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Se por um lado a transição para o liceu marca uma nova mudança de vida, coincidindo com transformações biológicas que assinalam a adolescência e onde as inseguranças estão presentes,

eu fui po liceu, mas começávamos as aulas à segunda-feira e no sábado antes apareceu-me o período, pela minha primeira vez. E aquilo, pra mim, foi um drama. Eu não queria ter o período, nem por nada na minha vida, eu detestava aquilo, eu não queria aquilo. É que não queria mesmo e foi o choque de ir pa uma escola, pa uma turma que eu não conhecia, porque nós fomos três amigas pra lá e as três amigas ficaram em turmas diferentes. 6

(…) Ao princípio eu NÃO gostava. Foi muito mau, porque foi o acumular de tudo. Era ter o período, aquela insegurança, ir pra uma escola NOVA (E2).

Por outro, ele é um lugar de construção das identidades ao qual se atribui a vivência de boas recordações que deixam saudades.

quando falam em escola… pra mim a escola foi… foi o… liceu. Foi a época do liceu. Até porque antes de isso as memórias são…são… não são tão nítidas.

(…) As boas recordações só vêm do liceu… (E4).

Fui parar à Raul Proença, a melhor mudança da minha vida. Acho que a partir daí, tudo o que eu sou hoje começou daí. O meu sétimo ano, com uma turma magnífica, com professores magníficos (…) tenho tido momentos de choro mesmo, com saudade, com saudades do liceu. Haaaa, hammm, desde o edifício às funcionárias, aos professores, ao ambiente, à…, ao café, ao ABC, ao voluntariado (E5).

Eu sinto tanta pena quando vou agora ao liceu buscar o meu irmão, porque eu penso assim “Isto já não é o meu liceu! É o liceu do meu irmão. Já não é as mesmas pessoas, as mesmas coisas. Sinto muita pena, porque se eu pudesse voltar aqueles dias, com aquelas pessoas, com aquelas experiências, era isso que eu queria. Foram os melhores anos da minha vida! (E10).

97  “A turma: nós e os outros”

Os discursos sobre o percurso na escola secundária parecem indicar que a turma a que se pertenceu pode assumir-se como um instrumento utilizado na construção do projecto reflexivo dos selves; ser alvo de mudanças de posicionamento nas narrativas – mudanças de pronomes; assumir a ideia de identidade colectiva – comunidades imaginadas – ou apresentar dilemas de fundo quanto à escolha do tipo de discurso a assumir.

 “A turma: nós e os outros” e os selves

A turma pode assumir-se como lugar de segurança onde se constroem amizades que se tornam securizantes para o self.

… e sétimo, oitavo e nono, pra mim, foram os meus melhores anos, porque foi onde eu agarrei as pessoas que tenho hoje, porque os meus melhores amigos são estes, que estão aqui. Porque, eu tive décimo, décimo primeiro, décimo segundo…sim, tive amizades, mas …colegas. São colegas (E2). Receberam-me muito bem na turma. Eu antes de ir pr’as Caldas, já tinha entrado no chat, na Internet. Já tinha conhecido… umas pessoas que estudavam no liceu, mas a amizade não, não, não foi aprofundada. Mas, na turma, receberam-me bem… enturmei-me logo, também… não foi, não foi, não foi difícil. Foi uma maravilha (…) Senti-me bem tratada (E4).

Mas as mudanças de turma levam a novas adaptações e podem gerar intranquilidade.

Depois, no secundário… mudança de turma, mudança deeeeee professores, mudança de amigos (E5). Fui ver a minha turma, uma turma de trinta alunos. Eu achei aquilo surreal, prontos, quer dzer. Uma turma enorme, se bem que o funcionário disse logo: eu assim: “ai que turma tão grande, trinta alunos!”; “Ah, isso no primeiro período… metade sai logo (muitos risos)”. Foi verdade (E8).

Mas é lugar de aprendizagem sobre relações interpessoais permitindo que o indivíduo reflicta sobre as escolhas que pretende efectuar de acordo com o seu projecto de si.

Isto nota-se muito na escola. O interesse de que a pessoa, que a hipocrisia é um defeito horrível, e que a pessoa vem ter connosco por interesse, não é? (E9).

E pode ser um lugar onde o indivíduo se sinta só, ansioso, dilacerado, não conseguindo rodear-se do que necessita reflexiva e praticamente para a construção do seu projecto de self.

