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1.4. A questão da participação

1.4.3. Participação e empoderamento

Ao discutirmos participação democrática e seus efeitos instrumentalizadores da sociedade civil ou ao afirmarmos que a concepção de democracia participativa enfatiza a ampliação do espaço de participação política da sociedade civil, em especial pela via dos movimentos sociais, estamos destacando a perspectiva de protagonismo civil. Ou seja, a compreensão de que é possível um processo, através do qual, indivíduos e sociedade, obtém controle sobre suas vidas, apoderam-se de mecanismos que intervém na dinâmica de suas vidas e de suas comunidades. Uma espécie de aumento do poder pessoal e coletivo, seja nas relações internas (de grupos), ou nas relações com o Estado (as políticas públicas).

Nesse sentido, a proposta de estudar gestão participativa em projetos sociais de esporte aponta para a necessidade de discutir as consequências desse tipo de gestão no cotidiano das pessoas envolvidas com o referido projeto, seja no interior do mesmo ou nos reflexos dessa experiência em suas vidas privadas, com grupos organizados ou com o Estado, enquanto promotor de políticas públicas. Torna-se, portanto, imperioso, dessecar o conceito de Empowerment como forma de entender o processo em sua totalidade.

O termo Empowerment é originário da língua inglesa e caracterizado fortemente por seu caráter polissêmico, que passa a ser utilizado de forma mais ampla no Brasil a partir dos anos 1990, com o sentido de empoderamento, sendo também traduzido/utilizado como fortalecimento.27

Carvalho (2004), quando analisa o termo, afirma que é uma ideia que tem origem nos movimentos sociais por direitos civis na década de 1970, no movimento feminista e na ideologia da ação social presentes nas sociedades do primeiro mundo, a partir dos anos 1950. Nos anos 1970, é influenciado pelos movimentos de autoajuda; nos anos 1980 pela psicologia comunitária e nos anos 1990 pelos movimentos que buscam afirmar o direito de cidadania sobre distintas esferas sociais.

É de se destacar que nas últimas décadas, são muitos os autores que discutem a questão do empoderamento, de um modo geral se referindo a este como a habilidade de pessoas conseguirem um entendimento e um controle sobre suas forças pessoais, sociais, econômicas e políticas, para poderem agir de modo a melhorar sua situação de vida. (Teixeira, 2002; Vasconcelos, 2001; Wendhausen, 2006; Putnam, 2000; Carvalho, 2004; Gohn, 2004).

Wendhausen (2006, p. 133) defende que o empoderamento tem assumido significações que se referem ao desenvolvimento de potencialidades, aumento de informação e percepção, com o objetivo de que exista uma participação real e simbólica que possibilite a democracia.

Já Vasconcelos (citado por Teixeira, 2002, p. 24), defende que historicamente, o empoderamento está associado à formas alternativas de se trabalhar as realidades sociais, suporte mútuo, formas cooperativas, formas de democracia participativa, autogestão e movimentos sociais autônomos.

27 Nesse contexto de polissemia do termo, encontra-se na literatura traduções de “empowerment”

também como sendo aumento de poder, delegação de poder, outorga de poder, autorização, autonomia, capturar poder, dar a outros, habilidades para que eles possam obter poder por seus

O mesmo autor (citado por Wendhausen, 2006, p. 133) afirma, ainda, que o empoderamento significa o aumento do poder, da autonomia pessoal e coletiva de indivíduos e grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos à relações de opressão, discriminação e dominação social. Um dos aspectos fundamentais do empoderamento diz respeito às possibilidades de que a ação local fomente a formação de alianças políticas capazes de ampliar o debate da opressão no sentido de contextualizá-la e favorecer a sua compreensão como fenômeno histórico, estrutural e político.

Nesse sentido, empoderar pode ser entendido como um processo através do qual o indivíduo exercita o direito e as possibilidades de autodeterminação de sua existência, participando dos processos sociais e políticos. É o ato de assumir as responsabilidades por influenciar as ações do público enquanto elemento da sociedade civil, entendendo o papel de agente formulador, regulador e fiscalizador que o indivíduo e os grupos podem assumir diante das políticas públicas, especialmente na alocação de recursos públicos, considerando o sentido que essas têm de atendimento das necessidades e da vontade da maioria da população.

