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5. ANÁLISE DOS DADOS

5.4 PERCEPÇÕES SOBRE AS CERTIFICAÇÕES

Os entrevistados nas empresas demonstraram ter percebido esta pressão externa, para que a empresa buscasse a certificação ISO 9000. Inicialmente, então, a ISO 9000 era vista como um instrumento de marketing necessário, porém, posteriormente, um outro importante aspecto da certificação passa a ser percebido: a ISO 9000 como um instrumento de gestão.

Sobre o aspecto das empresas possuírem a certificação ISO 9000 como um instrumento de marketing, apenas “para fins de auditoria”, ou usá-la efetivamente como um instrumento de gestão, notou-se que os entrevistados não declaram abertamente que isto ocorre dentro de suas próprias empresas, o que era de certa forma esperado. Entretanto, algumas contradições aparecem durante as próprias entrevistas, ou quando se confrontam algumas delas, dentro da mesma empresa.

Percebe-se, assim, que dentro das empresas pesquisadas, até como um entrevistado admitiu, provavelmente existe sempre alguma parte do sistema da qualidade que não é usada como um instrumento de gestão, existindo apenas “para fins de auditoria”. Ainda, algumas vezes, esta crítica a este falseamento é dirigida às outras empresas, porém de forma um pouco confusa, levando a uma suposição de

que aquilo que está sendo referido como “realidade dos outros” também é “realidade nossa”.

Esta conclusão corrobora as pesquisas realizadas por Vasconcelos e Vasconcelos (2001, 2003) e por Caldas e Vasconcelos (2002). A pesquisa não percebeu alguma construtora que tenha implantado todo o sistema “só de fachada”. Entretanto, observou-se que algumas partes do sistema da qualidade servem apenas “para fins de auditoria”.

Para os entrevistados, a certificação num primeiro momento é percebida como um instrumento de marketing. Posteriormente, algumas mudanças nas organizações fazem com que a certificação ISO passe a ser vista de maneira distinta.

A primeira grande mudança apontada é que a empresa passa a ter, por meio das auditorias internas, e principalmente das externas, um instrumento de cobrança. Essa cobrança ocorre na medida em que procedimentos e controles estabelecidos têm que ser cumpridos, de forma a manter a certificação. O não cumprimento de procedimentos ou a falta de registros que comprovem determinadas atividades, podem ser transformar em não conformidades durante as auditorias.

Assim, cria-se um hábito de manter a documentação e os registros atualizados, para a certificação. Entretanto, novamente alguns entrevistados apontam que devido a esta obrigação, em alguns casos, esta atualização na documentação e nos registros de algumas partes do sistema da qualidade ocorre às vésperas das auditorias, somente para este fim. Isto demonstra a separação entre a teoria e a prática organizacional e a cerimonialização de controles e inspeções implantados (MOTTA; VASCONCELOS, 2002)

Outra percepção sobre a certificação que se modifica com o tempo, tanto dentro das empresas como fora, é de que a ISO 9000 “não é tudo”, ou seja, ela isoladamente não garante a qualidade, nem é sinônimo de solidez financeira. Assim, o “mito” (MEYER; ROWAN, 1977) da certificação ISO 9000, aos poucos, vai sendo desconstruído, a exemplo do que ocorreu na França, apontado por Vasconcelos (2000). Esta desconstrução parece acontecer dentro das organizações com maior intensidade, do que externamente com os clientes. Nossa pesquisa não atinge este ponto, os consumidores. Porém, de acordo com alguns entrevistados, o cliente já não mais percebe a certificação ISO 9000 como um diferencial de mercado relevante, ou mesmo algo imprescindível para uma construtora.

Desta forma, acredita-se que a adoção das certificações ISO 9000 no Espírito Santo ocorre principalmente por meio dos mecanismos de normalização e mimetismo (SCOTT, 1987).

Mecanismo de normalização pois, por meio da certificação ISO 9000, as organizações passam a obter legitimidade, num mercado recém abalado pela Encol e o caso do Palace II. As coalizões que vão se formando em torno da certificação ISO 9000, e posteriormente com o PBQP-H, demonstradas anteriormente, representam a criação de jogos de poder a que Motta e Vasconcelos (2002) se referem.

