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2 A CORREÇÃO DO FLUXO ESCOLAR E SUAS IMPLICAÇÕES NOS

2.3 CORREÇÃO DE FLUXO ESCOLAR: UMA ANÁLISE SOBRE A REALIDADE

2.3.3 Perfil e Atuação do Professor

Vários foram os aspectos observados, na pesquisa, sobre a prática docente. O perfil de alguns professores escalados para atuar no projeto e a formação acadêmica foram considerados, por parte da Gestão, como um dos aspectos de suma importância para o bom desempenho dessa política pública. Pois, em algum momento da implementação do Projeto, houve incongruência na seleção desse profissional, conforme as falas da Coordenadora Estadual e da Supervisora Escolar:

Às vezes, colocava-se professor sem o perfil. Havia necessidade de ter um professor diferenciado, porque a turma era diferenciada, eram uns alunos com uma defasagem muito grande, [...] eram muitos indisciplinados. (CEP, em 31 de outubro de 2018)

Não lotar professor para resolver o problema de lotação. Só lotar aquele professor que tem perfil, por livre espontânea vontade e que reconheça a sua responsabilidade no projeto. (SES, em 05 de novembro de 2018)

Em relação às docentes das duas turmas analisadas, durante as entrevistas, percebeu-se que não houve uma estratégia de análise, por parte da gestão escolar, sobre os requisitos específicos para o perfil necessário, pois as próprias professoras escolheram atuar nesse projeto. A primeira professora já tinha tido uma experiência com atividade similar em outra instituição, o que, segundo ela, a instigou a aceitar a titularidade. No caso da segunda professora, esta estava sem lotação e resolveu aceitar por decisão própria, mesmo sem o curso de formação para atuar no projeto e sem possuir experiência anterior com a modalidade a ser ministrada, contando apenas com sua experiência de sala de aula no Ensino Regular.

Entretanto, a formação inicial, por si só, não garante aptidão para a atuação do professor no projeto em epígrafe. Sem o curso de capacitação para a docência na Metodologia Telessala™, oferecido pela FRM, a performance do mediador da aprendizagem fica comprometida e pode sinalizar um sintoma para os eventos desencadeados nos resultados. É lícito afirmar que os resultados, inclusive cognitivos, de uma turma de correção de fluxo, dependem da identidade do professor que assume tal mediação. Essa reflexão é feita por Freire (2007), ao dizer que

Antes de qualquer tentativa de discussão de técnicas, de materiais, de métodos para uma aula dinâmica assim, é preciso, indispensável mesmo, que o professor se ache “repousado” no saber de que a pedra fundamental é a curiosidade do ser humano. É ela que me faz perguntar, conhecer, atuar, mais perguntar, re-conhecer (FREIRE, 2007, p. 86).

Nesse sentido, o conhecimento sobre os assuntos abordados é tão importante quanto o domínio das técnicas utilizadas na metodologia. Ambos são indispensáveis para que haja receptividade e desempenho por parte dos aprendizes. Desta forma, é necessário que o professor examine continuamente seu “fazer pedagógico”, ressignificando sua prática diária, com base no movimento constante de aprender a ensinar.

Tendo em vista esses dois aspectos, o conhecimento sobre a metodologia e o conhecimento acerca dos conteúdos previstos no currículo que compõe o projeto, buscou-se, junto aos estudantes, elementos que evidenciassem suas concepções acerca da dinâmica do professor em sala de aula.

O gráfico 12 representa a visão dos alunos, em relação às professoras, no que se refere ao domínio dos conteúdos ministrados.

Gráfico 12 - Domínio das Professoras sobre os conteúdos que ensinavam 55% 28% 17% 0% A afirmativa é verdadeira

Poucas vezes a professora teve dificuldades em explicar os conteúdos

Muitas vezes a professora teve dificuldades em explicar os conteúdos

A professora não tinha domínio dos conteúdos que ensiva

Fonte: Própria Autora. 2018.