Segundo Wendhausen (2006, p. 133), isto pode, como consequência, re-desenhar espaços constituídos de capital humano e social, que estão indubitavelmente ligados ao empoderamento. Capital social se refere aos sistemas horizontais de participação cívica (associações comunitárias, cooperativas, grêmios desportivos, partidos políticos, etc.). Para Putnam (2000, p. 177), as características centrais destas redes são confiança, reciprocidade e cooperação, o que facilita a solução dos dilemas da ação coletiva.

Devemos destacar que o entendimento e mesmo a vivência/experiência de empoderamento a que nos referimos não se refere à busca de poder sobre o outro e sim sobre a lógica de compartilhamento de responsabilidades na busca do atendimento das necessidades coletivas.

Como já ressaltamos, essa questão está relacionada às fortes mudanças na cena política em diversos países onde a democracia se instaura de forma mais efetiva. Nesse contexto, surge uma pluralidade de novos atores sociais especialmente decorrentes de uma nova forma de articulação da sociedade civil, ampliada em suas práticas, discurso e demandas. Exemplo disso são os movimentos sociais como os sem-terra e sem-teto, ou os movimentos relacionados ao reconhecimento de direitos sociais e culturais como, gênero, raça, meio ambiente, segurança, esporte e lazer. Não se trata mais de reivindicações oriundas de espaços políticos clássicos como os sindicatos, a igreja, ou os partidos políticos. Há, portanto, uma profusão de novos atores sociais, como já destacamos anteriormente, o que significa a criação de novas arenas de lutas pelos direitos, e que se materializa objetivamente na criação de instituições as mais diversas, caracterizadas como associações de interesse, especialmente as ONGs, algo a que, por entender sua importância, dedicamos um espaço específico no capítulo I desse trabalho. Putnam (2000) já dedicava esforços na direção de entender a importância das associações de interesse, destacando sua importância para a consolidação da comunidade cívica, da cidadania ativa e da formação de capital social. Para Figueiredo (2001, p. 42), as associações de interesse apresentam características que as tornam instituições incentivadoras da cidadania, contribuindo para a mudança de valores, comportamentos e atitudes condizentes com a democracia participativa. Com efeito, contribuem para a eficácia e a estabilidade da governança democrática não só por seus efeitos “internos” sobre o indivíduo, mas devido a seus efeitos “externos” sobre a sociedade e sobre a ação do Estado. Internamente, as associações incutem em seus membros hábitos de tolerância, cooperação, solidariedade e espírito público, bem como o senso de responsabilidade comum nos empreendimentos coletivos. No âmbito externo, a “articulação” e a “agregação” de interesses são intensificados por uma densa rede de associações secundárias28

Quando o Instituto Ayrton Senna defende como prioridade de sua ação no PEE o desenvolvimento de competências nas pessoas atendidas, podemos relacionar esse objetivo com a noção de Educação empoderada ou educação de empoderamento que pode ser entendida, segundo Teixeira (2002, p. 24), como um modelo preventivo que se focaliza na ação grupal e no diálogo direto dos alvos comunitários, almejando aumentar a credibilidade das pessoas em sua capacidade em mudar suas próprias vidas. Ou seja, um estímulo à consolidação de associações de interesse, enquanto estratégia para desenvolvimento e consolidação da ação de indivíduos e grupos na perspectiva da construção da comunidade cívica, da cidadania ativa e da formação de capital social.

O IAS explicita nas questões teóricas que dão suporte ao PEE o protagonismo juvenil, enquanto uma questão central nesta ação29. Para o Instituto, a população infanto juvenil é o ponto de partida para transformar a realidade. Ressalta, ainda, sua compreensão de Estado democrático, defendendo que um Estado democrático só se fortalece quando a sociedade civil está fortalecida; por outro lado, o que torna a sociedade civil forte é a participação. (Hassenpflug, 2004, p. 191).

pode intervir no funcionamento das associações, salvo mediante sentença judicial transitada em julgado. Nesse caso, elas podem ser dissolvidas compulsoriamente. Vale destacar, ainda, que o direito de associação pressupõe ato individual voluntário, ou seja, ninguém pode ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.