Eu acho mesmo qu’ há aí muito, muito estudante a gritar por ajuda. A GRITAR POR AJUDA! E ninguém dá uma mão (E10).

 “A turma: nós e os outros” e as mudanças de pronomes

A turma pode assumir-se como um grupo com o qual o “eu” se identifica com o “nós”, mas que também deseja que os outros sejam, também, um “nós”:

nós começamos todos a fazer as festinhas, os encontros e que eu sei sempre gostei muito, porque éramos um grupo… (E4).

era bom pó aluno perceber que: “eu não posso ser prestável, mas a turma é! mas se a turma é tão boa assim, porquê que eu não hei-de ser prestável?” se calhar, aqueles, aqueles alunos menos interessados que, às vezes, os puxávamos, não é? Às vezes… às vezes, puxávamos tamém pa eles, pa eles se interessarem. Eles, às vezes, podiam não querer mas, às vezes, eles sentiam:”Alto lá! isto, realmente,

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eles estão tão interessados e é tão bom para o aproveitamento de cada um que nós tamém vamos lá” (E9).

Para se demarcar (eu/eles; eles/eu; eu/eles/nós) quando se entende que há um certo carácter de desvio à norma assumindo-se, então, um discurso moralista e estereotipado:

acabei por me insurgir um bocadinho contra alguns colegas que eu achava que não tinham um comportamento que deviam ter numa sala de aula e que as pessoas deviam gostar de aprender e que se não gostavam de aprender não estavam ali a fazer nada, portanto xô com eles (risos) não tavam ali… pa, primeiro porque tavam a atrapalhar quem queria fazer as coisas, não é? E, por outro, porque não tinham forma de estar e não, não sabiam fazer a diferença entre o que era o recreio e a sala de aula (E7). E agora contra mim falo, não é contra mim, porque não era pra mim, mas é assim aa… eu detesto pôr as coisas neste prisma, mas aa... no décimo primeiro havia dois grupos na turma. Era o grupo dos fixes e o grupo dos não fixes. E eu… estava no grupo dos FIXES! Mas o grupo dessas raparigas, era um grupo de raparigas, sentia-se muito alienado. E porquê que eles se sentiam alienados? Porque eles tavam sempre no corte da gente, porque tinham ciúmes, eh pá! E eu compreendo que elas tivessem ciúmes, porque é assim: havia ali duas ou três pessoas naquele grupo que tinham muito dinheiro e podiam fazer o que é…e depois chegavam e falavam da neve e depois chegavam e falavam: “ai, comprei esta camisola… não sei quanto e não sei quê” e eu… como nunca, nunca achei… sou amigo deles como sou dum, dum mendigo, não ligo nada, nada a isso, pronto, não me afectava. Às vezes pensava: ” Escusavam de tar a fazer isto tanto!”, mas pronto. É a tal coisa, somos amigos não ligo. E elas ligavam muito e depois começavam, não sei quê e um dia foram-se queixar à, à directora de turma e a directora de turma veio ter comigo! Que nós tínhamos que as integrar, porque não sei quê. E nós não temos que integrar nada! Nós não tínhamos que integrar nada. Ela, AO fazer isto, ao ter esta posição de “Olha, agora, vocês, coitadinhas das meninas! Vocês têm que as integrar!” isto é pater… paternidade… não existe essa palavra em português! É fazer coitadinhas das meninas! É piorar ainda a situação, não é? Em vez de lhes dar espaço ( ) “vocês têm que ser vocês, têm que ter a vossa identidade”. Ela ao querer ajudar ainda piorou a situação! E depois criou o quê? Criou ainda mais uma barreira entre nós! Ai ela está a dizer isso? Ah! Então pêra! E eu sempre na boa, porque nunca alimentei esse tipo de coisas, mas pronto. As outras pessoas alimentaram e ainda piorou a situação! Há professores que sofrem por causa dessas coisas e depois há professores que passam perfeitamente ao lado e não, não ajudam… (E10).

As turmas de Artes eram os alunos mais velhos, mais… os repetentes as … as turmas problemáticas todas da escola (risos), as turmas diferentes as turmas de Artes, os alunos de Artes. Encarei também essa situação, que não tinha essa noção, não tinha essa noção que as turmas de Artes, se calhar, o avant garde dos próprios alunos, não é? O estarem à frente, todos os símbolos, todos os mitos que se começavam a venerar, desde logo, só porque se andava a aprender Artes (E8).



