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4.3 O processo de adaptação estratégica do Hospital de Caridade de 1974 a 2004

4.3.1 Período estratégico I O hospital escola (1962-1980)

O primeiro período estratégico caracteriza-se por ser uma etapa de relativa estabilidade do Hospital em relação ao seu ambiente externo. O Caridade configurava-se o único hospital geral da época, sendo referência para a população de todo o Estado. Os recursos do governo eram obtidos de forma mais fácil, pois na época existiam poucos hospitais públicos atuantes em Florianópolis, informa o entrevistado 11.

Dois eventos críticos marcam o período: a assinatura do convênio com a Universidade Federal de Santa Catarina e a criação da superintendência para administração do Hospital.

No início da década de 60, a direção do Hospital de Caridade ainda estava a cargo da Mesa conjuntamente com as Irmãs, que na época cuidavam da supervisão geral do hospital, incluindo as unidades de enfermagem, consultório, salas cirúrgicas e farmácias (PEREIRA, 1997).

Um dos principais eventos críticos ocorridos nesta fase foi a assinatura do convênio com o curso de medicina da UFSC, em 1962. Como a Universidade não dispunha de instalações hospitalares próprias, gerou-se a necessidade de um hospital para o ensinamento clínico e o Caridade foi percebido como o local ideal.

O convênio com a UFSC representava a garantia do repasse mensal de um determinado volume de recursos financeiros para o Hospital de Caridade, que, de acordo com o depoimento de um dos entrevistados, eram substancioso e advinha não apenas do Ministério da Saúde, mas também do próprio Ministério da Educação. Segundo o entrevistado 11, outras fontes de renda eram provenientes de: (a) recursos de convênios estabelecidos com os antigos Institutos de Aposentadoria – IAP’s de classes profissionais existentes na época (bancários, comerciários, industriários, dentre outros) até a advento do SUS em 1988 com a promulgação da Constituição Federal; (b) doações de políticos, religiosos e devotos; (c) apoio dos órgãos públicos em projetos.

É interessante esclarecer que neste período as pessoas que não possuíam carteira assinada eram consideradas “indigentes”. Tal público, conforme os entrevistados, era o principal motivo de atuação do hospital. Na época, o sistema de saúde era o INAMPS que tinha como foco a saúde dos trabalhadores registrados formalmente.

Apesar do repasse de recursos pelo Governo, o Hospital de Caridade já enfrentava dificuldades financeiras para manter suas operações.

Em termos de expansão de serviços e melhorias nas instalações físicas, a própria Universidade empreendeu alguns investimentos no Hospital. Para um melhor desempenho do ensino, em 1962 houve a ampliação das enfermarias e em 1975 foram realizadas outras adaptações, onde foi construído um anfiteatro para aulas doutrinais, uma unidade ambulatorial com consultórios médicos, postos de enfermagem e sala de curativos.

Outra mudança ocorrida neste período foi a mudança na estrutura organizacional com a criação da superintendência no final de década de 60 e início de 70. A função de direção geral do hospital, antes uma atividade voluntária exercida pelo provedor, passaria a ser executada por um profissional contratado – o superintendente. Desta forma, ocorreu uma divisão das atribuições da provedoria e da Mesa Administrativa, que ficou com as atividades religiosas da Irmandade e a supervisão da gestão da superintendência, cabendo a esta última a administração geral do hospital.

Segundo depoimento do entrevistado 11, uma série de fatores levaram a Mesa a tomar esta decisão. Um deles foi a saída das Irmãs que trabalhavam nas enfermarias e auxiliavam na própria administração do hospital. As ordens e congregações religiosas não estavam autorizando o envio de novas Irmãs para o trabalho em asilos e hospitais, pois implicava em uma não renovação de freiras nos conventos. Assim, o Hospital de Caridade viu a necessidade de contratar profissionais para auxiliar na supervisão geral do hospital.

Outro fato que contribuiu para esta decisão foram as determinações legais do Ministério da Saúde, que passaram a exigir no quadro funções técnicas que requeriam determinado nível de escolaridade, como por exemplo, o cargo de Diretor Técnico que deveria ser ocupado por um profissional com formação em medicina e administração hospitalar.