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Segundo Costa (2000, p. 20), “O termo protagonismo, em seu sentido atual, indica o ator principal, ou seja, o agente de uma ação, seja ele um jovem ou um adulto, um ente da sociedade civil ou o Estado, uma pessoa, um grupo, uma instituição ou um movimento social”. Para esse autor, O protagonismo juvenil, é uma forma de atuação com os jovens, a partir do que eles sentem e percebem da sua realidade. Não se trata de uma atuação para os jovens, muito menos de uma atuação sobre os jovens. Portanto, trata-se de uma postura pedagógica viceralmente contrária a qualquer tipo de paternalismo, assistencialismo ou manipulação. (p. 23.). Quando argumenta favoravelmente a participação dos jovens, Costa (2000, p. 176), defende que “A participação autêntica dos jovens pressupõe sempre um compromisso com a democracia. Para esse autor, conquistar, fortalecer e ampliar a experiência democrática na vida das pessoas, das comunidades e dos povos é e será sempre o objetivo maior de todo o protagonismo juvenil autêntico.

No cotidiano de projetos como os do IAS a perspectiva de empoderamento materializa-se em espaços e dinâmicas que são definidos como princípios metodológicos e de gestão, preconizados pelo Instituto e assumidos pelos diversos projetos a ele vinculados. Dentre esses elementos/mecanismos, destaca-se o planejamento participatvivo e tudo o que o envolve, como principal ferramenta de empoderamento, isso no âmbito dos que fazem a gestão do projeto. Em relação à participação da comunidade atendida, isso é feito nas reuniões e encontros diversos (formais e informais) com pais e/ou responsáveis e crianças e jovens diretamente atendidos, na “Roda” no início e no final de cada atividade e na instância do Conselho Social, nos projetos que contam com essa instância30.

Para Hassenpflug (2004, p. 190), optar pela gestão participativa em organizações educativas é acreditar, portanto, que a participação é o melhor caminho para motivar, envolver e comprometer as pessoas com os resultados almejados e de aproximar a organização da comunidade na qual se insere. Significa acreditar na capacidade operativa e criativa das pessoas, sem perder de vista que, ao contrário do que indica o senso comum, não se nasce sabendo participar.

É de se destacar que essa perspectiva de empoderamento está impregnada (e não poderia ser diferente) de elementos do contexto em que está inserido o projeto. Como afirma Teixeira (2002, p. 25), neste modelo de empoderamento, o contexto é algo que deve ser levado em conta, já que o empoderamento se altera segundo as diferentes situações, considerando que elas refletem as várias necessidades dos indivíduos, grupos, organizações, escolas e comunidades, no contexto onde ocorre o empoderamento. Ou seja, é preciso se entender a questão do empoderamento considerando o contexto

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O Conselho social não está preconizado pelo IAS. Mesmo assim, alguns projetos decidiram por instalar esse tipo de instância como forma de aprimoramento dos mecanismos de participação. A Roda é uma estratégia metodológica, através da qual, todas as atividades vivenciadas no projeto, iniciam e terminam em uma pequena reunião (Roda), onde são discutidas questões daquela atividade (planejamento,

onde este ocorre, as relações sociais ali vivenciadas e, sobretudo, o nível de capital social para criar e estabelecer mudanças31.