A turma, vista como comunidade imaginada, é tida como uma identidade

colectiva com a qual os jovens se identificaram e que permitiu criar laços de amizade

Pronto e… marcou muito, muito mesmo. Porque nós… é que nós vivíamos as coisas… fazíamos coisas que ficam pa sempre e quando nós tivemos juntos, nós falámos sempre muita coisa. Quando nós íamos brincaar pr’ali, pr’acolá, quando… quando nós íamos… quando não tínhamos aulas nós íamos po parque brincar, andar de barco… são coisas… que ficam sempre, sempre, sempre. Que nós vivíamos… Era tão engraçado que nós ríamos tanto, fazíamos tanta coisa e, ao fim ao cabo, fazíamos sempre as nossas coisas. Fomos uma das melhores turmas do liceu! Isso também marca! Isso também é bom! Os projectos que nós fizemos… (E2).

se naquela turma cada um fosse para o seu lado, então, não távamos ali a fazer nada. Se adoptássemos o esquema casa-escola, escola-casa então tava mal e tínhamos de nos conhecer uns aos outros. É essa. NÃO ERA os professores que diziam que vocês têm que conhecer-se uns aos outros, fomos nós que percebemos que era essencial nós conhecermos uns aos outros.

(…) Aquele grupo, de turma que ia para dentro de uma sala de aula, antes de ir pa sala de aula falavam todos: “Eh! Como é que fizeste o trabalho? não sei quê, não sei que mais.” Isto é muito bom. É muito bom porque cria-se uma grande amizade

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“A turma: nós e os outros” e os dilemas de fundo

Mas os dilemas de fundo estão presentes nos discursos, sobretudo quando a memória não permite recordar colegas que desde sempre pertenceram à turma e que só mais tarde é que se consciencializa que eles sempre lá estiveram:

Eu andei sempre… andava sempre, andei sempre… tinha MORAL. Andei com eles… eu comecei, dava- me muito bem com a D., mas eu lembro-me que, ao principio… não me dava com as pessoas que me dou mais agora: F, a V, a P, a L… a L … não me lembro dela. Eu, sinceramente… sétimo, oitavo…eu tinha pessoas que… coiso… a L… não me lembro de coisas da L. Não sei. Passava muito… passava ao lado. Eu não me lembro (E2).

e quando a exposição aos outros é pressentida como algo de ameaçador, não se desejando correr o risco.

Então, eu não queria falar na sala. Eu não me sentia… afirmada, confiante pra poder falar. É, é… quando eu dizia que era… eu só queria ouvir, era porque…também era… não era só assim na sala de aula (E3).

 A biblioteca da escola secundária

 A biblioteca da escola secundária e os selves

A biblioteca da escola secundária é considerada, na construção discursiva, um instrumento construtor dos selves, parecendo desempenhar um lugar de escolhas e de afirmação do “eu” que nem sempre dá resposta aos desejos dos jovens.

Agora é… aquilo era, havia barulho n’ alguma mesa: “P. TÁ CALADO!” se houvesse próxima era logo: “P. TÁ CALADO, porque não sabiam o nome dos outros. E, eu, uma vez, cheguei ao pé da dona C. e da S. e disse assim: “desculpem lá (riso de desprezo): eu não tava a fazer barulho nenhum. Se vocês a única pessoa que conhecem é a minha pessoa, vocês não têm que tar, eu tava calado! Vocês é que passam depois por, por más pessoas, porque vocês tão a mandar calar uma pessoa que tá calada! (indignado) Não é? Vocês têm que ir lá à mesa e falar cuidadosamente, eu disse mesmo: falar cuidadosamente com as pessoas, com os alunos que tão a fazer barulho”. E depois aaaa, lá a Susana pergunta: “Ah! Até parece que, às vezes, falamos com sete pedras na mão!” Parece? Quase todas as vezes falam com sete pedras na mão. Como se…ou vocês o dia correu mal, ou acordaram maldispostas e nós depois é que temos que pagar por isso!”. Há montes de coisas que me aconteceram na biblioteca (indignado). Desde de me proibirem uma vez de comer lá dentro. De entrar a comer, faltava-me um bocado de croissant. “VAIS COMER ISSO LÁ PRA FORA!” e eu virei-me pra elas assim: “Essas bolachas que tão aí? Também tão comidas e você comeu-as aqui dentro!”. Isto é ensinar a escola! (E9).

