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5. ANÁLISE DOS DADOS

5.3 O PROCESSO DE DIFUSÃO DO MODELO ISO 9000

A realização de eventos pelo Sindicon contribui não só para uma maior interação entre as pessoas que atuam no setor, como também acaba legitimando o sindicato. Estes eventos, principalmente o Qualicon, servem para o estabelecimento de uma “ideologia da qualidade”, da mesma forma que ocorria em outros setores no Brasil, a partir dos anos 90.

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Na década de 90, dois fatos impulsionam a introdução da certificação ISO 9000 nas construtoras: a falência da Encol, em 1996, e o desmoronamento do Ed. Palace II no Rio de Janeiro, em 1997.

Com a credibilidade do mercado abalada, a certificação ISO 9000 surge não só como um símbolo de qualidade, mas acaba servindo erroneamente como uma garantia da idoneidade da construtora. Isto explica o porquê do incremento das vendas, nas primeiras construtoras certificadas. Com a falência da Encol o mercado de imóveis na planta ficou praticamente parado, com a demanda reprimida. Quando as primeiras construtoras foram se certificando, aos poucos, a demanda voltou a ser atendida.

Interessante observar que este processo, em que os consumidores passaram a associar a certificação ISO 9000 nas construtoras como um diferencial de mercado, foi, de certa forma, socialmente construído, embora não possa ser ainda considerado como institucionalizado, de acordo as definições de Berger e Luckmann (2002).

Supõe-se que os consumidores de imóveis, embora gradualmente, vão se habitualizando a adquirir imóveis de construtoras certificadas (a primeira parte do processo de institucionalização, a formação de hábitos e a tipificação), a certificação ISO 9000 não está cristalizada, na condição de fato exterior e coercitivo (BERGER; LUCKMANN, 2002). Prova disto é que existem muitas construtoras ainda que não possuem certificações, e atuam no mercado, gozando algumas delas de reconhecida reputação, como no caso da construtora Albamar31 de Vitória. Desta

31 A Albamar é uma tradicional construtora de edifícios de alto padrão em Vitória, sem qualquer certificação, conhecida no mercado imobiliário pela qualidade de suas obras e por construir com capital próprio.

forma, a certificação ISO 9000 não pode ser considerada “acima dos indivíduos” (BERGER; LUCKMANN, 2002), tanto dos consumidores, como dos empresários construtores.

O esquecimento da falência da Encol, como citado por um dos entrevistados, parece contribuir para a demora deste processo. Entretanto, Berger e Luckmann (2002) apontam que o processo de institucionalização envolve “historicidade”. Por outro lado, a certificação ISO 9000 parece já não ser tão vista como um diferencial, e sim como uma obrigação, como um pré-requisito mínimo para as construtoras atuarem no mercado. Embora não se tome isto como verdade, acredita-se que haja uma certa tendência para que isto aconteça, o que reforça o argumento de que a certificação ISO 9000 está em processo de institucionalização (no setor analisado). Assim, gradualmente, a crença de que a certificação ISO 9000 é sinônima de qualidade e, erroneamente segurança para o investidor, vai se institucionalizando na sociedade.

Este sistema de crenças institucionalizadas (MEYER; ROWAN, 1977), ou que tentam se institucionalizar, é responsável pela existência e elaboração de estruturas organizacionais, em dois níveis no setor analisado: no nível micro, dentro das construtoras, e no nível macro, numa estrutura organizacional que emerge em torno delas.

No nível micro, as construtoras têm que adequar sua estrutura e práticas organizacionais de modo a atender os requisitos da ISO 9000. Estas mudanças serão analisadas mais adiante.

No nível macro, em torno das construtoras, no caso analisado do Espírito Santo, emerge uma estrutura interorganizacional, que gerencia a certificação. Esta forma

organizacional pode ser atribuída não só a uma complexa “rede” de relações e processos de troca, mas também pela existência de mitos “racionais elaborados”, ou sistemas de convicção compartilhados (MEYER; ROWAN, 1977).

Esta distinção entre estruturas micro e macro organizacionais serve também para analisar as interdependências organizacionais (MOTTA; VASCONCELOS, 2002). As construtoras desenvolvem dependências em dois níveis: como construtoras do mesmo setor e com organizações de outros setores.

De acordo com a Teoria das Interdependências Organizacionais, as interdependências podem ser encontradas, dentro de ambos níveis, de forma simbiótica complementar, portanto não competitiva, e também de forma competitiva. No caso analisado, só foi encontrada uma interdependência macro organizacional competitiva, entre o Sindicon e o organismo certificador, duas entidades que, ao mesmo tempo, mantêm também uma interdependência macro organizacional não competitiva. Isto se explica pelo fato do Sindicon ser o coordenador do PBQP-H no Estado, concorrendo de certa forma, com a certificação ISO 9000, onde sua influência é limitada ao apoio às construtoras, por meio do programa de consultoria em grupo. Assim, teoricamente, o organismo certificador da ISO 9000 concorreria com o Sindicon, na disputa por qual certificação as construtoras iriam optar. Entretanto, isto não ocorre, pois o organismo certificador, com maior atuação no Estado, é “parceiro” do Sindicon no PBQP-H.

Estas entidades, os organismos certificadores, devido à sua natureza, realizam diversos tipos de certificações. Especificamente o organismo certificador pesquisado realiza tanto a certificação ISO 9000 quanto o PBQP-H. Este programa ainda incipiente é visto como mais uma “frente” de trabalho. Como alguns destes

organismos certificadores são seculares (como no caso analisado) e, são entidades sem fins lucrativos que trabalham no “livre mercado”, sem estarem apoiadas diretamente pelos governos, supõe-se que eles são vistos como “necessários para a sociedade”. Assim, considera-se que estas entidades, no caso analisado, e a Caixa Econômica, são as organizações (ou agentes sociais) que mais se aproximam da definição de instituição de Selznick (1972).

Os agentes de certificação e acreditação são um dos exemplos citados por Meyer e Rowan (1977) como fontes institucionais e sistema de crenças, encontrados na sociedade moderna, de forma cada vez mais racionalizada. Focando os aspectos simbólicos do ambiente e suas respectivas fontes, percebe-se que o certificado ISO 9000 funciona como um símbolo, dentro e fora das empresas.

Dentro das empresas, o certificado é visto até como um “diploma”, como um “título”, o que reforça esta visão simbólica.

Fora das empresas, o certificado ISO 9000 é visto como um símbolo de qualidade, eficiência e solidez financeira. Esta percepção, por parte dos consumidores de imóveis, é construída principalmente pela mídia, feita em torno das certificações das construtoras, buscando-se criar esta “ideologia da qualidade”, associada à ISO 9000.

As cerimônias promovidas pelo Sindicon, em torno das primeiras construtoras certificadas no Estado, a mídia e, possivelmente, a pressão dos próprios consumidores, acabam fazendo com que os outros empresários de construtoras não certificadas se sintam pressionados a obterem também o certificado.

Embora algumas empresas já até possuíam alguns procedimentos documentados (o que demonstra que algumas das práticas prescritas na ISO 9000 já eram desenvolvidas), percebeu-se que a decisão por adotar um modelo gerencial com base na ISO 9000, e obter a certificação ocorre principalmente por motivos externos à empresa, oriundos do ambiente.