• Nenhum resultado encontrado

2.2 “Include me out!”

3. Jovens e juventudes: semelhanças e/ou diferenças? 1 Juventude: o nascimento da categoria

3.3. Paradoxos da Juventude

A juventude, sendo um processo de socialização (Galland, 2004: 58), é, assim, uma construção social e histórica permanente, cujas condições de definição se alteram de acordo com as mutações sociais. O aumento da sua visibilidade social deve-se ao intervalo de tempo que ocupa como fase transitória, de experimentação, que se tem prolongado, principalmente, entre a família e a escola como entidades socializadoras dominantes. Pais, refere que na perspectiva histórico-social “a juventude tem sido encarada como uma fase de vida marcada por uma certa instabilidade associada a determinados ‘problemas sociais’ ” (2003: 30). É a ênfase na visão da juventude como problema. As mutações socio-económicas que ocorreram, sobretudo a partir dos anos sessenta do século XX, permitiram que a juventude e os seus problemas passassem a ser relevantes quer para os media como para os políticos e pesquisadores (Tanguy, 1986; Grácio, 1990; Galland, 2002; Pais, 2003).

A noção de juventude, encarada como fase de vida entre a infância e a idade adulta, ganha visibilidade com o reconhecimento de problemas sociais que afectariam especialmente esta categoria (Pais, 1990).

De acordo com Pais, o termo “juventude” revela um paradoxo, pois manifesta ideias e conceitos distintos (2003: 41). Desta forma, a Sociologia da Juventude tem-se posicionado entre duas tendências: a da unidade, que concebe a juventude como um todo homogéneo constituído por indivíduos idênticos que pertencem a uma mesma fase de vida, procurando-se as similitudes de uma cultura juvenil particular e caracterizada, principalmente, em termos etários e a da diversidade, quando se tomam em linha de conta as diferentes características sociais que distinguem uns jovens dos outros, e que levam à identificação de diferentes culturas juvenis (Pais, 2003: 44). Estas duas abordagens da Sociologia da Juventude congregam diferentes teorias que originam duas importantes correntes: a geracional e a classista sintetizadas no quadro seguinte:

71 Quadro 5 – A corrente Geracional e a Classista

Corrente Geracional Corrente Classista

Noção de Juventude

Juventude é uma fase de vida; Reforçado o seu aspecto unitário;

Membros de uma geração com problemas semelhantes;

Definida em termos etários e sem condição social.

Culturas juvenis = a Culturas de classe;

Reforçada a diversidade mas determinada, especialmente, pelas origens sociais;

Culturas de resistência às contradições de

classe.

Análise Valorizada

Valorizadas as teorias de socialização e geração: Análise das continuidades/descontinuidades intergeracionais, conservação ou não das formas e conteúdos das relações sociais entre gerações.

Valorização das teorias classistas da reprodução social;

Análise da reprodução das classes sociais.

Conteúdos da Teoria

Existência de uma cultura juvenil que se relaciona com a geração adulta através quer da:

Socialização contínua – continuidade e

reprodução da cultura adulta na juvenil através de um relacionamento aproblemático causando socialização dos jovens e a juvenilização da sociedade (anos 50);

quer de :

Rupturas, Conflitos ou crises intergeracionais –

destaque das descontinuidades através do relacionamento problemático, mas sempre por oposição à cultura da geração adulta não considerando a juventude como autónoma (anos 60).

Atenção para a divisão social entre os jovens, afirmando homogeneidade entre os valores e comportamentos de jovens da mesma classe social e a heterogeneidade de comportamentos e valores entre os jovens de diferentes condições sociais.

Transição para a Vida Adulta

A transição para a vida adulta dá-se através da reprodução de crenças, normas, valores e símbolos das gerações mais velhas sendo possível certas atitudes desviantes que surgem, no entanto, por oposição à geração adulta.

As formas de transição para a vida adulta são diversificadas pois são pautadas por mecanismos classistas.

Críticas à Teoria

Vê a juventude apenas enquanto entidade homogénea;

Determinismo em relação às influências das gerações mais velhas;

Quando estuda os comportamentos desviantes tende a tomar a juventude marginal como um todo.

Determinismo que leva à dificuldade em explicar situações de homogeneidade de atitudes entre jovens de classes diferentes e situações de heterogeneidade de atitudes entre jovens da mesma classe.

