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deve-se, em grande parte, aos amigos,

G. A minha visão de mim e dos outros

3. O lugar da escola na construção das identidades pessoais dos jovens do NFPC

3.2. Quanto “pesa” o NFPC?

A importância do peso “educacional” do NFPC advém, sobretudo, do facto de ser uma escolha que cada um realizou. A valorização da experiência de vida de que cada jovem era portador, acompanhada da reflexão sobre essa mesma experiência, num contexto relacional, foi indutora da tomada de consciência de conhecimentos que se possuíam. A segurança gerada pela confiança construída dentro do grupo permitiu transformar aquele espaço num “refúgio” que facilitava estar na escola de uma forma mais feliz e tranquila. Desta forma, as diferenças foram apreendidas, negociadas e valorizadas num plano de equidade, descobrindo-se que o Outro existe realmente e que cada um é, também, um Outro.

É um espaço dentro da escola que ao permitir reflectir, individualmente e em conjunto, sobre a escola facilita a descoberta de um sentido para ela e para o trabalho escolar. Aliando-se o formal ao não formal aproxima-se o aluno da pessoa e a escola é vista como emancipação. Estes jovens, através dos seus discursos, revelam que a escola foi vivida, no seu tempo, sem a angústia constante do futuro, embora seja assumida como um território de construção de um projecto a realizar.

Ao baterem-se por uma “causa”, o Núcleo de Formação Pessoal e Cidadania, transformaram-se em autores e actores de um projecto que consideram seu. Dessa forma destacaram-se na escola, quebrando a homogeneidade que, habitualmente, é criada, para assumir uma forma própria de estar, que se revelou mais participativa, onde procuraram construir as condições e os momentos que acharam que se ajustavam ao seu projecto reflexivo de self. Compreendendo os moldes de funcionamento da escola “atribuída” (Magalhães, 2007: 31), foram introduzindo comportamentos subtis cuja intenção era a de actualização gradual da escola aos seus desejos.

O NFPC, nos discursos dos entrevistados, parece assumir-se como um lugar transversal privilegiado onde os rapazes e raparigas se vão construindo e as tensões se atenuam, gerador de novos entendimentos sobre si próprios, os outros, o trabalho escolar, o conhecimento, ou seja, como um espaço onde se entrelaçam mundos diversos.

Tal como referi na primeira parte desta dissertação, o sentimento de segurança ontológica que, de acordo com Giddens, exige encontrar “respostas” ao nível do inconsciente e da consciência prática, para quatro questões existenciais fundamentais do ser Humano relacionadas com: a) Existência e ser; b) Finitude e vida humana; c) A

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experiência dos outros e d) A continuidade da auto-identidade (1997: 44-52) parece ser uma das áreas onde este Núcleo tem intervenção e que tem consequências, igualmente, nas relações amorosas destes jovens, como ficou presente na estruturação dos discursos onde o amor confluente já é evidenciado através dos argumentos construídos.

Se a escola, como lugar estrutural onde a identidade pessoal se constrói, é responsável por um modo de socialização que rompe com a aprendizagem fundada no património da experiência, então, “[a]prender com a experiência pode ser definido provisoriamente como uma contra-escola: primeiro, as experiências, depois, as aulas” (Dubar, 2006: 154). A lógica do NFPC parece assentar nesta visão facilitadora da construção de novas identidades. Ainda de acordo com Dubar, aprender com a experiência pode levar a uma politica escolar em que se valorizem outros ramos de ensino que não apenas os gerais e que permitam conciliar modos de aprendizagem baseados nas experiências sociais dos alunos e nas exigências do mercado de trabalho, prever formas de aceder à aprendizagem de tipo tradicional e ajudar a que os professores adoptem a mudança do modelo escolar contribuindo para que os jovens se transformem em sujeitos em aprendizagem diminuindo, assim, o choque com o mercado de trabalho (2006: 157).

O NFPC, desde que se constituiu, emerge nas narrativas dos jovens e das jovens como um território de formação para a autonomia e para a cidadania, uma vez que no exercício da reflexividade eles vão construindo as suas subjectividades e se implicam, pessoalmente, nos processos relacionais.