O Gráfico 12 questionou se a professora tinha domínio dos conteúdos que ensinava. As respostas mostraram que, para 55%, a afirmativa é verdadeira; para 28%, poucas vezes a professora teve dificuldades em explicar os conteúdos e por fim, para 17%, muitas vezes a professora teve dificuldades em explicar os conteúdos.

Em relação à formação inicial dos profissionais a serem selecionados para a docência no Projeto, percebe-se, na fala do gestor Escolar e da Professora do Ensino Regular, a necessidade de haver professores formados nas respectivas áreas do conhecimento, a fim de garantir o domínio dos conteúdos na sala de aula.

Ao serem questionados sobre quais aspectos poderiam ser modificados no Projeto Salto, as respostas mostraram as seguintes proposições:

Ser distribuído professor de área também. Por exemplo, o professor de Língua Portuguesa, que é o nosso caso, trabalhou todas as disciplinas. (...) se ao invés de um professor só, fossem dois, ou três até quem sabe, por áreas (...). (PER2, em 06 de outubro de 2018)

Poderia ter um profissional, por área do conhecimento. O profissional, por área do conhecimento, agregaria um valor maior ao projeto. Porque o profissional que está lá, hoje, tem que ser polivalente, ele passa por uma formação, mas ele não é habilitado, por exemplo, pra matemática, química, física... Então, se houver continuidade no projeto, seria um ponto essencial ter professores por área do conhecimento. (DE, em 06 novembro de 2018)

para a promoção da aprendizagem, sabe-se que o conhecimento sobre os conteúdos abordados é essencial para a prática pedagógica. Além disso, outro aspecto de grande importância, não apenas para este projeto, mas para todo contexto de aprendizagem, refere-se ao “domínio de sala de aula”, onde o professor seja capaz de garantir a disciplina dos aprendizes durante as aulas. Sobre essa questão o gráfico 13 apresenta a percepção dos estudantes em relação às professoras.

Gráfico 13 - Domínio das Professoras sobre o comportamento da turma

17%

72% 11%

0% A afirmativa é verdadeira

A professora tinha bastante domínio sobre o comportamento dos alunos, mas algumas vezes havia um pouco de bagunça A professora tinha pouco domínio sobre a turma, na maioria das vezes havia bagunça na sala de aula

A profesossora não tinha domínio sobre o comportamento dos alunos e o tempo todo havia bagunça na sala de aula Fonte: Elaborado pela autora (2018).

Quando perguntados se a professora tinha domínio de sala de aula, mantendo a disciplina dos alunos, as respostas dos entrevistados mostraram que: para 72% dos entrevistados a professora tinha bastante domínio sobre o comportamento dos alunos, mas algumas vezes havia um pouco de bagunça; 17% disseram que sim, ela tinha domínio; por fim, para 11% a professora tinha pouco domínio sobre a turma, na maioria das vezes havia bagunça na sala de aula. Este aspecto também pôde ser observado nas falas das professoras.

Acho que o ponto mais negativo é a indisciplina. Porque, como eles estão desmotivados, eles não estão nem aí para nada. Nem para você, nem para o projeto. Eles estão, alí, porque eles são os reprovados da escola. É assim que eles chegam lá. Já vêm taxado. A indisciplina é muito grande, porque eles não querem nada com nada. (PPS1, em 26 de outubro de 2018)

quietarem, para saberem que eles eram capazes de ficar em silêncio e um silêncio produtivo, [...] que eles pudessem trabalhar. Então, a questão da disciplina foi bem complicado. (PPS2, em 29 de outubro de 2018)

Ao analisar as falas das professoras, contrastando com as respostas dos discentes, pode-se perceber convergência nos pontos de vistas. Ambos deixam claro que as professoras tinham um certo domínio sobre a turma, entretanto, o comportamento dos estudantes geravam “bagunça” na sala de aula. Isto posto, é de se considerar que, em virtude da faixa etária e das condições em que esses alunos se encontram devido às várias reprovações, a prática docente, junto às turmas, requer grande empenho por parte dos docentes, para que haja harmonia em sala de aula.