Correlacionando com os preceitos da teoria institucional, percebe-se neste ponto a influência de práticas isomórficas normativas e coercitivas (DIMAGIO E POWEL, 1983) sobre o desenho organizacional do Hospital de Caridade, pois leis regulamentares e normas

profissionais de certa forma influenciaram de maneira determinística a decisão de mudança na estrutura.

O referencial de Miles e Snow (1978), mais especificamente o “ciclo de adaptação”, também pode ser utilizado para explicar o comportamento estratégico do Hospital no período. Os autores sugerem que a adaptação estratégica pode emergir de um problema empresarial, de engenharia ou administrativo. No caso do Hospital de Caridade, os problemas que parecem mais evidentes no período e que deflagaram o processo de adaptação foram o

empresarial e o administrativo. O empresarial pelo fato de ter sido estabelecido o convênio

com a UFSC, alterando os serviços oferecidos e a rotina de trabalho do Hospital. O

administrativo, por sua fez, refere-se a necessidade de mudança na estrutura organizacional,

concretizada com a criação do modelo superintendência.

Com relação ao modelo de Hrebiniak e Joyce (1985), conforme expressa a área hachurada da figura 7, infere-se que o Hospital de Caridade no período estratégico I encontrava-se nos quadrantes I e IV. No início, embora o determinismo não fosse tão alto, as mudanças foram de caráter incremental, sem grandes transformações na organização, configurando um comportamento passivo da ação gerencial. Pode-se dizer que o ambiente era relativamente plácido, ou seja, haviam poucos fatores externos ou internos intervenientes que representassem uma ameaça para a atuação do Hospital de Caridade. Contudo, a partir da década de 70, as condições ambientais (regulamentações do setor, dependência de recursos) tornaram-se mais fortes, resultando em um alto determinismo. A ação gerencial continua baixa, sem grandes mudanças na organização.

III Escolha estratégica máxima escolha

Adaptação por design II Diferenciação ou foco Escolha diferenciada Adaptação com restrições

I Seleção natural Escolha mínima Adaptação ou eliminação ESCOLHA INDIVIDUAL SELEÇÃO AMBIENTAL DETERMINISMO AMBIENTAL ESCO LH A ESTRATÉG ICA IV Escolha indiferenciada Escolha incremental Adaptação por acaso

Figura 7:Comportamento estratégico no Período I Fonte: Dados primários

Embora exista a constatação de que a provedoria da Irmandade, mais especificamente a Mesa Administrativa e o Conselho Pleno foram os grupos centrais na definição das mudanças ocorridas no período I, outros atores – stakeholders, também influenciaram o processo de adaptação estratégica (vide figura 8).

Dois grupos de stakeholders refletem a influência do governamental no processo adaptativo. Um deles é o Ministério da Saúde, pois as regulamentações emanadas por este órgão influenciaram de forma direta as decisões tomadas pelo Caridade, mais especificamente a mudança na estrutura organizacional e o próprio processo de profissionalização do hospital. Outro órgão federal que de certa forma também influenciou a ação do Hospital de Caridade foi o próprio Ministério da Educação, pois com o estabelecimento do convênio com a UFSC mudanças e investimentos foram realizados para que fosse possível o ensino da medicina no Hospital. Universidade Federal de Santa Catarina Governo Federal HOSPITAL DE CARIDADE Pacientes Congregações religiosas

Figura 8: Stakeholders do período estratégico I Fonte: Dados primários

As congregações religiosas também contribuíram para o processo de adaptação estratégica. As irmãs executavam um papel de supervisão interna do hospital e com a sua saída a Irmandade se viu obrigada a substituição de pessoas para coordenação e atuação em diversas áreas do hospital.

A Universidade Federal também se destaca com um dos principais influenciadores sobre a ação do Hospital de Caridade. Com o ensino prático de medicina no próprio hospital adaptações foram efetuadas em termos de estrutura física, procedimentos hospitalares e

atuação de profissionais médicos e discentes. Além disso, com a assinatura do convênio os recursos financeiros para atuação do hospital foram garantidos por um período longo.

Por fim, é importante salientar como um dos stakeholders os próprios pacientes, pois o Hospital sempre procurou o atendimento igualitário a todas pessoas, principalmente aquelas com condições menos favorecidas, que é a razão de existência do hospital.