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2.2 “Include me out!”

2.3. Possibilidades de agência política

Somos cada vez mais translocais (Fortuna, 1999). A globalização, ou mundialização na perspectiva de Carnoy (2001), obriga a que os estados-nação necessitem de se reposicionar numa rede de informação e conhecimentos onde parecem não ser mais do que nódulos num espaço de fluxos.

Assumindo uma posição de soberania intermédia essa reconfiguração surge entre o local e o supranacional. O local que não é necessariamente coincidente com o espaço territorial, nem com a comunidade local, pois não se esgota nele. Mas se a rede se amplifica, então qualquer produção de conhecimento local passa a ser global e vice-versa.

Hoje, parece que uma das formas de se ser excluído é não pertencer à rede (Castells, 2005), o que leva autores como Visvanathan (2001) a defender que é necessário criar modelos alternativos ao desenvolvimento fora da rede. E de alguma forma se lhe pode pertencer. O mercado assoma como uma dessas formas assim como elemento promotor de uma racionalidade de homogeneização das diferenças, ao regularem a vida social e impedindo que os sujeitos reclamem uma posição na dita rede.

“Com a emergência do pós-fordismo e com as decorrentes transformações no modo de produzir, distribuir e consumir, o conhecimento (…) é reconfigurado como rede comunicacional e informacional, e como mercadoria, assumindo um lugar central

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na produção” (Stoer e Magalhães, 2003: 1196) o que tem questionado o seu lugar no processo educativo e, especialmente no desenvolvimento dos indivíduos.

Tenho total dificuldade em aceitar que seja o mercado, ou outra entidade equalizante qualquer, a impor-se nas nossas vidas definindo quem está incluído ou excluído socialmente, embora admita a importância que aquele assume. Considero, por isso, fundamental equacionar outras perspectivas, nomeadamente aquela que é defendida por Carnoy (2001) e que abre a possibilidade de pensar numa nova reconfiguração partindo da intervenção ao nível da educação, funcionando esta como um processo de formação ao longo da vida onde o desenvolvimento das identidades cumpre um papel fundamental. Nesta óptica, o conhecimento permitirá que os indivíduos sejam competentes para circularem num mercado de trabalho reorganizado pelo capitalismo informacional (Castells, 2005).

A “escola reclamada”, ao contrariar o projecto da modernidade desenvolvendo- se de “baixo para cima”, e conjugada com o “estado em rede”, abre campo para perspectivar as possibilidades de agência política, ou seja, se por um lado é um conjunto de ameaças também é um conjunto de oportunidades, por outro: tanto pode sentenciar os cidadãos a permanecerem indivíduos eternamente, como permitir a reconfiguração das identidades a partir do momento em que a educação escolar passa a fazer parte dos projectos dos próprios sujeitos, na sequência de uma reflexividade social que caracteriza o exercício da cidadania (Giddens, 2002).

Considero que a diferença é a base que permitirá construir novas alternativas para uma sociedade mais inclusiva. Relativizando o nosso “nós” estamos em condições de gerir a diversidade cultural e de nos implicarmos na mudança social. A metáfora do bazar do Kuwait, proposta por Geertz, é criticada por David Rodrigues pela “bondade” que lhe parece estar implícita, comparando-a à da defesa da Educação Inclusiva ao nível dos princípios. Este autor refere que não se consegue discutir a Educação Inclusiva sem se atender à questão do poder para que se passe então “de um etnocentrismo arrogante para uma posição de respeito pelas diferenças” (Rodrigues, 2006: 21).

De acordo com Magalhães e Stoer, a metáfora do bazar do Kuwait, de Geertz, defende que, numa época de globalização, o mundo se assemelha progressivamente a “uma enorme colagem” (2005: 134). Ora, esta metáfora do bazar em conjunto com “a diferença somos nós” podem ser os “elementos estruturadores” para fundamentar um processo de inclusão, erigido no direito à diferença e, por isso, permitir “a reconfiguração da esfera pública como um espaço de regulação, um espaço em que a justiça redistributiva esteja ligada ao reconhecimento das diferenças e constitua uma

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geometria variável” (ibidem). Esta geometria variável vai derivar do poder26, ou melhor, da forma como as relações de poder se exercem (Foucault, 1982) e do conflito entre as diferenças, o que fará com que os equilíbrios sejam efémeros e inconstantes: “a democracia já não é um ‘estádio’, mas um fim em si mesmo (ou sem fim)” (Magalhães e Stoer, 2006a: 72-74).

Como defende Bernstein, “a esperança essencial para a mudança surge não da própria esperança, mas da compreensão dos diversos modos de regulação da consciência e da sua regulação com as diferentes bases sociais” (1989: 398), o que nos levará, provavelmente, a assumir com humildade e flexibilidade a exigência dos tempos que vivemos, na convicção de que

a agência política que procura articular desejabilidade e possibilidade, embora não fundada em quaisquer metanarrativas, não só é politicamente viável como reflexivamente iniludível, pelo menos para a leitura futurante que fazemos da condição pós-moderna como cumprimento das promessas por realizar da modernidade. A agência docente é viável, desejável e politicamente efectiva, sendo as proposições da crítica sociológica não um atavismo aniquilador da acção, mas um relativizador, um convite constante à humildade política (porque a mudança à superfície, não é a verdadeira mudança) e científica (porque a reflexividade, como já se viu, circula, nas texturas sociais, sob a forma de dupla hermenêutica) (Magalhães, 1998: 96).

Acredito que a escola democrática é um espaço dos possíveis, “agenciável politicamente” (Magalhães, 1998: 112), a necessitar de reconfiguração de acordo com o novo paradigma emergente caracterizado duplamente pela conflitualidade e reflexividade.

“A diferença somos nós” (Stoer e Magalhães, 2005), pensando as diferenças a partir das próprias diferenças, do que elas querem dizer, e não a partir do discurso científico elaborado sobre elas, e quase sempre sem elas, parece-me ser a proposta que, não desperdiçando toda a experiência, todo o conhecimento anterior, nos permite reconfigurar relacionalmente as questões da diferença, conscientes da exigência que tal comporta, mas cientes que é neste equilíbrio instável de tentativa de gestão que cada um pode encontrar o seu próprio espaço na rede, jogando as regras, que lhe permita reclamar o que valida construir o projecto que dá sentido a cada indivíduo e onde cada um tem voz própria fazendo o seu percurso da individualização para a individuação.27

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Boaventura Sousa Santos refere que “o poder é qualquer relação social regulada por uma troca desigual. É uma relação social porque a sua persistência reside na capacidade que ela tem de reproduzir desigualdade mais através da troca interna do que por determinação externa (2002: 248).

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Segundo Ulrick Beck (1992) no processo de individualização, em consequência da modelagem institucional, o indivíduo vê-se sentenciado a satisfazer as suas próprias necessidades sem ter, forçosamente, um maior controlo sobre a sua vida; na ‘individuação’ o indivíduo, apesar de não controlar todo o processo, vai construindo a sua unicidade/ singularidade, emancipando-se na medida em que efectua as suas próprias escolhas.

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3. Jovens e juventudes: semelhanças e/ou diferenças?