Outrossim, os resultados de projetos dessa dimensão vão além dos critérios de “matérias e técnicas” ou ainda disponibilidade do mediador, visto que conduzir o estudante à autoafirmação cognitiva, proposta pela metodologia do projeto, passa pela formação do mediador, que, nesse caso, deverá significar os sentidos de aprendizagem propostos por Freire (2007, p. 63) e também pontuados por Sampaio.

Recompondo-se o processo de aprendizagem desses alunos, instala- se a confiança na capacidade de superar problemas escolares, o que será instrumento precioso para promover sua auto-estima, seguidamente rebaixada no percurso anterior. Sua aprendizagem efetiva será também o parâmetro para que o professor possa, por meio da avaliação, dosar e organizar a seqüência do ensino, sabendo como ajudar, para onde ir e aonde chegar, a fim de que todos possam prosseguir com segurança em seu retorno às classes comuns.

Observa-se que alguns aspectos previstos na metodologia são suprimidos durante a implementação, ora por carência de profissionais, como é o caso do apoio da equipe multidisciplinar da CRE, ora pela existência do profissional, que, com muitas outras atividades no contexto escolar, não dão o suporte necessário ao professor, como é o caso do Supervisor Escolar, que tem a função de auxiliá-lo no planejamento diário e acompanhar o seu trabalho, por meio das visitas semanais à sala de aula.

Quanto à efetiva participação da equipe da CRE, as professoras entrevistadas apontam algumas contribuições sazonais. A primeira afirma que sempre no início das atividades (2013 e 2014), “houve participação da equipe multidisciplinar” (PPS 1, em 26 de outubro de 2018). A outra, entretanto, afirma “desconhecer qualquer envolvimento dessa equipe durante suas atividades laborais” (PPS 2, em 29 de

outubro de 2018).

Quanto ao acompanhamento pedagógico, percebe-se um contraste de opinião entre a supervisora e as professoras. Ao ser questionada sobre o suporte pedagógico desenvolvido junto às professoras, a supervisora assume que “gostaria de ter acompanhado mais” (SES, em 05 de novembro de 2018), pois, segundo ela, esse acompanhamento ficou comprometido, em função das diversas atribuições que lhes são delegadas na escola:

[...] eu tenho um monte de atribuições no meu setor, coordeno outros três projetos que não me dava tempo de eu ir lá. Eu me confiava, porque temos, no Salto, professores de excelência que, realmente, não precisavam. Então, eu me confiava nisso e só ia lá de vez em quando, quando eu sabia que tinha um projeto, quando tinha uma atividade, quando tinha uma oficina, quando eu sabia que ela ia aplicar alguma coisa que precisava de reforçar para eles aquela questão da autoestima eu ia. Ou, quando elas compartilhavam comigo alguns problemas de dificuldades e precisava que eu fosse lá, reforçar as chamadas de atenção. Mas, eu nunca fui aquela supervisora que estava lá, todo dia. (SES, em 05 de novembro de 2018)

Contrastando com a resposta da SES, as professoras do projeto afirmam terem recebido apoio pedagógico da atual supervisora, afirmando que, anteriormente, “não havia esse acompanhamento” (PPS2, em 29 de outubro de 2018), entretanto, após sua indicação, a supervisora passou a fazê-lo.