A Raul tem andado a melhorar muito. Desde o décimo até ao décimo segundo melhorou muito e melhorou muito a minha visão das bibliotecasno meu décimo ano havia Harry Potter em todo o lado e havia lá, pa requisitar, Tolkien não havia o Duas Torres. Pá, tamos a falar de uma das mais influentes obras literárias do século XX. Pronto, este tipo de sentimento. Mas eu aposto que não há Marcel Proust na biblioteca… por exemplo! Isto, são coisas que tinham de lá tar (E10).

 Os professores

 Os professores e os selves

Os discursos sobre os professores apresentam-se com diferentes posicionamentos: como instrumentos do projecto de self, mudanças de pronomes e integrados nas comunidades imaginadas, alvo de investimento psicológico e como dilemas de fundo.

100 Se, por um lado, são construídos como modelos:

eu dava muito valor à professora! Ainda dou. É verdade! E isto não é tar aqui a dizer pra parecer bem. Não é. Eu lembro-me de dar muito valor à professora… (E2).

por outro, são tidos como “adultos gigantes” contra os quais nada se consegue fazer:

é difícil uma pessoa se impor, uma pessoa de catorze, quinze anos se impor contra um adulto gigante. Professor (E4).

R

elativamente aos professores, os discursos também evidenciam que os jovens criam uma identidade colectiva, ainda que temporária, onde desejam a proximidade com o professor, mas parecem lamentar a dificuldade em que tal suceda, evidenciando-se a posição entre um “nós”, os alunos, e um “eles”, os professores.

Os professores! A gente vê sempre os professores num… numa espécie, numa espécie de mundo à parte. Uma espécie, não é? Porque o professor é… não, não… são poucos os professores que têm uma relação além de professor aluno com os alunos. Além daquela relação de sala de aula. Também porque não há outro lugar de convívio. É só mesmo… pr’ali, porque é só… é aquela função de professor e ele não tem mais nada. E, às vezes, até os professores dizem: “Eu tou aqui pró que for preciso”, mas é difícil uma pessoa, um aluno, ter a coragem… de ir lá e falar com, com o professor se estiver a precisar (E4).

E, contrariando a perspectiva do “adulto gigante” que exige a submissão, há discursos que perspectivam o medo dos professores face ao colectivo que são os alunos detentores de espírito crítico, chegando mesmo a questionar a formação de professores cuja formatação parece evidente.

Porque os professores têm muito medo, muito medo de nós. É perfeitamente compreensível. (…) eu não sei como é que o vosso treino pa ser professores, mas eu não sei se eles têm treino suficiente pa tar em frente a uma plateia que está a fazer julgamentos (E10).

Se os professores são formatados, eles só nos podem formatar, porque eles não vão ter a abertura de mente para nos incutir espírito crítico (E10).

 A Faculdade

 A faculdade e os selves

A faculdade, o longo do percurso escolar, surge, também, como um instrumento a utilizar no projecto de construção do self na conquista de uma maior autonomia.

Depois ahmm a transição. Depois a carta de condução, uma sensação de independência, de maduridade. Aaa a entrada na universidade, uma vitória, uma alegria plena. Ahmmm primeiro ano de universidade muito, muito vago. Muiiiito ahhhh ahmmm… Sem grande ahhhh contente. Nunca duvidei do curso. Metia- me pena estar com pessoas que ahmmmm a, a, desiludi-me até. Desiludi-me com as pessoas. Pensava que ia encontrar pessoas mais interessantes. Estava todo contente, que ia partilhar dos mesmos interesses dos mesmos sonhos, mas não, não aconteceu. Muita gente está ali, porque não está noutro, portanto, por exclusões de parte. Mas… estou muito contente, porque ser Guia/Intérprete é um sonho mesmo. É… tenho a certeza daquilo que quero (E5).

101  A escola

 A escola e os selves

A escola é assumida, antes de mais, como “um lado muito importante” que “sempre fez parte” da vida destes rapazes e raparigas que não se reduz à componente formal. Uma segunda casa.

Definitivamente, sempre foi um lado muito importante, sempre fez parte da minha vida. A escola, seja de que tipo for, é aí que desenvolvemos as relações sociais, o nosso intelectual, logo, relações a nível emocional (E1).

era a minha vida, era, era a minha escola, era o meu dia-a-dia, era a minha segunda casa e é a minha segunda casa, de certa forma (E8).

Mas que se reconhece como uma instituição que não agrada a todos:

Há sempre alguns que não querem saber da escola pa nada. (…) Se calhar, acham que a escola não vai servir de nada (E6)