A adoção de forma mimética ocorre na medida em que algumas construtoras também se sentem obrigadas a buscarem a certificação ISO 9000, porque a concorrência está se certificando, num típico comportamento de imitação e defesa diante das incertezas do ambiente.

Com o crescimento da certificação ISO 9000, a exemplo do que acontecia em outros estados, o Sindicon iniciou um processo de negociação com consultorias visando formar grupos de empresas em busca da certificação ISO 9000. Quase que simultaneamente, no âmbito federal, foi criado o PBQP-H.

O PBQP-H, um programa de qualidade específico para construção civil, baseado na versão da ISO 9000, é fruto de conchavos entre a SEDU-PR e a CBIC, ou seja, da interseção de interesses públicos e privados. Esta interseção nos remete novamente à relação entre política e administração a que Selznick (1972) se refere. Ainda se questiona quais seriam então os interesses pessoais que permeiam estas relações? Em relação às construtoras, como os dirigentes da CBIC também são empresários, não é difícil imaginar quais seriam estes interesses, porém, em relação ao setor público, o questionamento se torna mais intenso.

Acredita-se que a adoção do PBQP-H nas construtoras ocorre principalmente por meio dos mecanismos de indução. Estes mecanismos ainda são estabelecidos somente no âmbito do poder público, o que gera uma certa preocupação neste autor.

Em relação ao setor público, o questionamento sobre quais interesses pessoais permeariam a lógica dos Acordos Setoriais torna-se ainda mais preocupante, pois, neste âmbito, controla-se elevado volume de recursos. Se, por um lado, a certificação PBQP-H é sinônima de uma certa garantia de qualidade, por outro, este critério de seleção entre as construtoras pode levar, num primeiro momento, neste inicio da consolidação do PBQP-H, ao surgimento e favorecimento de uma elite empresarial. Esta elite desempenha papel fundamental no desenvolvimento e perpetuação de valores (SELZNICK, 1972). A característica do PQBP-H ser um

programa excludente, ou seja, restrito “a quem é do setor” também reforça este argumento do surgimento de um elite empresarial.

Além desta característica, em torno das construtoras podem ser identificadas as outras duas premissas acerca deste ambiente, em consonância com as definições de Selznick (1972):

1. Neste ambiente, é concebida e implementada uma ideologia administrativa, no caso analisado, a ideologia da qualidade, simbolizada pela certificação ISO 9000, como planos conscientes e inconscientes de comunicação e autodefesa. Selznick (1972) aponta que, de forma similar às comunidades naturais, os programas, as regras, valores e políticas são geralmente elaborados, de acordo com filosofias oficiais de grupos dominantes, visando garantir a continuidade institucional (e conseqüentemente recursos para sua sobrevivência).

2. Ocorre o surgimento de grupos com interesses competidores, no caso analisado, das empresas certificadas, que lutam pela influência dominante na sociedade, objetivando controlar as condições que favoreçam sua existência. A crise na construção civil, entre 1994 e 1998, significou uma mudança na distribuição de poder, tanto para as construtoras certificadas, quanto para o Sindicon, e é percebida pelo autor como um reflexo do desejo de domínio social.

Os interesses competidores também se apresentam quando o Crea resolve ingressar no PBQP-H, por meio do seu programa de qualificação, competindo de certa forma com os grupos formados pelo Sindicon. Embora o Sindicon também

esteja envolvido, a empresa de consultoria já é diferente, o que, com o tempo, pode significar o ingresso de novos atores sociais no setor, de forma mais intensa.

Esta participação do Crea também pode ser contestada em função da sua imagem negativa, e por sua existência somente em função do respaldo legal, caracterizando um tipo de isomorfismo normativo (DIMAGGIO; POWELL, 1991), relacionado à profissão dos engenheiros e arquitetos.

Estas características demonstram que, com o advento das certificações ISO 9000 e PBQP-H, possivelmente está ocorrendo a estruturação de um campo organizacional.