Nesse sentido, pode-se dizer que o empoderamento pode ser duradouro ou não. Para sê-lo é preciso que o grupo ou a organização mantenha seus esforços por longo tempo no sentido da construção da cultura cívica defendida por Putnam (2000). Teixeira (2002, p. 29) argumenta que uma coalizão ou parceria, sustenta seus esforços positivos durante muitos anos, quando pode se transferir a tecnologia de um problema para outro; quando há mudanças físicas significativas na vizinhança ou na comunidade, como resultado de esforços de coalizão; quando, substancialmente, mais membros da comunidade são envolvidos em um modo de manter a decisão tomada pela comunidade; quando mais pessoas estão criando e ganhando oportunidades de emprego; quando a taxa de mortalidade diminui; e finalmente, quando a autodeterminação e a solução dos problemas da comunidade estão sendo endereçadas para os cidadãos, numa modalidade de plano estratégico. Braithwaite (citado por Teixeira, 2002, p. 30), defende que uma das finalidades do empoderamento comunitário é fazer o status quo inconfortável, desafiando o sistema vigente. Quando o empoderamento é verdadeiramente realizado, racismo, sexismo, envelhecimento e problemas de classe são colocados em cheque. Essas forças sociais negativas são minimizadas, por um controle assumido pelo grupo empoderado. A ideia de empoderamento passa pelo entendimento da necessidade de proporcionar os meios e estratégias para que pessoas e grupos se empoderem, ou seja, obtenham controle sobre suas vidas, na medida em que participam ativamente nas decisões políticas que os afetam. Para tal, é de fundamental importância o desenvolvimento contínuo de capital social e oportunidades na base do poder público de mecanismos

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Destacamos os argumentos de Zimmerman (citado por Teixeira, 2002, p. 28), para quem o empoderamento é um conceito que possui vários níveis. É uma construção em nível individual, quando se refere às variáveis intra-fisicas e comportamentais; em nível organizacional, quando se refere à mobilização de recursos e oportunidades participativas; e também pode ser em nível comunitário, quando a estrutura das mudanças sociais e a estrutura sociopolítica estão em foco. Para esse autor, Isto dificulta uma medida global de empoderamento.

flexíveis que permitam e mesmo reforcem a participação dos indivíduos e grupos na resolução de seus problemas.

Destacamos a importância de entender-se a questão do empoderamento através da participação enquanto efetiva possibilidade de socialização de poder; de participação nas decisões importantes quanto ao destino de pessoas, grupo e organizações. Como destaca Brose (2001, p. 11), “quando trabalhamos com enfoque participativo, nossa intenção não deve estar centrada nos instrumentos, métodos e técnicas, mas naquilo que constitui a questão central da participação: o poder. Ou melhor, a disputa sobre o poder. Instrumentos participativos têm como função principal ajudar a estruturar as disputas sobre o poder entre atores sociais, torná-las mais transparentes e, dessa forma, contribuir para uma distribuição mais equitativa do poder”.

Uma questão fundamental nesse contexto está relacionada à existência de uma base normativa que permita esse tipo de participação enquanto elemento precípuo para a concretização de empoderamento. Ou seja, as garantias formais para a participação. No caso brasileiro, essas garantias estão expressas na Constituição de 1988 que consagrou a participação como princípio de organização e gestão do Estado brasileiro, o que trouxe consigo a expectativa de concretizar a participação e a diversificação dos atores que passam agora a poder atuar, formalmente, em diferentes instâncias públicas, o que altera, sobremaneira, as relações entre Estado e sociedade até então vivenciadas.

Segundo Dagnino (2007, p. 26), “A expectativa com a criação desses novos espaços de participação e de deliberação era da efetivação de diálogos mais permanentes entre diferentes atores e a produção de acordos legítimos, visando à solução de problemas e ao atendimento de necessidades e demandas da população, combinando a democratização das relações de poder e o efetivo atendimento às demandas sociais”. É de se destacar, no entanto, que os diferentes contextos políticos, lócus da vivência empírica, do que propõe do ponto de vista teórico a Constituição, tem produzido estratégias e

resultados diferentes, segundo a mediação e as relações de forças presentes em cada espaço político.

Na sequência do texto, nos deteremos na análise das mudanças constitucionais ocorridas no Brasil em 1988 e as consequências disso no que se refere ao estímulo à participação cidadã.

1.4.4. A Constituição brasileira de 1988 e as novas possibilidades para a