristecer-se, o que o leva a apartar-se das pessoas e, dessa maneira, adoecer. 108

Os comentários acerca da forma como determinadas pessoas falam umas com as outras são comuns em Ywy Pyhaú. Dizem que até mesmo uma bronca pode ser dada de forma moderada e, segundo explicam, essa maneira de apontar determinados erros às pessoas é mais eficaz do que quando se agride alguém com gritos ou dizendo coisas feias. Explicam que as pessoas aprendem melhor quando se fala de maneira firme, porém com respeito e sabedoria. Importante destacar, como nos apresenta Pissolato (2008: 44), que “[...] a transmissão de conhecimento tem lugar privilegiado na fala”, e o ato de transmiti-los, ele próprio, é figura central na compreensão das relações entre parentes tupi guarani. Como mencionei anteriormente, as pessoas estão envolvidas em um processo de criação mútua, através da circulação de saberes e “[...] não há meio mais apropriado à atualização de ‘bons saberes’ que o oral” (PISSOLATO 2008: 43). E são esses bons saberes, aquilo que as famílias tupi guarani denominam de aconselhamentos, que como aponta Testa (2014) se constituem enquanto a comunicação de “[...] modos específicos de agir e viver que consideram porã (bons, tanto em termos éticos, como estéticos)” e por isso os velhos utilizam para passá-los adiante as “ayvu porã (belas/boas palavras)” (TESTA 2014: 181).

Não ridicar ou oferecer a palavra, ser moderado, transmitir e fazer circular saberes entre aqueles que vivem juntos, sobretudo através dos aconselhamentos, é uma maneira de criarem e cuidarem uns dos outros, se fortalecendo na escuta do que lhes conta Nhanderu (divindades). Pois a palavra, em suas múltiplas dimensões, é aquilo que os coloca de pé e também, de certa maneira, os dá corpo. É ela que os torna mbaraeté (fortes), além de ser através dela que reconhecem e se colocam em relação com aqueles que são seus parentes verdadeiros, sejam eles divinos, habitantes de Ywy Marangatu (Terra Sagrada), ou dessa

108 Nas etnografias sobre os povos guarani, sobretudo Guarani-Mbya, são frequentes os comentários sobre seus

modos de se portar, falando baixo, de maneira contida, impregnados de timidez. Diferentemente de meus interlocutores tupi guarani, que falam com firmeza nos gestos, sendo poucos os tímidos. Fala moderada se refere aqui a uma fala respeitosa, onde se controla aquilo que se fala, e não implica necessariamente em timidez ou na voz em baixo volume.

Terra. E por essa razão, a palavra se apresenta enquanto algo tão importante para as relações entre parentes tupi guarani.

Simultaneamente aos cuidados diários e as relações que envolvem o ato de alimentar e ser alimentado, a palavra, e aqui me refiro às primeiras palavras, é também aquilo que possibilita que os parentes e as relações estabelecidas entre eles sejam reconhecidas. Como dito anteriormente, quando pequenas as crianças são alimentadas, tratadas por seus familiares, especialmente por suas mães, que usualmente reforçam seu lugar como provedora do bebê entre frases como: olha, é o leite da mãe que você está sugando; reforçando ainda, a relação mãe-filho que se criou a partir de seu nascimento109. Antes do nascimento de uma

criança, a ênfase e os comentários costumam se voltar ao recém-casal e ao início e desenrolar de sua vida conjugal. Comenta-se sobre a forma como a mulher vem exercendo seu papel de esposa e o homem o de esposo. Depois do nascimento da criança, os comentários se voltam a ela e a maneira como o casal, agora pai e mãe, cuidam do recém-nascido. 110

Importante destacar, que tanto os homens quanto as mulheres devem manter certos cuidados durante a gestação, o pré e o pós-parto, a fim de produzirem não só o bebê, mas também fabricarem a si mesmos como pais e mães. Nos primeiros meses são eles que assumem certo protagonismo durante esse processo de aparentamento das crianças, constituindo com ela e por ela outras relações. Ao apresentar o bebê aos demais o fazem através de frases como: Olha filho, tá ouvindo essa voz? É seu tio! E em todas as falas que ouvi durante esses contextos foi possível notar que eram sempre enfatizadas, através dos termos que indicam os vínculos entre os parentes, as relações recentemente estabelecidas com o nascimento de uma nova criança. E são esses termos, as primeiras palavras, que costumam utilizar nas relações com seus parentes e que com o tempo vão se desdobrar em outras tantas, colocando em prática o nhe’eng (capacidade de comunicação) enviado pelas divindades. 111

109 Quando a criança necessita de uma ama de leite, uma tia ou outra parente próxima para amamentá-las,

também não deixam de dizer às crianças a quem pertence o leite que estão ingerindo. Diz-se: essa é sua ama de

leite, sua mãe de leite, entre outras coisas.