Na segunda etapa, não havia supervisão da CRE e tanto a direção, quanto a coordenação pedagógica acompanhavam; eles perguntavam como estava, observavam o resultado das avaliações, os resultados das atividades, a coordenadora sempre estava me perguntando a respeito do desenvolvimento deles. (PPS1, em 26 de outubro de 2018)

Ela ia na sala, mesmo a gente não chamando, ela ia. Fazia esse acompanhamento legal, sentava com a gente e tal. A primeira parte, que foi a outra coordenadora, ela não fazia isso; e a gestão também não. (PPS2, em 29 de outubro de 2018)

Não apenas neste projeto, mas em todos espaços de ensino, é fundamental que o professor e o supervisor escolar tenham clareza de suas funções para o planejamento do trabalho diário e que este aconteça de fato. Não obstante, o fato de a supervisora ser responsável por vários projetos na escola dificulta a sua atuação, comprometendo o seu desempenho enquanto parte importante do processo.

Incongruências ao final do projeto são percebidas no ensino médio, fator demonstrado nas entrevistas com as professoras que atuaram junto aos alunos oriundos do Salto. Ao serem questionadas se houve algum tipo de planejamento de atividades diferenciadas para atender às dificuldades de aprendizagem dos alunos oriundos do Projeto Salto, a PER1 descreve tacitamente que “Não! Não tinha, era para trabalhar, assim, como se fosse a turma normal” (PPS1, em 31 de outubro de 2018). Porém, a PER2 destoava da anterior, afirmando que esse procedimento “já seria a parte do meu planejamento, mas não especificamente do Salto”, mas “para atender às dificuldades daqueles que sentiam determinada dificuldade em conteúdo de pré- requisitos” (PER2, em 05 de novembro de 2018).

É seguro afirmar que a escola é um ambiente onde o trabalho conjunto é parte indissociável do planejamento pedagógico, principalmente, em se tratando da ação pedagógica voltada aos estudantes em defasagem escolar. A ação conjunta, além de favorecer a reflexão sobre a prática docente, favorece aos gestores e professores avaliar o desempenho dos estudantes e a aprendizagem necessária para a continuidade de sua escolarização.

No caso das classes de aceleração, quando o que está sendo discutido é a aprendizagem dos alunos, não se concebe ação isolada de melhoria do ensino deste ou daquele professor, deste ou daquele componente do currículo. Antes de professor da matéria, cada um é professor de pessoas que precisam aprender, e que devem ser guiadas por um grupo de educadores. Esse grupo deverá encontrar condições na escola para pensar em conjunto e agir de forma integrada numa mesma direção, estabelecendo quais são as aprendizagens comuns, a serem promovidas por todos -como é o caso das habilidades de leitura e escrita - e quais as aprendizagens específicas indispensáveis para a volta dos alunos ao conjunto dos seus companheiros de idade na escola, em fase mais adiantada de escolaridade. (SAMPAIO, 2000, p. 63)

Nesse sentido, percebe-se que, na escola de referência, houve desconexão entre a prática docente nas classes de aceleração, e a preparação dos professores para a prática docente no Ensino Médio, fato que, provavelmente, tenha prejudicado o acolhimento do aluno e sua reinclusão no contexto da sala de aula de ensino regular.

Para aprofundar a análise, foi necessário ir além dos indicadores que permitissem avaliar os impedimentos que interferem diretamente na otimização dos recursos técnicos/didáticos pelo próprio estado. Nesse sentido, foi essencial uma investigação sobre todos os pontos do Projeto Salto, considerando a concepção de

cada ator e a sua formação e qualificação, de forma a desenvolver com maior propriedade o planejamento de suas etapas, otimizar a metodologia, (re)criar estratégias e fundamentar as avaliações de acordo com o propósito do projeto.

Outrossim, em tal processo educativo, é primordial que o professor possa contar com apoio de toda todos os atores envolvidos, desde os diretores e supervisores à equipe técnico/pedagógica da SEDUC, para, enfim, consagrar o direito a uma educação de qualidade a cada um dos alunos integrantes da proposta. Por outro lado, aos próprios estudantes, cabe uma parcela de contribuição para sua transformação enquanto educando e cidadão. Este assunto será tratado no próximo tópico.