Reconhecer que este núcleo se funda a partir de uma base curricular, a disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social, permite reforçar o papel transformador que os sujeitos detêm para assumir as suas possibilidades de autores e actores dos seus próprios projectos reclamando as suas diferenças. Neste caso, a escola “reclamada” (Magalhães, 2007: 31) parece assumir-se como um conjunto de oportunidades, pois a educação escolar passou a fazer parte dos projectos dos próprios sujeitos. Sente-se o apelo a uma maior necessidade de desescolarizar a escola, diminuindo a sua compartimentação, as suas regras constrangedoras, de forma a estimular a vivência da democracia. Incentivar a participação, estar atento, estimular e patrocinar as iniciativas dos jovens, não se parece confinar ao limite do que parece possível. Parece, então, que vai assomando a necessidade de se proceder à valorização das suas experiências, dando-lhes possibilidade de implementar os seus próprios projectos baseados nos seus saberes e numa colaboração interdisciplinar que valorize o não formal e o informal, que incentive a criação de espaços de discussão, que promova actividades de voluntariado, que enobreça os afectos, as emoções. De

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acordo com as construções discursivas dos jovens, espaços como o NFPC amplificam a escola, diversificam-na e enriquecem-na, porque permitem uma tomada de consciência de que o Outro existe, está ali ao lado e tem necessidades como Eu, como Nós.

Os seus discursos sobre o modo como se posicionam na relação com a diferença oscilam entre três dos modelos já caracterizados no capítulo sobre a Escola: o modelo da tolerância, da generosidade e o relacional, embora com predomínio deste último.

Da investigação emerge, então, o papel que este núcleo parece desempenhar ao contribuir que cada indivíduo faça o seu percurso da individualização para a individuação, ou seja, entre “a individualidade como destino” e a “individualidade como auto-asserção” (Beck, 1992: 128), na medida em que cada um, mesmo não tendo controle sobre todo o processo, vai erigindo a sua unicidade/singularidade, emancipando-se, na medida em que realiza as suas próprias escolhas.

Esta pesquisa robustece a ideia de que cada jovem é um actor social, sendo a socialização um processo interactivo permanente. Nesta fase, constroem-se quase definitivamente as coordenadas do indivíduo (Galland, 2004: 61) e tal ressalta dos discursos dos próprios entrevistados. Por conseguinte, tal como defendi anteriormente, estes rapazes e raparigas assumem o seu papel de agentes sociais de uma época, de uma sociedade e de um meio social particular, detentores de atributos específicos que não se podem generalizar no contexto de uma metateoria. Estão preocupados com a conquista da autonomia e não revelam conflitos intergeracionais, reconhecendo que a aprendizagem resulta desse conhecimento que se produz a partir do escutar cada um tentando perceber o seu posicionamento face à vida. Manifestam um olhar crítico para com os mais jovens do que eles por assumirem comportamentos que consideram de risco e nos quais não se revêem e demonstram preocupação pela falta de tempo existente para dedicar a estes jovens quer na família, quer na escola. A análise dos discursos permitiu conhecer o quanto se diferencia a condição juvenil, de acordo com o que tenho defendido no decurso deste trabalho. Mesmo no interior do Núcleo de Formação Pessoal e Cidadania se há uma identificação com o grupo fica expresso, através dos posicionamentos assumidos, o quanto é temporário esse encerramento colectivo.

A conquista da independência, através de um trabalho que os realize, de acordo com os seus projectos pessoais, parece ser o que mais os faz defender a passagem à adultez. Acreditam que os estudos, principalmente os universitários, lhes permitirão aceder a um trabalho. A reflexividade social e individual coloca a escola nos guiões que estes rapazes e raparigas vieram a construir. Stoer e Magalhães referem

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que “[t]odavia, isto não nos pode fazer esquecer, na esteira de Beck (1992), que a capacidade para cada um escolher, manter e justificar as suas próprias relações sociais e opções de vida, não é a mesma em e para todos, ela é”, e acrescentam, citando Beck (1992: 98),

(…) como qualquer sociólogo das classes sabe, uma capacidade aprendida que depende das origens sociais e familiares especiais. A conduta reflexiva da vida, o planeamento que cada um faz da sua biografia e das relações sociais, dá origem a uma nova desigualdade, a desigualdade no lidar com a insegurança e a reflexividade (Stoer e Magalhães, 2005: 40-41).

Os diferentes posicionamentos assumidos para a construção dos discursos fizeram emergir o carácter relacional da construção da identidade denunciando a natureza não essencialista dos selves.

Em termos de modernidade tardia os lugares estruturais onde se constroem as identidades pessoais são plurais e, tal como diz Magalhães, “nenhum dos lugares estruturais anteriores desaparece, antes permanecem todos imbricando-se e redimensionando-se entre si”, o que dificulta a construção do projecto reflexivo do self como uma identidade coerente.

Utilizando a categorização de Magalhães (2001: 313) os selves destes rapazes e raparigas contêm características dos limites Troianos e Cassandra (oscilam do limite narcisista ao esquizóide), mas com preponderância do primeiro, ou seja, “a demanda do self autêntico” (ibidem: 313).

Para estes dez entrevistados, o NFPC parece ter assumido uma posição importante no crescimento e formação de identidades de cada um.

O grupo de pares ou o grupo de referência permitiu que construíssem novas identificações e novos vínculos e contivessem as suas angústias e ansiedades.