110 Sobre as referências ao casal que espera uma criança, antes do nascimento da criança se diz da mulher grávida

que ela será mãe e do homem que este será pai, indicando que apesar de haver uma gestação ainda não adquiriram tais status: pai e mãe. Para uma reflexão a respeito da “fabricação de pais e mães” e outras novas relações que são criadas a partir do nascimento de uma criança ver, por exemplo, os trabalhos de Peter Gow (1989, 1997) e seus comentários acerca da placenta e do corte do cordão umbilical, bem como, das transformações no fluxo das relações entre cônjuges com o nascimento de uma criança. Sobre esse assunto entre as famílias tupi guarani, retomo no próximo capítulo.

111 A esse respeito Peter Gow (1997), afirma que entre os Piro, “[...] O que faz uma pessoa gimole (“parente”) de

outra é a mútua manifestação de nshinikanchi. Isso se realiza, antes de mais nada, pela mútua acessibilidade derivada da co-residência em uma aldeia. Mas isso também se traduz no uso de termos de parentesco e no discurso polido. Qualquer conversação entre os Piro envolve necessariamente o uso de termos de parentesco, pois estes implicam a existência de relações específicas entre os falantes. Quando dois desconhecidos se

São inúmeros os exemplos e as possibilidades de usos dos termos que mobilizam para se referir aos parentes com o intuito de assinalar relações, posições e os cuidados que devem tomar aqueles que vivem juntos. Mesmo quando seguidos pelos apelidos das pessoas e não por seus nomes pessoais, esses termos são sempre marcados. No entanto, vale lembrar que essas marcações são realizadas quase que exclusivamente pelas crianças e para as crianças. Quando adultos, os apelidos, sem a companhia de nenhum outro termo, são usados com mais frequência, e por si só demonstram a proximidade existente entre aqueles que os utilizam e os modos como se relacionam uns com os outros. 112

Entretanto, como apontei anteriormente, situações de conflito podem fazer com que tanto os apelidos usados de maneia respeitosa, quanto os termos que utilizam para se referir aos parentes sejam obliterados em suas falas e as próprias relações transformadas nesses momentos. É possível que aqueles que até pouco tempo atrás se diziam primo-irmão (em referência ao fato de serem primos que foram criados juntos)e, assim, colocavam-se em uma relação de grande proximidade, após algum desentendimento passem a se classificarem mutuamente como o filho do tio Y, assinalando, dessa forma, seu distanciamento, apesar de ainda se relacionarem pela “chave do parentesco”. Há ainda, casos em que os termos utilizados no trato com os parentes desaparecem por completo, mesmo que as relações que os fazem parentes continuem ali, através dos outros tantos parentes com quem se relacionam. Nesses casos, as referências são feitas através dos nomes pessoais e, sobretudo por meio de apelidos ofensivos, o que demonstra, mesmo que momentaneamente, o distanciamento dessas pessoas, ou uma transformação nos modos de se relacionarem. E aqui, me parece haver outro aspecto do ridicar a palavra, e que envolve o não reconhecimento dos laços entre as pessoas. Ridica-se a elas as primeiras palavras (os termos que utilizam para se referir aos parentes) que indicam as relações que as entrelaçam, ridicando assim, a proximidade, a disponibilidade, dentre outras coisas características daqueles que vivem juntos.

E dessa maneira, pode-se compreender que a mesma palavra capaz de tornar patentes as relações, e aqui me refiro às primeiras palavras, também é hábil ao transformá-las. Ressalto, no entanto, que não basta apenas o uso dos “termos de parentesco” para se fazer parente ou, como no caso das crianças, para reconhecê-los; também é necessário sempre atualizar relações, entendendo, da mesma forma como nos apresenta Figueiredo (2010), que

encontram, ou estabelecem imediatamente os termos de tratamento apropriados, ou se ignoram por completo” (GOW 1997: 49). Conferir também Gow (1991).

112 Com relação aos nomes na língua tupi, apenas os mais velhos foram batizados e os possuem. Não há casa de

as categorizações que chamamos, por comodidade, de parentesco, no limite podem se constituir apenas enquanto “[...] uma lista bastante precisa de posições relacionais possíveis” (FIGUEIREDO 2010: 316).

Sobre outro o aspecto importante da palavra, a saber: seu papel enquanto substância que constitui a pessoa tupi guarani, inclusive, contribuindo com a fabricação e a modelagem de seus corpos, retomo no próximo capítulo. Visto que o intuito, até aqui, era o de apresentar suas conformações enquanto aquilo que os coloca em comunicação com as divindades (nhe’eng) e, também, entre eles próprios (aconselhamentos), fazendo ainda, com que reconheçam através das palavras, enquanto termos que utilizam para se referir aos parentes (as primeiras palavras), as relações que constituem e são constituídas pelas famílias tupi guarani. Passo agora para as broncas, que segundo explicam meus interlocutores, também são uma forma de aconselhar e fazer com que todos permaneçam juntos, ainda que muitas dessas broncas sejam dirigidas às pessoas em momentos de conflitos e, sejam elas, motivo de tensão entre seus receptores.