Semelhanças entre as Teorias

Associação à cultura dominante e determinismos (corrente geracional - domínio das culturas mais velhas; corrente classista - resistência à cultura dominante);

Recorrência à noção de segmentação do mercado de trabalho quando se referem à inserção profissional dos jovens (corrente geracional - segmentação por idades; corrente classista - segmentação por classes sociais).

Fonte: Sousa, Filomena, “O que é ser adulto?” [online]: http://www.seradulto.com/index2.htm, 07-05-14

72

Mais do que as semelhanças entre os jovens, ou grupos de jovens, importa procurar as diferenças sociais existentes entre eles. Cada jovem é um actor social, um potencial actor da sua socialização. O jovem, actor social, age e reage por si próprio e constrói as situações. A visão dos jovens como actores sociais implica que a socialização seja assumida como processo interactivo, processo permanente de construções de disposições, de representações que, por isso, inevitavelmente, exercem efeitos socializadores sobre os adultos.

Se “o aparecimento da juventude é um produto histórico do processo de industrialização tecnológica das sociedades e da escolarização de massas” (Cruz, 1984: 286) os seus limites são definidos sobretudo pelas condições sociais e não, sobretudo, pelas biológicas ou cronológicas, embora estas se encontrem associadas à construção social da juventude. Esta categoria surge, então, como passível de se alterar ao longo do tempo uma vez que se vai reformulando de acordo com os novos contextos sociais, económicos e políticos específicos de um determinado espaço e tempo.

Assim, com a juventude foi desenhado um modelo de passagem à vida adulta cujos principais critérios seriam o fim dos estudos, a inserção socioprofissional, a constituição de um novo lar e, por conseguinte de uma nova família. Actualmente, estes preceitos parecem não se adequar e os jovens deparam-se com uma séria dificuldade que consiste em sair da juventude para aceder ao estatuto de adulto (Deniger, 1996). A juventude revela-se como um período de indeterminação social e profissional que tende a prolongar-se. As suas fronteiras surgem fluidas, ambíguas, o que é testemunhado pela expressão “jovem-adulto” e o seu tempo de duração alongou-se (Roy, 2002).

Segundo Jean-François René (1993) para além deste alongamento no tempo de passagem que é a juventude, ela surge como um período de vida marcado por uma indeterminação crescente em que os jovens vivem uma situação de precariedade que apresenta diferentes facetas e que provoca uma mudança significativa na juventude: de um tempo de vida, ela transforma-se num espaço de vida precário. A sua justificação para esta concepção assenta nos argumentos de que os jovens se instalam neste espaço de vida por um tempo indefinido e que este espaço não é de completa exclusão, nem de integração ou instalação na vida adulta. Mas a juventude também tem em comum “um profundo investimento narcísico e de confrontação com os outros, resultante dos processos de construção das identidades, elas próprias plurais, ambivalentes e sincréticas” (Lopes, 1997: 45).

Para que se compreendam as realidades sociais, os jovens devem ser tomados em linha de conta na escola, na família, na sociedade em geral, e não apenas como

73

alunos ou como filhos, mas como membros de tal ou tais grupos sociais integrados num processo de socialização e, mais alargadamente, como actores dotados de competências para agir e reagir às situações. Considerando esta heterogeneidade ter- se-á de falar em jovens e não no jovem e em juventudes e não na juventude. Para entender as culturas juvenis (Pais, 2003), não é suficiente realizar uma síntese das duas teorias referidas anteriormente, mas considerar as novas tendências económicas, as novas divisões do trabalho e as modificações do processo de inserção dos jovens no mercado, que a partir dos anos 70, do século XX (e em Portugal a partir dos anos 80) produzem uma nova condição social da juventude (Roberts e Parsell, 1990) marcada por aspectos tais como:

desemprego e a marginalidade: jovens que deixam a escola e têm experiência directa com esse problema. O desemprego ameaça mesmo os que têm trabalho e é um receio para todos os jovens. O desemprego apresenta um carácter endémico, muitos jovens encontram-se hoje “a mais” (Coleman, 1985; Roberts & Parsell, 1990), aumentando as situações de exclusão e marginalidade juvenil; a Inversão das contradições: até aos anos 70 – jovens podiam trabalhar e ter salários de adultos antes de terem o direito a casarem sem consentimento dos pais; após os anos 70 – jovens obtêm os direitos dos adultos antes de serem economicamente independentes; transições prolongadas: enquanto o ingresso em empregos de adulto se tornou mais demorado, prolonga-se também a juventude com o aumento da ocupação escolar (“democratização do ensino” secundário e superior) e a difícil entrada no mercado de trabalho; incerteza: incerteza em relação ao futuro, em relação ao que se vai ser e fazer. Incerteza que advém da instabilidade característica das dimensões da vida adulta – profissional, familiar, emocional e financeira; novas divisões: Até aos anos 70 – divisão entre a maioria de jovens que iniciavam cedo uma actividade profissional e uma minoria que continuava os estudos após a escolaridade obrigatória; divisões entre as jovens domésticas, as operárias e as empregadas de escritório. Após os anos 70 – divisão entre a maioria de jovens que continua os estudos e a minoria que sai cedo da escola e começa a trabalhar; divisão entre jovens de classe média alta com melhores empregos que os das classes baixas (“nova sub-classe” de jovens escolarmente mal sucedidos) que se encontram no desemprego ou subemprego (Coleman, 1985).

“A pluralidade de situações e a multiplicação de descontinuidades e estatutos híbridos e provisórios parecem ser o essencial da condição juvenil actual” (Lopes, 1997: 38). Para este autor “[s]er jovem no presente momento histórico das sociedades ocidentais é estar permanentemente de passagem e, em certa medida, ser prisioneiro das condições sociais dessa mesma passagem. Não mais se conseguem identificar as transições ritualizadas de um estatuto (o de estudante, por exemplo) para outro (o de trabalhador); pode ser-se simultaneamente várias coisas, em vários espaços, e transitar com grande fluidez de uma situação para outra.

Em segundo lugar, as formas de ‘estar’ nessa permanente passagem agrupam um conjunto de práticas fortemente diferenciadas e que ‘frequentemente apenas têm em comum o nome’ (ibidem: 40).

Os jovens são agentes sociais e, por isso, capazes de se afirmar socialmente. A dificuldade que existe em conseguir adjectivos que caracterizem a condição juvenil é

74

expressa por Galland, num artigo que escreveu e a que deu o título “um estatuto indefinido e indefinível” (1987). É Galland um dos autores que sugere até que o conceito de juventude possa ser substituído.

A juventude é vivida, então, como um processo definido a partir de uma evidente singularidade: é a fase de vida em que se inicia a busca da autonomia marcada, quer pela construção de elementos da identidade – pessoal e colectiva – quer por uma atitude de experimentação (Galland, 2004).

A concepção de que o desenvolvimento pessoal se realiza ao longo de toda a vida leva a que o indivíduo se assuma como o autor da sua própria vida e do(s) sentido(s) que lhe atribui.

O aparecimento de uma fase de vida influencia o processo de estruturação de todas as outras fases de vida. No caso da juventude ela influencia particularmente a forma de ser adulto, pois leva a que se redefinam as representações sobre o que é ser adulto. Mas se os jovens sentem necessidade de ter uma referência – a adultez – a própria juventude parece ser a referência dos adultos – os “adultos inacabados” (Freire, 1980) – que pretendem um rejuvenescimento constante ao se preocuparem com o corpo, os modos de vestir, o estar em constante aprendizagem, a promoção de relações mais próximas e de negociação com os filhos, a valorização dos seus tempos de lazer e de sociabilidade com os amigos e não se acomodando a percursos estanques ou de insucesso (Sousa, 2007).

Concordando com João Teixeira Lopes, penso que a juventude como objecto sociológico existe e que deve ser construída na convicção de que é, primeiramente, uma condição social e que, por isso, a sua análise exige que se considere cada caso, devendo “a condição juvenil dos agentes” ser interpretada de acordo com os “cenários de interacção”, pois de acordo com eles os “agentes juvenis” agirão de maneira diferenciada e construirão as suas identidades. Assim, na linha de Giddens, e de acordo com os pressupostos da sua teoria da estruturação, também defendo que os jovens devem ser encarados como agentes sociais, com todas as características destes, ou seja, “gozando as competências e sofrendo os constrangimentos que qualquer agente sofre” (1997: 49-50).

75

77